11 abril 2022

Crônica do domingo

Acelerado e aflito

Cícero Belmar*

 

Às vezes, pergunto a alguém, só para confirmar a minha perplexidade: que dia é hoje? Não da semana, do mês. Eu me espanto com o tempo, isso tem sido recorrente neste 2022. Já estamos na penúltima semana de março, dia 21. Vem passando tão rapidamente que eu olho para trás e acho, por exemplo, que foi um dia desses as comemorações de final de ano em família. Já estamos nos aprontando para a Páscoa. O tempo vivido é descontado do que nos resta?

Será que somente eu estou com a sensação de que os dias estão montados num trem-bala? Quando menos espero, a manhã acabou, a tarde, e não dá tempo fazer mais nada. Acordo e já é final de semana outra vez; e eu nem me planejei para ir ao cinema. Passo na portaria do prédio e os boletos com as prestações do mês já estão sendo entregues pelos correios.

Há um vídeo no YouTube, que amo. A atriz e cantora Marília Pêra, hoje entre os encantados, interpreta uma canção de Roberto Carlos. O título é “120, 130, 150 km”. Diz assim: “As coisas estão passando mais depressa. O ponteiro marca 120. O tempo diminui, as árvores passam como vultos, a vida passa, o tempo passa. Estou a 130 e as imagens se confundem”.

Na dramaticidade de sua interpretação, a atriz é aplaudida em cena aberta pelo público. Ela canta, abandonando o palco, ovacionada: “Eu vou voando pela vida sem querer chegar”. É com aquela mesma dramaticidade que hoje vejo o tempo. Como se eu estivesse num carro em alta velocidade, sem destino algum.

Quando as horas passam, é a vida que vivemos ou deixamos de vivê-la. Ainda não sei, com exatidão, como conduzi-la depois do freio de arrumação que a pandemia nos impôs. A vida ficou em suspenso por causa da covid-19 e eu perdi o jeito de viver no meu tempo. Agora, que as coisas estão se normalizando, ainda assim não temos refresco. Continuamos acuados por causa de uma guerra insana.

Este é um ano que vai passar num piscar de olhos. Disseram que o Carnaval será festejado ainda este semestre. Ele não foi cancelado igual ao que ocorreu em 2021, mas transferido para adiante, quando os problemas sanitários abrandarem. Se levarmos em conta a máxima de que, no Brasil, tudo começa depois do Carnaval, é sinal de que o ano será curtíssimo.

Até porque teremos, pela frente, uma Copa do Mundo, que deixa as pessoas presas na frente de um aparelho de televisão e das mídias sociais. Também teremos a campanha eleitoral, que faz com que todo mundo passe meses antes, e depois, com a atenção na disputa polarizada. Tudo isso será concluído pelas comemorações de fim de ano que começam no início de dezembro. “Vida, minha vida, olha o que é que eu fiz”, frase de música de Chico.

É isso aí. Quando nos damos conta, nada está no mesmo lugar e tudo o que temos, de concreto, é o presente. Até o passado, já disse o poeta Mário Quintana, não reconhece o seu lugar: “Ele quer sempre estar no presente”.

O problema é que, mesmo sem querer, eu fico mergulhado na ansiedade de viver o futuro. De me planejar para não ser pego em calças curtas. De me preparar para as coisas que ainda virão. Mas, vejam que ironia, coisas que não tenho, ninguém neste mundo tem, tanta certeza assim.  A pandemia é uma prova de que a vida é cúmplice do imprevisto. O efêmero é o tempo nos dando a real.

*Jornalista, escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras

Veja: O nó da terceira via https://bit.ly/35Q9UAn

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