28 fevereiro 2024

Raul Córdula opina

A arte contemporânea
Raul Córdula*

É comum a incompreensão do termo “arte contemporânea” que sugere a arte realizada no mesmo tempo que outra. Assim teríamos uma instalação e uma pintura tradicional, realizadas no mesmo tempo época, como exemplos de arte contemporânea, uma da outra. Não, este seria o sentido coetâneo, isto é, existente no mesmo tempo.
 
O que aconteceu com a criação das artes visuais, chamadas até pouco tempo de artes plásticas, desde o Renascimento até meados do século XX, foi uma sucessão lógica de causas e efeitos que acompanhou a evolução social atrelada aos mesmos valores e conceitos técnicos e estéticos embasados por “normas acadêmicas” que inclusive tratou a arte mais como habilidade do que como pensamento criativo. Em meados do século XIX alguma coisa importante aconteceu, foram os primeiros estertores da arte moderna com o aparecimento de artistas como Manet, Monet, Renoir, Cezanne e outros: o impressionismo.  

O impressionismo mudou o contexto da arte, mudando seus meios e modos de pintar, pois a pintura evoluiu antes das outras categorias de artes plásticas. Mas os conceitos básicos da estética das belas artes, como equilíbrio cromático, composição aérea e harmonia, por exemplo, permaneceram, mesmo que em alguns momentos utilizados como metalinguagem, ou uma crítica além si mesma.

A razão das mudanças está na história: observação do mundo a partir da revolução industrial, evolução da ciência e invenções como a fotografia e o cinema. A cada passo da humanidade a criação da arte passou a mostrar novas feições.

Na tentativa de traçar uma linha no tempo, partindo do impressionismo, chegamos ao seguinte: pós-impressionismo – expressionismo – cubismo – futurismo – construtivismo – suprematismo – dadaísmo – surrealismo – realismo socialista – informalismo – expressionismo abstrato – neoconcretismo – happening – minimalismo – land art – arte povera – arte conceitual – arte performática – arte tecnológica – body art – vídeo arte – grafite, pichação e outras manifestações de arte de rua – instalação, e o que mais vier.

Vemos que em um século e meio, mais de vinte movimentos da arte internacional se sucederam, enquanto nos três séculos e meio anteriores tivemos não muito mais que o Renascimento e seus desdobramentos.
 
Nessa sequência, porém, assistimos ao aparecimento de movimentos que, nas décadas de 1910/1920, preconizavam o que aconteceria no final do século XX. Refiro-me a Marcel Duchamp e seus seguidores que propuseram as mudanças mais profundas existentes no sistema ocidental da arte.  Considera-se o ready made, inventado por Duchamp em 1917, como o primeiro objeto da arte contemporânea. As categorias artísticas foram-se transformando em experiências linguísticas e se “desmaterializando”, no sentido de abandonar os materiais e procedimentos tradicionais da arte.

Fato é que a arte tradicional, com o olhar no passado, pouco conviveu com a realidade que conduziu a arte contemporânea no século XXI. Fala-se mesmo no “fim da arte” como verdade marcante do século XX. O filósofo e crítico de arte Arthur Danto escreveu sobre isto no importante livro “A arte após o fim da arte” – a arte contemporânea e os limites da história”, que esmiúça a independência da arte dos últimos quarenta anos, o que não significa o término da arte mas uma nova relação da arte com o mundo.

É comum dizer-se hoje que “arte é atitude”. Este conceito é defendido por Jerome Stelnitz, no importante artigo “A atitude estética”. Ele definiu o espírito da contemporaneidade da arte como: “Atenção e contemplação desinteressadas e complacentes de qualquer objeto da consciência em função de si mesmo”. Isso nos leva a Foucault quando fala de “uma estética da existência”, que não se pode colocar apenas no ponto de vista do objeto, mas também, ou principalmente, do artista que se envolve em atitudes que podem ser pensadas também como “estéticas da indiferença”.

O grande artista contemporâneo alemão Joseph Beuys depois da 2ª Guerra, quando ao retomar seu caminho na vida adotou atitudes absolutamente relacionadas à estética, o que podemos colocar como na área da “estética da existência”. Para ele a arte é o único meio “evolucionário – revolucionário” capaz de “combater os efeitos repressores de um sistema social senil que continua a capengar na direção da morte”.
Se em Rio e São Paulo nas décadas de 50/60 já se anunciava a arte contemporânea, em Pernambuco a arte contemporânea esboça-se na década de 1970 com as obras de Montez Magno, Anchises Azevedo, Daniel Santiago, Paulo Brusky e Silvio Hansen. A criação do Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães – MAMAM foi decisiva para sua consolidação, com as políticas implantadas pelo curador Marcos Lontra, seu diretor na época, e pelos que lhe sucederam, como Moacir dos Anjos, Cristiana Tejo, Beth da Matta e as diretorias que lhes sucederam. A fundação Joaquim Nabuco, através de sua Superintendência de Cultura, ofereceu na década de 1990 uma série de cursos ministrados pelo curador Agnaldo Farias, que contribuíram fundamentalmente para a formação deste olhar. Em 1999, com a finalidade de reativar o antigo Salão dos Jovens do qual o Museu de Arte contemporânea de Olinda realizara várias versões, a Secretaria de Cultura do Estado, sob nossa curadoria, produziu o “Prêmio Pernambuco de Artes Plásticas – Novos Talentos”, que revelou a existência de jovens artistas contemporâneos como Bruno Monteiro, Carlos Mélo, Renata Pinheiro, Rodrigo Braga, Kilian Glasner, André Aquino, Juliana Calheiros, Marcos Costa, Beth da Matta, Jeims Duarte, Adriana Aranha e Marina Mendonça, entre outros. Em 2000 a 45ª versão do Salão do Estado, intitulado pelo secretário de Cultura Carlos Garcia de Salão Pernambucano de Artes Plásticas 2000, também teve nossa curadoria, e colocamos no seu programa o seminário intitulado “O curador como coautor da obra de arte”, que teve a coordenação da Fundação Joaquim Nabuco sob a responsabilidade de Moacir dos Anjos. Neste seminário foram conferencistas curadores como Lisethe Lanhado, Agnaldo Farias, Rodrigo Naves e o próprio Moacir dos Anjos.

[Ilustração: Lucian Freud: Benefits Supervisor Sleeping (1995)]

*Artista plástico, curador e crítico de arte
Fotografia: a arte de Jaqueline Vanek https://l1nq.com/dOBVU

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