Infiltrados em protesto? As fake news 'importadas' dos EUA após
eleição e invasão em Brasília
Após os ataques contra o Palácio do Planalto,
o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), uma teoria falsa de
que pessoas infiltradas seriam as responsáveis pelas cenas de violência e
depredação em Brasília passou a circular em grupos bolsonaristas no WhatsApp e
Telegram.
Julia
Braun, BBC Brasil
Um dos vídeos disseminados mostra um homem de
capacete vermelho quebrando vidraças de grande porte. As legendas dizem se
tratar de um integrante do Movimento dos Sem Terra (MST) vandalizando prédios
públicos em Brasília para colocar a culpa em apoiadores do ex-presidente Jair
Bolsonaro. Mas o vídeo é falso. Segundo informações do site G1, ele foi
publicado antes dos ataques de 8 de janeiro — além disso, "as paredes do
prédio mostram inscrições em outros idiomas, a conta que publicou o vídeo no
TikTok é chinesa e o vídeo (original) tem legenda e comentários em
inglês".
Outra mensagem fala em "um golpe muito bem
engendrado pela turma do PT", o partido do atual presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
Alguns dos perfis responsáveis por compartilhar
esses e outros conteúdos relacionados às invasões em Brasília nas redes sociais
foram excluídos após determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF). Mas as mensagens continuam a circular nos aplicativos
de mensagem.
Da mesma maneira, após a invasão ao
Capitólio, o edifício que abriga o Congresso dos Estados Unidos em Washington
D.C., apoiadores do ex-presidente americano Donald Trump divulgaram teorias de
que infiltrados eram os responsáveis pela violência e pelos danos causados ao
prédio em 6 de janeiro de 2021.
Segundo especialistas em grupos radicais e teorias
da conspiração, esse fenômeno não é novidade. A transnacionalidade dos
movimentos conspiratórios está cada vez mais comum, e elementos são emprestados
de um país por outro com certa frequência, especialmente em contextos
eleitorais.
"Movimentos conspiratórios têm uma dimensão
internacional ou global em alguns casos. Por isso, não é surpreendente que as
pessoas envolvidas estejam atentas ao que está acontecendo em outros países,
especialmente quando se trata de questões semelhantes ou que são do interesse
delas, como a legitimidade do processo eleitoral", explica Anthony
Lemieux, professor da Universidade do Estado da Geórgia, nos Estados Unidos, e
especialista em movimentos extremistas.
Joseph Uscinski, cientista político especializado
na área, afirma ainda que o uso de teorias da conspiração ou narrativas falsas
com fundo especulativo é bastante comum no universo eleitoral. "Costumo
dizer que teorias da conspiração são para os perdedores", diz o professor
da Universidade de Miami.
"Sempre houve quem tentasse usar acusações de
fraude para reverter a derrota, mas isso está se tornando mais comum
atualmente."
Confira a seguir essa e outras fake news divulgadas no Brasil após a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas e que se assemelham muito ao que circulou nos EUA desde a eleição de Joe Biden.
Infiltrados são responsáveis por cenas de violência
A ideia — falsa — de que os responsáveis pelas
cenas de violência e depredação no Capitólio eram na verdade pessoas
mal-intencionadas que se passaram por trumpistas começou a circular nas redes
americanas logo após a invasão de 6 de janeiro.
Apoiadores do ex-presidente republicano e até
membros do partido compartilharam postagens que culpavam membros do movimento
chamado "antifa" — abreviação de antifascismo — por se infiltrar
entre os manifestantes de direita.
"(Algumas) das pessoas que invadiram o
Capitólio hoje não eram apoiadores de Trump", tuitou na época Matt Gaetz,
deputado republicano pelo Estado da Flórida. "Eles estavam disfarçados de
apoiadores de Trump e, na verdade, eram membros do violento grupo terrorista
antifa."
A ideia defendida por alguns dos deputados e outros
eleitores de Trump seria a de que a invasão ao Capitólio foi usada pelos
antifas para prejudicar a imagem dos trumpistas.
Mas o FBI, a polícia federal americana, afirmou
posteriormente que não havia evidências de qualquer envolvimento de antifas.
No Brasil, após a invasão às sedes dos Três Poderes
em Brasília, o discurso que se espalha pelas redes bolsonaristas é bastante
similar, com acusações contra infiltrados da esquerda e do MST.
Assim como nos Estados Unidos, os disseminadores
dessa teoria falsa usam fotos e prints de pessoas que participaram da invasão e
as acusam de serem infiltrados.
Algumas dizem ainda que os próprios funcionários da segurança do
STF e do Congresso teriam promovido a destruição nos edifícios com o objetivo
de incriminar manifestantes pró-Bolsonaro.
