Dona Elzita incansável à procura do filho desaparecido na ditadura
Sobreviventes e estudiosos da ditadura sabem que aqueles anos mataram, destruíram, difamaram, mas fizeram crescer algumas pessoas
Urariano Mota*/Vermelho
Nesta sexta-feira, no Compaz Dom Hélder Câmara, estarei com as vozes de Cida Pedrosa, Marcelo Mário de Melo, Chico Assis, Pedro Tierra, Gilvandro Filho, e Marcelo Melo, do Quinteto Violado. Estaremos juntos e unidos na indignação contra os crimes da ditadura brasileira, nos 50 anos do sequestro e assassinato de Fernando Santa Cruz e Eduardo Collier. Na ocssião, faremos uma homenagem à memória de Dona Elzita, tudo organizado pelo filho e militante de direitos humanos Marcelo Santa Cruz. .
Divulgo a seguir trechos do que devo falar sobre a mãe de Fernando Santa Cruz, a brava Dona Elzita.
Eu não pude comparecer à missa pelos cem anos de vida de Dona Elzita, completados em outubro de 2013. Mas como na literatura o tempo se recupera, atualizo um texto que escrevi um dia sobre ela.
Elzita Santa Cruz, mãe de dez filhos. O quinto, chamado Fernando Santa Cruz, foi preso em 23 de fevereiro de 1974. Com a prisão de Fernando, dona Elzita percorreu os quartéis do Rio, do Recife, de São Paulo à sua procura. Nada conseguiu. Escreveu intermináveis cartas sem respostas às autoridades civis e militares, e denúncias, com risco da própria vida. Mas Fernando Santa Cruz nunca mais apareceu. Uma foto do filho, a última, permanecia na parede da sala da sua casa, enquanto ela falava, com a voz embargada: “Espero que deem uma luz à história, que contenha realmente o que aconteceu com os desaparecidos”.
Dos 96 anos de idade até o fim, o aniversário de Dona Elzita tem sido como uma data nacional, podemos dizer, pois ela ampliava em uma reivindicação geral um anseio particular, legítimo, como são legítimos e universais os anseios das mães.
Numa campanha que o governo brasileiro vinculou nas tevês, no primeiro governo Dilma, para que as pessoas doassem e revelassem o que ainda, aterrorizadas, possuíam em casa, Dona Elzita apareceu com um breve depoimento onde recitou um poema. Com voz firme ela encantava: “Hei de vê-lo voltar”, ela dizia, “o meu doce consolo, o meu filhinho. Passam-se anos, e o véu do esquecimento baixando sobre as coisas tudo apaga. Menos da mãe, no triste isolamento, a saudade que o coração esmaga”.
Um dos filhos vivos, Marcelo Santa Cruz, me disse uma vez que ela era uma grande mulher. E que para os católicos ou cristãos, ela era uma dádiva de Deus. Mas uma semana depois eu respondi a ele, por email, que Dona Elzita, para mim, se assemelhava a um baobá. Não pelo porte, pela altura, pelo tronco ou pela copa da árvore majestosa, porque Dona Elzita era pequena de corpo e magrinha de carnes. A semelhança com a maravilhosa árvore vinha da sua resistência. Vem do que o baobá, árvore sagrada para os cultos afros, árvore sagrada para os que amam a vida, retém de homens e mulheres, da memória de homens escravizados e resistentes desde a África. Dona Elzita lembrava também o baobá pela fecundidade, pelo exemplo fecundo de mulher, que também nasce quando faz nascer meninas e meninos.
Os pesquisadores contam que os baobás se desenvolvem em zonas sazonalmente áridas. Os sobreviventes e estudiosos da ditadura sabem que aqueles anos mataram, destruíram, difamaram, mas fizeram crescer algumas pessoas. Como se tais pessoas fossem um baobá. Por isso encerro aqui, deixando para a guerreira esta saudação como um feliz aniversário. Salve, Dona Elzita!
*Jornalista, escritor
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