A eficiência das fake news e os seus significados
políticos e culturais
O problema das fake news não pode ser resolvido com lamentos e soluções
pontuais. Ele exige uma transformação estrutural que articule diversos campos
de atuação
Ricardo Queiroz
Pinheiro/Opera Mundi
A informação sempre foi um elemento central na política, moldando decisões e ações ao longo da história. Durante a Reforma Protestante, a imprensa possibilitou a disseminação de ideias que abalaram a hegemonia da Igreja Católica; no nazismo, a comunicação foi utilizada como ferramenta de propaganda para consolidar o regime e disseminar ódio racial e político. Hoje, em um cenário mediado pelas redes digitais, a informação continua a influenciar as sociedades, mas sua centralidade também a torna vulnerável à manipulação. As fake news, longe de serem apenas uma consequência acidental das redes digitais, fazem parte de um sistema onde o fluxo de informações é condicionado por dinâmicas técnicas, sociais e políticas profundamente interconectadas. Para compreender esse fenômeno, é necessário adotar uma análise que vá além de explicações simplistas e que articule diferentes perspectivas sobre o universo informacional.
Para
compreender o impacto e a complexidade das fake news, é necessário um olhar que
vá além da superfície do fenômeno e examine suas múltiplas dimensões. Nesse
sentido, a tríade compressão, compreensão e conformação oferece um arcabouço
conceitual valioso. Esses três eixos permitem analisar, respectivamente, a
eficiência técnica (compressão de dados), os significados sociais (compreensão
de contexto) e a estruturação de poder (conformação do espaço e da esfera
pública). Cada um desses aspectos, oriundos de tradições epistemológicas
distintas, contribui para explicar como as fake news circulam, influenciam
percepções e moldam disputas narrativas em diferentes camadas da vida social.
Compressão: a eficiência técnica das fake news
A
ideia de compressão origina-se na teoria da informação, particularmente nos
estudos de Claude Shannon na década de 1940, que buscavam compreender como
transmitir dados de forma eficiente, minimizando perdas. No ambiente digital
contemporâneo, a compressão está relacionada tanto à priorização de mensagens
rápidas, claras e impactantes quanto à compressão de dados, que facilita a
simplificação e a transmissão eficiente de informações para engajamento
imediato.
Fake news são projetadas para atender à dinâmica dos
algoritmos, que priorizam conteúdos com maior potencial de engajamento.
Manchetes como “Descubra o segredo que os governos escondem” ou “Este alimento
pode curar todas as doenças” exploram o desejo humano por respostas rápidas e
definitivas. Essas mensagens, formatadas para chamar atenção, não exigem
reflexão; elas apenas requerem cliques. Para as plataformas, o engajamento é o
objetivo principal, e os algoritmos não diferenciam entre o verdadeiro e o
falso – eles favorecem aquilo que gera maior circulação. Esse modelo técnico, baseado
na compressão de conteúdos, acaba privilegiando narrativas simplistas,
emocionais e mistificantes.
Compreensão: os significados culturais das
fake news
A
compreensão encontra suas bases nas ciências sociais, especialmente na
sociologia e na antropologia, que estudam como os significados são construídos
cultural e socialmente. Aqui, o foco está na compreensão de contexto, ou seja,
na maneira como as mensagens dialogam com as crenças, valores e preconceitos já
existentes.
Fake
news não apenas desinformam; elas mobilizam emoções, reforçam visões de mundo e
intensificam divisões sociais. Além disso, manipulam signos – palavras, imagens
e símbolos – para criar significados que dialogam diretamente com emoções e
crenças do público. Utilizando narrativas cuidadosamente construídas, elas
ativam preconceitos, medos e ansiedades já presentes no imaginário coletivo,
gerando uma sensação de “verdade” que ultrapassa os fatos objetivos. Essa
dinâmica semiótica é central para entender seu poder de influência e revela que
enfrentá-las exige mais do que corrigir informações: é necessário desconstruir
as narrativas que sustentam esses significados e moldam a percepção social.
Esse
eixo mostra como as fake news condensam emoções e visões de mundo que mobilizam
comportamentos, reforçando divisões sociais e cristalizando ansiedades. É essa
conexão com os valores e medos do público que torna as mensagens falsas tão
poderosas.
Além
disso, as fake news têm impactos diretos sobre grupos marginalizados e na saúde
mental da população. Para minorias, notícias falsas frequentemente reforçam
preconceitos, legitimam discursos de ódio e colocam essas comunidades em
situações de vulnerabilidade social e política. Já no campo da saúde mental, a
exposição constante a desinformações alarmistas ou manipuladoras, como as que
envolvem pandemias ou teorias da conspiração, pode intensificar o medo, a
ansiedade e o sentimento de desamparo, contribuindo para o agravamento de
transtornos psicológicos.
Conformação: o poder das Big Techs e a
estruturação do espaço e da esfera pública
A
conformação, por sua vez, origina-se das análises críticas das ciências de
dados e das teorias de comunicação, que examinam como o espaço público é
estruturado por plataformas digitais e seus algoritmos. Aqui, o foco está na
conformação do espaço e da esfera pública, ou seja, na maneira como as
plataformas digitais moldam os fluxos de informação e organizam os debates e disputas
de poder.
