Acelerado e aflito
Cícero Belmar*
Às
vezes, pergunto a alguém, só para confirmar a minha perplexidade: que dia é
hoje? Não da semana, do mês. Eu me espanto com o tempo, isso tem sido
recorrente neste 2022. Já estamos na penúltima semana de março, dia 21. Vem
passando tão rapidamente que eu olho para trás e acho, por exemplo, que foi um
dia desses as comemorações de final de ano em família. Já estamos nos
aprontando para a Páscoa. O tempo vivido é descontado do que nos resta?
Será
que somente eu estou com a sensação de que os dias estão montados num
trem-bala? Quando menos espero, a manhã acabou, a tarde, e não dá tempo fazer
mais nada. Acordo e já é final de semana outra vez; e eu nem me planejei para
ir ao cinema. Passo na portaria do prédio e os boletos com as prestações do mês
já estão sendo entregues pelos correios.
Há um
vídeo no YouTube, que amo. A atriz e cantora Marília Pêra, hoje entre os
encantados, interpreta uma canção de Roberto Carlos. O título é “120, 130, 150
km”. Diz assim: “As coisas estão passando mais depressa. O ponteiro marca 120.
O tempo diminui, as árvores passam como vultos, a vida passa, o tempo passa.
Estou a 130 e as imagens se confundem”.
Na
dramaticidade de sua interpretação, a atriz é aplaudida em cena aberta pelo
público. Ela canta, abandonando o palco, ovacionada: “Eu vou voando pela vida
sem querer chegar”. É com aquela mesma dramaticidade que hoje vejo o tempo.
Como se eu estivesse num carro em alta velocidade, sem destino algum.
Quando
as horas passam, é a vida que vivemos ou deixamos de vivê-la. Ainda não sei,
com exatidão, como conduzi-la depois do freio de arrumação que a pandemia nos
impôs. A vida ficou em suspenso por causa da covid-19 e eu perdi o jeito de
viver no meu tempo. Agora, que as coisas estão se normalizando, ainda assim não
temos refresco. Continuamos acuados por causa de uma guerra insana.
Este é
um ano que vai passar num piscar de olhos. Disseram que o Carnaval será
festejado ainda este semestre. Ele não foi cancelado igual ao que ocorreu em
2021, mas transferido para adiante, quando os problemas sanitários abrandarem.
Se levarmos em conta a máxima de que, no Brasil, tudo começa depois do
Carnaval, é sinal de que o ano será curtíssimo.
Até
porque teremos, pela frente, uma Copa do Mundo, que deixa as pessoas presas na
frente de um aparelho de televisão e das mídias sociais. Também teremos a
campanha eleitoral, que faz com que todo mundo passe meses antes, e depois, com
a atenção na disputa polarizada. Tudo isso será concluído pelas comemorações de
fim de ano que começam no início de dezembro. “Vida, minha vida, olha o que é
que eu fiz”, frase de música de Chico.
É isso
aí. Quando nos damos conta, nada está no mesmo lugar e tudo o que temos, de
concreto, é o presente. Até o passado, já disse o poeta Mário Quintana, não
reconhece o seu lugar: “Ele quer sempre estar no presente”.
O
problema é que, mesmo sem querer, eu fico mergulhado na ansiedade de viver o
futuro. De me planejar para não ser pego em calças curtas. De me preparar para
as coisas que ainda virão. Mas, vejam que ironia, coisas que não tenho, ninguém
neste mundo tem, tanta certeza assim. A pandemia é uma prova de que a
vida é cúmplice do imprevisto. O efêmero é o tempo nos dando a real.
*Jornalista, escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras
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