Durante a diplomação de Lula em dezembro, o mesmo argumento foi usado por representantes da direita para explicar os casos de vandalismo.
Líderes mortos
Outra teoria
amplamente divulgada nos Estados Unidos e que se assemelha a boatos falsos que
circulam no Brasil é a de que o líder eleito estaria morto.
Nos EUA, diversas
teorias sobre a morte de Joe Biden foram disseminadas nas redes sociais e na
internet.
No ano passado, viralizou no Twitter um vídeo que
fomentava desconfianças sobre o presidente democrata e algumas de suas
aparições, chamando atenção para detalhes de sua aparência física.
A postagem gerou especulações de todo tipo,
inclusive de que o presidente democrata teria sido substituído por diversos
dublês ou que a Casa Branca estaria utilizando um deep fake — uma cópia gerada
por computador que busca refletir perfeitamente a voz, gestos e expressões
faciais de uma pessoa — para acobertar sua morte
Mesmo antes disso, apoiadores do ex-presidente
Trump e membros de grupos radicais já haviam divulgado essas mesmas ideias
falsas.
Em maio, viralizou no Facebook uma postagem que
dizia que o também ex-presidente Barack Obama havia anunciado a morte de Biden,
algo que nunca aconteceu.
No Brasil, após o anúncio do resultado das eleições
em 2022, áudios e fotos que circulavam pelo WhatsApp e vídeos no Facebook
alegaram que Lula teria morrido.
As postagens sugeriam que ele havia falecido no
Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, mas que seu corpo estaria sendo ocultado.
Além disso, especulavam a possibilidade de um sósia ter sido usado para cumprir
a agenda oficial em seu lugar.
Quem disseminou a teoria usava fotos recentes e
antigas do petista para apontar diferenças e chegava a dizer que o homem que
ocupou o lugar de Lula tinha todos os dedos das mãos — ao contrário do petista,
que perdeu o mindinho da mão esquerda em um acidente de trabalho em 1964.
Algumas das publicações usaram a informação falsa para incentivar
a população a participar de atos antidemocráticos, que apelavam por uma
intervenção militar.
Lula de fato deu entrada no hospital paulista em duas ocasiões em novembro, após sua eleição. Em uma delas, fez avaliação clínica multidisciplinar de rotina e, na outra, realizou um procedimento simples. Nos dois casos, foi liberado sem complicações, segundo o Sírio-Libanês.
Trump e Bolsonaro no poder
Uma pesquisa publicada em junho de 2021, cerca de
seis meses após o início do governo de Joe Biden, apontou que, naquele momento,
três em cada dez republicanos acreditavam em uma teoria falsa que previa o
retorno de Donald Trump ao poder até o início de 2022.
Essa ideia, sustentada por aliados e eleitores do
ex-presidente, foi bastante disseminada nas redes sociais. Uma das teorias
citava especificamente 13 de agosto como a data de retorno de Trump à Casa
Branca.
Outras teses, ligadas ao movimento QAnon — uma
teoria ampla e completamente infundada de que Trump estaria travando uma guerra
secreta contra pedófilos adoradores de Satanás na elite no governo, no
empresariado e na imprensa — especulam que Biden não é realmente presidente dos
Estados Unidos e que os militares estão secretamente no poder até que o
ex-presidente republicano retorne ao cargo. Nada do que foi divulgado é
verdade.
De forma similar, muitos eleitores de Jair
Bolsonaro divulgam conteúdos nas redes sociais afirmando que seu candidato
assumirá a Presidência do Brasil novamente e que as eleições de 2022 serão
anuladas.
Diferentes teorias sobre esse tema circularam em
vários momentos. Em dezembro, foi disseminada uma imagem de um decreto
atribuído ao Superior Tribunal Militar (STM) que supostamente declarava a
invalidade das eleições de 2022, dissolvia o Congresso e o STF e mantinha
Bolsonaro como chefe do Executivo até que ocorressem novas eleições. A postagem
não passava de fake news.
Após a posse de Lula no início de janeiro,
circularam mensagens alegando que o livro assinado pelo petista no Senado não
era oficial e que a faixa usada pelo presidente na cerimônia foi fraudada — e
que, por isso, a transferência de poder não era legítima.
Há ainda postagens que divulgam a narrativa de que
o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, seria o
verdadeiro presidente do Brasil. As mensagens distorcem um trecho do Diário
Oficial de 30 de dezembro e dizem de forma falsa que o general teria assumido a
Presidência por tempo indeterminado.
Verso e reverso do que acontece
https://bit.ly/3Ye45TD
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