12 julho 2020

Preferências musicais, ontem e hoje


Por onde andará Miss Lene?
Cícero Belmar*

Todos sabemos, ou pelo menos desconfiamos, do tipo de música que mais se ouve no Brasil. Mas era preciso um estudo do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) para se botar fé na informação.
O sertanejo é o gênero mais tocado no país. O levantamento não é recente, tem um ano. Levou em consideração a execução pública de músicas em plataformas de streaming, shows, rádios e locais com música ao vivo.
Em resumo: 56% de todas as músicas tocadas em shows e eventos são sertanejas, seguidas do chamado forró universitário, que tem 17% das execuções. Se preferirem, é o forró nutela, não o de raiz, o velho pé-de-serra.
Já no streaming (plataformas digitais) a preferência nacional é parecida: de cada 100 músicas tocadas, 37 são do sertanejo. Na sequência, vem o pop (com 30 canções), e o dance (um número que corresponde a 8% das execuções).
Como pesquisa é o retrato de um momento, caso seja repetida o resultado pode variar. Mas, está acima de qualquer suspeita, pois o Ecad é uma organização privada que fiscaliza a execução de músicas em espaços públicos, para arrecadar e distribuir os direitos autorais.
As conclusões não chegam a surpreender. Nas entrelinhas, o estudo diz que essas são as músicas apropriadas para o consumo ligeiro que nossos dias impõem. São coerentes com essa necessidade de usar produtos descartáveis.
Há quem acredite que os sons musicais têm a ver com o comportamento das pessoas. Ou que uma coisa influencia a outra. A força da música no que diz respeito a influenciar um padrão de comportamento é o que eu chamo de meia verdade. Não dá para atribuir essa responsabilidade única e exclusivamente a uma manifestação artística.
Isso equivaleria a dizer que ficamos aptos a agir, ou a deixarmos de fazer alguma coisa, na vida cotidiana, quando escutamos um tipo de música. É discutível.
Para muitos a música também tem um componente de filosofia, da estética do ouvinte. Pode ser. Música denota idéias e gostos, sem dúvida. Mas, vamos e venhamos. Devemos ter cuidado para não estereotiparmos: já ouvi dizerem que certo tipo de música é coisa de marginal, que outra é típica dos cafonas e por aí vai.
A defesa de uma estética, de uma vanguarda, de um estilo, na minha opinião, está muito mais ligada às atitudes do compositor, do artista, do que à música. Essa, muitas vezes, surge como subproduto do mercado (que aproveita para vender um comportamento, uma dança, um tipo de roupa etc).
Volta e meia o mercado fonográfico lança artistas que ganham as mídias durantes dois, três anos, para ajudar a encher o porquinho dos executivos. Quem se lembra, por exemplo de Miss Lene?
Frankislene Ribeiro Freitas era uma cantora cearense dos anos 1980, que quando colocava uma touquinha de crochê, virava Miss Lene. Era presença obrigatória em todos os programas da televisão brasileira. Fez sucesso com as músicas Quem É Ele? e Deixa a Música Tocar. O que terá acontecido a Miss Lene?
O mercado, para mim, seria o grande vilão. As gravadoras sempre lançaram artistas para fazerem sucesso meteórico e músicas descartáveis. Ocupam espaços, fazem dinheiro, e a sociologia ainda acha que eles vão modificar uma geração.
Lembro que até um dia desses quem mandava no pedaço era a axé-music. Antes, foi o romântico. É como já dizia o profeta: tudo passa.

*Cícero Belmar  é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Membro da Academia Pernambucana de Letras. 

A vida pede muitos encontros e muitas realizações https://bit.ly/2XypaLe 

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