Empresas
como Google, Meta e Twitter não apenas facilitam a circulação de conteúdos;
elas são protagonistas em um processo maior de disputa por poder político e
social. Plataformas digitais estruturam o fluxo de informações com base em lógicas
algorítmicas que priorizam conteúdos polarizadores. Essa dinâmica não é neutra:
ao amplificar mensagens emocionais e divisivas, elas reforçam clivagens sociais
que beneficiam projetos políticos autoritários. A extrema-direita, por exemplo,
encontra nessas plataformas um espaço privilegiado para disseminar
desinformação, utilizando bots (robôs),
contas automatizadas e algoritmos opacos para garantir que suas mensagens
alcancem o maior número possível de pessoas.
A
convergência entre a lógica comercial das plataformas e os interesses políticos
de projetos autoritários não é uma coincidência. A prioridade pelo engajamento,
mediada por ferramentas de inteligência artificial, alinha-se a estratégias que
utilizam a desinformação como uma ferramenta para fragmentar a sociedade,
enfraquecer instituições democráticas e consolidar formas autoritárias de
controle. Nesse contexto, a conformação não é apenas técnica, mas também
política, integrando a circulação de fake news a disputas globais de poder.
O que fazer: educação, regulação, redes
alternativas, integração institucional e participação popular
Dado
o impacto multidimensional das fake news, enfrentá-las requer ações estruturais
que respondam às três dimensões da tríade. Não basta focar em soluções
pontuais, como checagem de fatos ou campanhas educativas. É necessário
transformar as condições que sustentam sua existência. Cinco frentes de ação
são essenciais.
Educação
crítica: formar cidadãos capazes de
compreender como a informação é produzida, disseminada e utilizada é
indispensável. Essa educação deve ir além de ferramentas técnicas, incorporando
debates sobre poder, desigualdade e os interesses que influenciam o espaço e a
esfera pública.
Regulação
das plataformas digitais: as big techs precisam ser
responsabilizadas em legislação específica pelo impacto social de seus modelos
de negócio. Isso inclui maior transparência em seus algoritmos, restrições ao
uso de ferramentas automatizadas para disseminação em massa e a criação de
mecanismos de responsabilização por conteúdos que amplificam desinformação.
Fortalecimento
de redes de informação alternativas: meios de comunicação
independentes e comprometidos com o interesse público devem ser fortalecidos.
Movimentos sociais, sindicatos e coletivos precisam fortalecer as existentes e
investir na criação de redes que possam disputar narrativas e oferecer
perspectivas críticas, desafiando o monopólio das grandes plataformas.
Integração
institucional e governamental: o enfrentamento das fake
news exige uma resposta integrada de diversos setores do governo, incluindo os
ministérios da Educação, Cultura, Comunicação, Justiça e Economia. Políticas
públicas devem ser elaboradas de forma coordenada, reconhecendo que a
desinformação é um problema sistêmico que afeta desde a educação midiática da
população até a segurança eleitoral e a regulação econômica das plataformas
digitais. A criação de conselhos interministeriais ou iniciativas conjuntas
pode ser uma alternativa para articular essas ações, ampliando o impacto das
medidas.
Participação
popular: garantir espaços efetivos para
que a sociedade civil participe da formulação e avaliação de políticas públicas
voltadas para o enfrentamento das fake news é fundamental. Conselhos, fóruns e
plataformas de escuta podem permitir que cidadãos expressem suas preocupações,
apresentem soluções e contribuam para uma abordagem mais democrática no combate
à desinformação. Além disso, promover iniciativas comunitárias para a checagem
de informações e disseminação de conteúdos confiáveis fortalece a autonomia
popular e o senso de responsabilidade coletiva no espaço informacional.
Um
adendo: como visto, não é apenas um problema de comunicação desse ou daquele
governo, como frequentemente vem sendo vocalizado. Trata-se de uma questão
estrutural e multidimensional, que perpassa áreas como cultura, economia,
políticas digitais e informação. Comunicação é apenas um dos aspectos.
Conclusão
A
tríade compressão, compreensão e conformação sintetiza a complexidade das fake
news ao abordar suas dimensões técnicas, sociais e estruturais. Por meio da
compressão, vemos como as fake news se adaptam à lógica algorítmica das
plataformas, priorizando, através da compressão de dados, rapidez e alcance.
Pela
compreensão, entendemos como elas se conectam a crenças, valores e ansiedades
já presentes na sociedade. E, na conformação, identificamos o papel ativo das
plataformas digitais na estruturação do espaço e da esfera pública, integrando
a circulação de fake news a disputas políticas globais.
Esse
problema, portanto, não pode ser resolvido com lamentos e soluções pontuais.
Ele exige uma transformação estrutural que articule educação crítica,
reconhecimento dos aspectos culturais, regulação das big techs, fortalecimento
de redes alternativas, maior integração institucional e participação popular.
Enfrentar as fake news é mais do que combater desinformação; é uma oportunidade
de repensar e reconstruir o espaço público com base em valores democráticos,
solidários e emancipatórios.
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