Elon Musk,
Twitter, a liberdade e o liberalismo
FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES*, portal da Fundação Maurício Grabois
A intenção de
Elon Musk de controlar o Twitter deveria ser avaliada na premissa de que nem
sempre liberalismo, liberdade e igualdade estão em harmonia
A intenção de
Elon Musk, um dos homens mais ricos do planeta e que já domina setores do
mercado relacionados com tecnologia e inteligência artificial, de adquirir o
controle acionário do Twitter – plataforma com papel importante nas praças
públicas de debates políticos em diversos países – se revela como um problema.
Trata-se de um
dos representantes máximos do neoliberalismo e o fato é que essas figuras, com
o objetivo claro de ampliar suas riquezas e seus poderes, vêm se utilizando com
frequência do discurso da defesa da liberdade, com consequências graves e com o
acirramento profundo das desigualdades, que é um dos resultados do
neoliberalismo.
Na proposta
que encaminhou para aquisição do controle acionário do Twitter, Elon Musk deixa
claro que pretende transformar a empresa em sociedade de capital fechado,
demonstrando a intenção de não ter de se submeter a decisões colegiadas de um
conselho de acionistas e a limites legais que são mais rigorosos para
sociedades capital aberto.
Ele também é
explícito quanto à sua oposição com relação às práticas de moderação de
conteúdo pelas plataformas e à regulação estatal sobre este tema, sob o
argumento de ser defensor da liberdade de expressão. Dessa sua posição emerge
uma contradição clara: quando não há limites para a manifestação do pensamento,
abre-se espaço para que prevaleça o interesse dos economicamente mais poderosos
ou politicamente mais organizados, que terminam por exercer a liberdade de
expressão de forma privilegiada.
É sintomático
que ele tente se apropriar do discurso da liberdade de expressão, mas ao mesmo
tempo não haja traços no seu discurso de preocupação com o valor da igualdade.
E é compreensível pois, na verdade, o que ele defende é o liberalismo e não a
liberdade de expressão, dois conceitos bem diferentes e que não se confundem.
Nesse sentido,
é importante ter presente que liberdade e igualdade muitas vezes são conceitos
antitéticos, como bem tratado por Fábio Ulhoa Coelho e seu mais recente livro
Os livres podem ser iguais?, considerando também que: “o que precisamos
discutir não é qual valor, entre a liberdade e a igualdade, que deveria sempre
prevalecer; e sim quais são os critérios que devem nortear nossos constantes
ajustes entre eles. É uma discussão bem mais difícil”.
Aliás, uma das
consequências do liberalismo levado às últimas instâncias, como temos vivido
nos últimos mais de 20 anos, é justamente uma enorme desigualdade,
especialmente quanto ao exercício da liberdade de expressão e de direitos
sociais e políticos.
Vale perguntar
então: quem domina hoje os mecanismos do fluxo de informação no planeta? As big
techs, empresas americanas e poderosas, que, atuando como oligopólios globais,
com bilhões de usuários aderidos às suas plataformas, têm causado danos em
larga escala nos sistemas políticos e democráticos de diversos países. Aplicam
seus sistemas algorítmicos calibrados com foco no lucro decorrente de processos
de impulsionamento pago de conteúdos, propagandas comerciais e políticas,
mecanismos de censura baseada na alegada defesa de direitos autorais e de
recomendação, muitas vezes conflitantes com o interesse público, com direitos
fundamentais, sem respeito aos princípios da dignidade humana e sem a garantia
da devida segurança de seus consumidores.
A intenção do
Elon Musk de adquirir o controle do Twitter deveria ser avaliada e resolvida
com base nessas preocupações e na premissa de que nem sempre liberalismo,
liberdade e igualdade estão em harmonia, demandando atuação estatal para que se
chegue ao equilíbrio possível.
Entretanto,
isto é improvável; a despeito de vivermos num momento de declínio do
neoliberalismo por conta dos efeitos econômicos e sociais decorrentes da
pandemia da covid-19, ele ainda prevalece nas instâncias institucionais de
diversos países, especialmente nas que (des)regulam a exploração de atividades
econômicas.
Portanto,
acredito que será um grande prejuízo para o mercado de redes sociais e da
comunicação, com reflexos negativos para a liberdade de expressão e para a
democracia, caso o Twitter venha a ser “comprado” por Elon Musk.
*Flávia
Lefèvre Guimarães, advogada especialista e direito do consumidor e direitos
digitais, integrante da Coalizão Direitos na Rede
.
Veja: A política de alianças do PCdoB: a água e o óleo https://bit.ly/3EonuYC
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