Frente ampla, sempre; mas para construir o que, para quem?
Enio Lins
COMO SE SABE, uma frente se constrói entre grupos políticos que pensam diferente. Unidos, circunstancialmente, em função de determinados objetivos. É, necessariamente, maior que um partido e/ou uma tendência, e contêm, em seu âmago, uma disputa intestina maior que no interior de um partido qualquer. Lula tem sido particularmente habilidoso na construção de grupos heterogêneos – especialmente a partir de 2002, quando, não por coincidência, vence a eleição e daí segue caminho.
LULA GANHA em 2002 com uma composição alargada para dentro da preamar da centro-direita, e marca uma virada história brasileira. Naquele ano, o PT e parte das esquerdas, finalmente, construíram um agrupamento amplíssimo com a cessão do cargo de vice-presidente para um empresário de grande porte, José Alencar, então filiado ao PL, que havia apoiado o golpe de 1964. Essa fórmula inclusiva, heterodoxa, se repetiu em 2006, 2010, 2014, e 2022. Em 2018, sob o golpe vil dado pela Lava-Jato, as esquerdas estreitaram-se na chapa Haddad do PT e Manu do PCdoB, e – mesmo assim – quase ganharam, refletindo o prestígio acumulado ao longo de quatro vitórias eleitorais e 14 anos de grande sucesso no desenvolvimento com inserção social. Em 2016, a crise econômica-política rompe as alianças e leva ao impeachment de Dilma. O Brasil afunda por seis anos sob Temer e o capitão de milícias. A esperança retorna em 2022 graças, novamente, a uma política de frente amplíssima em torno de Luiz Inácio (que foi buscar – pessoalmente – o outrora adversário figadal Geraldo Alckmin para vice).
NÃO É PEQUENA A LUTA INTERNA
na aliança que garantiu a vitória da democracia na disputa presidencial em 2022. O candidato derrotado, extrato do pior existente na política mundial – autocracia, banditismo comum inserido na política, reacionarismo, atraso ideológico, antinacionalismo, corrupção mais brutal – manteve junto a si metade do eleitorado, elegendo uma bancada miliciana que, mesmo minoritária, passa a ser de grande utilidade ao extremo-fisiologismo no Congresso Nacional. Num quadro mundial de gigantesca pressão das forças autocráticas (como os supremacistas americanos e os genocidas israelenses, dentre outros) os desafios para as forças democráticas são extraordinários – e, nesta conjuntura, não se pode esquecer a presença de grupos de direita no governo Lula. Afinal, a frente em torno de seu nome é amplíssima. E necessária. Neste momento, portanto, de estresses políticos monumentais, se Lula não reafirmar suas posições, será engolido pela aliança costurada em torno de si próprio.
DISSO TUDO VEM a pergunta que não quer calar: frente ampla para que? Para ganhar e não governar? Para exercer uma presidência figurativa, sem conseguir realizar nada do programa para o qual foi eleito? Lula, com sua sabedoria depurada na base de muito aperto – inclusive 580 dias de cadeia por conta de um processo manipulado, viciado, imoral –, sabe que não pode temer o impeachment ou outro tipo de golpe. Lula não pode aceitar ser transformado num rei de reisado alheio. Na votação do IOF, a base aliada contribuiu com 60% dos votos para a derrota do próprio governo, e depois das lideranças partidárias terem discutido a matéria e concordado com ela em reunião para eliminar divergências. E esse revés não pode ser creditado à bancada bolsonarista, pois essa vota fechada, desde sempre, pelo desgoverno. O problema é gente dentro da frente pux ando pra trás.
COMO RESOLVER ISSO? Em primeiro lugar, reafirmando posicionamentos e compromissos do programa de governo vitorioso nas urnas – essa é a regra básica de uma democracia (burguesa, ou popular, ou qualquer outro adjetivo), depois fazendo novas rodadas de negociações com a base parlamentar, depois novas conversas (sempre necessárias) com todas as lideranças parlamentares. Conversar, refazer acordos para manter o país no rumo apontado pelas urnas com a eleição de Lula pela terceira vez. Restabelecer a governabilidade é a meta, mas governar a qualquer preço é não governar.
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Lula na contraofensiva https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/lula-na-contraofensiva.html
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