Triste pela morte,
ontem, de Belchior – um ícone da MPB, extraordinário letrista, perspicaz
cronista urbano, republico aqui uma crônica bem humorada para amenizar a
saudade.
Eu e Belchior
Luciano Siqueira, no portal Vermelho
Não o conheço pessoalmente, ele
certamente jamais ouviu falar de mim. Igual acontece entre celebridades e
pessoas quase que limitadas ao seu círculo de amizades.
Mas no instante em que se celebram os setenta
anos do cearense Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, tenho
cá o que registrar das minhas "relações pessoais" com ele.
Belchior, um dos mais marcantes poetas
e compositores da música popular brasileira - um mestre da crônica
musicada, arrisco dizer – consta em muitas passagens do meu diário, ao longo
dos anos.
Primeiro, pelas canções que se destacam
em sua obra.
Depois, ocorre que, em paralelo ao meu
alumbramento com as suas letras quilométricas e sua original narrativa musical,
fui tido por muita gente como seu irmão gêmeo.
É que nos anos 80, eu ainda exibia
cabelos e bigode pretos e muita gente identificava semelhança física entre mim
e ele. E tinha mesmo.
E era frequentemente inquirido sobre
isso. A ponto de me permitir a pachorra de anotar num cartão que mantinha no
bolso, em pequenos riscos sucessivos e um transversal a cada cinco, uma a uma
às pessoas que me abordavam .
Parei quando já chegava a uns cinquenta
e tantos!
Na Maternidade Barros Lima, zona norte
do Recife, onde fui dar plantão na área de pediatria, funcionários e pacientes
logo espalharam a boa notícia de que um irmão do autor de "Como nossos
pais" e "Apenas um rapaz latino-americano" trabalhava no
hospital.
Pior: eu mesmo contribuí para a
disseminação do boato.
Numa das primeiras noites de trabalho,
ao jantar no refeitório do hospital, a turma da cozinha se envolveu numa polêmica
acesa cujo motivo era justamente a divisão entre os que tinham como verdadeiro
meu parentesco com Belchior e os que tinham dúvida.
Até que uma das cozinheiras criou
coragem e, como quem não quer nada, me perguntou se eu conhecia um certo cantor
do Ceará. De pronto respondi:
- Claro, sou irmão do Belchior!
- Logo vi, o senhor é a cara dele!,
gritou uma que lavava os pratos.
Parecia uma comemoração de Copa do
Mundo, uma algazarra imensa. E tome perguntas sobre o cantor famoso, se eu
também gostava de música, se sabia cantar e por aí em diante.
De nada adiantou eu dizer que se
tratava de uma brincadeira, o estrago estava feito.
- Eu entendo, doutor. Ser irmão de
gente famosa deve lhe incomodar muito – disse o rapaz da limpeza, um dos mais
entusiasmados com a boa nova.
- Mas deve ser muito bom ter uma pessoa
importante na família, né? – completou a que me fizera pergunta.
E assim vivi ali uns dois anos às
voltas com o assunto.
Atendia uma criança no ambulatório,
depois o pai ou a mãe me sapecava a pergunta inevitável:
- O senhor tem visto seu irmão?
De modo que os anos se passaram e creio
que, em Casa Amarela e adjacências, ainda deva haver quem se lembre que
trabalhou ali o irmão gêmeo do cantor que agora completa seus setenta bem
vividos anos.
Irmão gêmeo, não. Admirador, sim.
Sempre.
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