A Nova Indústria Brasil. Vamos partir para a prática?
Novo programa busca revitalizar a indústria nacional, mas requer maior detalhamento e ação colaborativa para efetivação
Abraham B. Sicsú/Vermelho
Política industrial, por definição, é micro proteções para alavancar segmentos estratégicos da matriz produtiva nacional. O resultado depende das prioridades elencadas e dos instrumentos selecionados para sua implementação. E, desta maneira, devem ser seletivas e orientadas para suprir lacunas e aproveitar oportunidades que venham a surgir na complexa matriz produtiva.
Um plano de ação para reerguimento do setor no Brasil e estancamento do processo de desindustrialização brasileiro foi lançado em 22 de janeiro, o “Nova Indústria Brasil’. Na ocasião, após ler os documentos preliminares, saudamos como muito necessária para o desenvolvimento nacional e bem concebida, contudo faltando um detalhamento do como fazer e de quem se responsabilizar.
Ficando a cargo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial CNDI e dos grupos de trabalho que criou, esse detalhamento seria apresentado a seguir. Procuro, mas são poucos os documentos que têm sido apresentados e muito menos as ações específicas. Parece ser o momento de isso se apresentar.
O Plano é baseado no conceito de Missões como vetor de definição das políticas públicas. Segundo Mazzucato, “uma abordagem para missões é sustentada por uma compreensão do papel do Estado na economia que, ex-ante, seja sustentável e pré-distributiva. Isso contrasta com a idéia mais tradicional, que relega o Estado a corrigir falhas de mercado e a adotar uma colcha de retalhos de políticas isoladas, em que se buscam objetivos econômicos separadamente dos ambientais e sociais.”
Reconhece o Estado como indutor do desenvolvimento no mundo moderno e a necessária articulação das visões econômica, social e ambiental. Mundo em que o processo de inovação, cada vez mais acelerado, passa a ser a principal arma da concorrência e definidor da competitividade e melhoria de posição dos diferentes países. O planejamento deve ter essa concepção como premissa.
A abordagem não pode ser meramente setorial, deve ser orientada pelos problemas efetivos que a sociedade tem e aos que o Estado deve dar resposta. Nesse sentido, é fundamental uma visão transversal que envolva as diferentes instâncias estatais e a iniciativa privada enfim, todos os que têm uma efetiva contribuição para a resolução de problemas detectados, a serem enfrentado. Não ver a indústria isoladamente, compreender e agir em seus encadeamentos para frente e para trás.
Com esse enfoque foram definidos três objetivos, quais sejam estimular o progresso técnico e, conseqüentemente, a produtividade e competitividade nacional, aproveitar melhor as vantagens competitivas do país e reposicionar o Brasil no comércio internacional.
Para tal, seis missões foram escolhidas como foco e elas serão a base para atuação: “Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética”; “Complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar o acesso à saúde”; “Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades”; ”Transformação Digital da indústria para ampliar a produtividade”; “Bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as gerações futuras”; “Tecnologias de interesse para a soberania e defesa nacionais”.
Parece que o Plano foi bem concebido tentando corrigir distorções que diminuíam em muito nossa competitividade. No entanto, falta explicitar e operacionalizar o processo. Entre outros aspectos, citaria os seguintes:
A participação de outros agentes, não detalhada, fundamental para o êxito na consecução das Missões. Entre estes, deve-se destacar as empresas estatais e para estatais, como a Petrobrás e a Embrapa, a iniciativa privada, inclusive no financiamento do programa, e, não esquecer, as instâncias representativas da sociedade brasileira que dele poderão ser beneficiadas.
Os encadeamentos da indústria, para frente e para trás, dando uma visão de transversalidade ao Plano, pouco aparecem no texto de anúncio da política e devem ser ressaltados.
As fontes externas de financiamento, captadas pelo BNDES, não são explicitadas, o que dificulta entender o fluxo de recursos para as ações e para a consolidação do programa.
Falta a explicitação de mecanismos de monitoramento, fundamental para uma política de reestruturação setorial.
No já anunciado, não se vê uma preocupação sistêmica nos financiamentos. Ao falar de BNDES e FINEP o foco apresentado nos poucos documentos a que tive acesso, ainda se situa no crédito ás empresas, em geral individualizado.
Conseguir compreender as cadeias produtivas priorizadas, seus encadeamentos, os complexos produtivos e a dinâmica que a eles deve ser dada são fundamentais.
Lembrar que indústria tem sua produtividade muito assentada em escalas de produção e conglomerados fazem-se necessários para uma maior penetração em espaços muito competitivos como os mercados internacionais.
Se a base é, ou pretende ser, inovação, fundamental consolidar Sistemas Territoriais de Inovação. Tendo como base a idéia de que a inovação, com processos cumulativos de aprendizado e interação, é o motor principal do desenvolvimento, e estes se alicerçam na concepção de que a proximidade e, portanto, o território em que ocorrem, é o locus para dinamizar essas interações. O contexto e a confiança entre os atores são elementos chave.
O comprometimento e envolvimento dos agentes transformadores com a realidade em que vivem são fundamentais para uma dinâmica mais inovadora nas regiões. Para tanto, fundamental conhecer o complexo produtivo localizado e sua dinâmica. Entender suas articulações regionais, nacionais e internacionais procurando apoiar a inserção local.
Criar programas que apóiem as cadeias de suprimento e permitam chegar a mercados potenciais. Articular-se com as Políticas Públicas de Inovação, Comércio Exterior, Agrícola e mesmo a de Financiamento. Essas articulações não parecem explicitadas e fazem-se necessárias para atingir os objetivos propostos.
Fazer parcerias com agências de financiamento internacionais, entre outros com bancos de desenvolvimento, faz-se necessário para alavancar os programas. Se a base dos programas não é financiamento via orçamento federal, o que foi anunciado e parece muito correto, essas articulações podem dar consistência a longo prazo para o programa.
Ajudar a consolidar ou criar instituições na área de Pesquisa e Desenvolvimento, mas também, de Tecnologia Industrial Básica, Metrologia, Certificação e mesmo Design ou Marketing. Valorizar os diferenciais locais.
Criar ou ajudar a consolidar trade points em mercados em que possamos ter maior inserção passa a ser básico. A política exterior brasileira pode voltar a ter essa preocupação, sendo nossas representações, nos diferentes países, espaços adequados para suporte ás negociações e viabilização de contratos estratégicos.
Tenho certeza de que os grupos de trabalho devem estar debruçados no explicitar esses caminhos. Mas, o tempo passa e é importante que isso seja anunciado rapidamente. Parece ser caminho a ser valorizado nestes anos de reestruturação quando se lançam bases para novas políticas centradas em missões, “políticas sistêmicas que vão além de instrumentos de indução pela política de ciência ou mesmo inovação”, que permeiam diferentes áreas de atividades.
Para além das faces visíveis https://bit.ly/3Ye45TD
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