05 agosto 2024

Enio Lins opina: Venezuela

A Venezuela e sua encruzilhada dramática
Enio Lins     

Uma das polêmicas mais aquecidas nestes dias é a eleição presidencial na Venezuela, um barril de petróleo onde todo mundo quer meter a colher. E a coisa lá, inegavelmente, passou do ponto de madurez, azedou.

JABUTICABA VENEZUELANA?

Muita gente acha que o dito “regime chavista” surgiu de repente, assim, do nada. Mas um olhar mais atento descortina esse ponto de virada como produto de um profundo desgaste da ocupação do poder pelo grupo do Pacto de Punto Fijo – firmado em 1958 por três partidos tidos como “democráticos” e alinhados aos Estados Unidos – que governou a Venezuela durante 40 anos ininterruptos, e levou o país a uma terrível crise econômica e ética. Daquele período se destaca o “Caracazo”, jornada de protesto contra a fome, o desemprego e a corrupção, realizada em Caracas, em fevereiro de 1989, cuja repressão pelo governo Andrés Perez deixou 286 pessoas mortas. Na sequência das revoltas por conta desse massacre, em 1992, um grupo de 300 militares comandados pelo tenente-coronel Hugo Chaves tentou derrubar Perez, sem sucesso. Chavez ficou pres o por três anos e, depois de sair da cadeia, abandonou a carreira militar e se dedicou à política.

ELEIÇÃO ALVISSAREIRA

Hugo Chavez foi eleito presidente em 1998, numa vitória que entusiasmou até o então deputado federal Jair Messias, que, em entrevista n’O Estado de São Paulo, em 1999, declarou: “Chávez é uma esperança para a América Latina e gostaria muito que essa filosofia chegasse ao Brasil”, complementando: “Acho ele ímpar. Pretendo ir a Venezuela e tentar conhecê-lo”. Com o aprofundamento de suas medidas de cunho popular, Chavez passou a ser reconhecido como “socialista bolivariano”. Vítima de um golpe de estado em 2002, ficou detido durante três dias, mas retomou o poder em seguida, e cuidou de ampliar suas forças. Depois de reeleições sucessivas, e conquistas sociais expressivas na campos da distribuição de renda e inclusão social – apesar do crescente desgaste junto ao empresariado e parte das camadas das classes m&ea cute;dias – Hugo Chavez morreu de câncer aos 58 anos, em março de 2013. Nicolás Maduro lhe substituiu, eleito e reeleito, mas com menos carisma, menos habilidade, e enfrentando uma galopante crise econômica (em parte consequência do rigoroso boicote estadunidense, em parte por erros estratégicos próprios), que fez sumir boa parte dos avanços sociais obtidos.

CERCO AO CHAVISMO

Assim como o Pacto de Punto Fijo se estendeu no poder na Venezuela ao longo de 40 anos de conflitos sociais e crises econômicas, o chavismo tem se mantido por 26 anos de conflitos sociais e crises econômicas – com a diferença que, pelo menos até 2013, o chavismo conquistou êxitos históricos, quando, segundo a CEPAL, a pobreza foi reduzida de 48,6% para 29,5% entre 2002 e 2011, período em que a indigência caiu de 22,2% para 11,7%, e multiplicou centros de ensino em todos os níveis. Mas sobreveio o tropeço, rápido e demolidor. Segundo o jornal El País, em reportagem de setembro de 2021, “Entre 2014 e 2021, o emprego formal se reduziu em 21,8 pontos percentuais, o que significa 4,4 milhões de postos de trabalho, 70% dos quais no setor público, e o restante na iniciativa privada. Só no último ano foram eliminadas 1,3 milhão de vagas”. As ondas de refugiados passaram a ser símbolo do fracasso socioeconômico.

ERROS POLÍTICOS-ELEITORAIS

Apesar das tentativas de sair do buraco, que envolveram acordos com os Estados Unidos (Doha, 2023, e Cidade do México, 2024) para suspensão temporária das sanções ao petróleo, gás e ouro venezuelanos, a eleição deste ano emparedou o chavismo. Uma série de acusações de manobras jurídicas impedindo candidaturas oposicionistas ampliaram o desgaste do governo e, o erro mais recente, e mais impactante, explodiu pela incapacidade de responder convincentemente (e em tempo hábil) às acusações de fraude eleitoral. Isso multiplicou o isolamento internacional de Maduro, e alimentou substancialmente as velhas forças del Pacto de Punto Fijo, que, maquiadas como “novidades democráticas”, afiam suas facas e seus garfos para voltar ao poder – com um apetite canino, acumulado durante 26 anos. O jogo não findou para o time de Nicol& aacute;s, é certo, mas a possibilidade de uma virada no placar passou para o campo da imponderabilidade.

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