Combate ao desmatamento, déficit de servidores e prescrição de
multas: entenda os principais desafios do novo presidente do Ibama
Deputado federal,
com formação ambiental, Rodrigo Agostinho (PSB) foi o escolhido para presidir o
instituto
Lucas Altino, O Globo
Em mais uma frente dos "revogaços" que
vêm marcando o início da atual gestão do governo federal, foi anulada ontem a
instrução normativa (IN) que flexibilizava a exploração de madeira dentro de
Territórios Indígenas (TI). A regra, que mudava as normas do Ibama e da Funai e
permitia a extração de madeira até a não indígenas em terras protegidas, havia
sido publicada nos últimos dias de presidência de Jair Bolsonaro e foi
duramente criticada por ativistas e juristas, já que a Constituição veda a exploração
nessas áreas. Segundo entidades ambientais, a retomada da celeridade nos
processos de multas e o fortalecimento da fiscalização nas florestas serão os
principais desafios de Rodrigo Agostinho, escolhido para presidir o Ibama.
A revogação da IN 12/22 foi anunciada, nesta
segunda, pela ministra dos Povos Originários, Sonia Guajajara, em suas redes
sociais. Servidores da Funai ouvidos pelo GLOBO afirmaram que essa foi a
primeira medida realizada em articulação entre a fundação e o Ibama, que devem
estreitar os diálogos apesar de agora estarem separados na administração
federal – enquanto a Funai ficará no Ministério dos Povos Originários, o Ibama
faz parte do Ministério do Meio Ambiente. Outro tema que deve receber atenção
das novas gestões é uma agenda em conjunto de fiscalização, como investimento
no Programa de Brigadas Federais Indígenas, que atua no foco de incêndios. Ano
passado, Agostinho integrou a comissão externa de parlamentares que visitou a
região amazônica do Vale do Javari, quando o indigenista Bruno Pereira e o
jornalista Dom Phillips foram assassinados por pescadores ilegais.
Ex-prefeito de Bauru (SP)
e deputado federal pelo PSB até o dia 31, quando encerra o seu mandato e então
assumirá o Ibama, Rodrigo Agostinho foi uma escolha elogiada por entidades de
defesa do meio ambiente por reunir experiência política e conhecimento técnico.
Além da sua trajetória no Congresso, ele é biólogo de formação e foi estagiário
do Ibama em Bauru. Como parlamentar, foi presidente da Comissão de Meio
Ambiente da Câmara e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista do
Congresso.
– Ele cumpre com todos os
requisitos que um bom presidente do Ibama precisa ter. Tem formação técnica,
como biólogo e advogado, experiência de gestão administrativa e experiência
política. Seu compromisso com a causa ambiental vem de muitos anos – disse Raul
do Valle especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil. – São requisitos
importantes, sobretudo nesse momento de reconstrução após o Ibama ter sido
praticamente destruído. Será preciso dar moral de novo ao órgão e valorizar os
servidores.
Ex-presidente do Ibama e
atual especialista do Observatório do Clima, Suely Araújo também elogiou o
currículo técnico e político de Agostinho, e acredita que sua experiência será
positiva para garantir uma "visão ampla da questão ambiental", além
de ter conhecimento sobre as ferramentas a serem implementadas.
Para Eugênio Pantoja,
diretor de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a expectativa é que sejam criadas ações
coordenadas junto aos estados da Amazônia Legal, para barrar crimes ambientais
no Cerrado e Amazônia.
– Agostinho acompanhou
nesses últimos anos o debate sobre os desafios da política ambiental, então tem
conhecimento claro dos desafios e da necessidade de fortalecimento do Ibama e
das ações de comando e controle – explicou Pantoja, que considera como
prioridade o aumento do combate ao desmatamento, o que demanda um choque
interno de gestão. – Vai ser necessário olhar para dentro, porque órgão o está
desestruturado. Reorganizar processos e qualificar o quadro. O Brasil já voltou
a ser protagonista internacional na medida que se coloca no papel de reduzir
emissões de gases de efeitos estufa e propõe meta até 2030 para redução do
desmatamento. Esse olhar é positivo, mas precisa de trabalho forte para
reconstruir as bases.
Normas
publicadas pela gestão anterior facilitaram a prescrição de multas
A revisão de medidas internas tomadas por Ricardo Salles e Eduardo
Bim, que presidiram o Ibama durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro,
foi destacada pelos especialistas. Um dos pontos sensíveis, e considerado
urgente, é retomar o processo sancionador ambiental, "que foi
implodido" como define Suely Araújo. Uma série de mudanças de regras na
análise e julgamento interno das multas ambientais fez com que milhares de
multas decretadas pelo Ibama prescrevessem. Uma das novas instruções, por
exemplo, determinava que cabia ao presidente do órgão a palavra final sobre a
multa. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), que apresentou um relatório
sobre o tema em outubro passado, até 5 mil multas poderiam prescrever somente
em 2022.
Nesse sentido, no primeiro
dia de gestão, o presidente Lula reformulou o decreto 6514, de 2008, que trata
das sanções ambientais.
– Os processos
administrativos estão prescrevendo aos milhares. Não adianta multar se as
multas não forem cobradas. Isso é fundamental até para garantir credibilidade à
instituição. O criminoso hoje não liga para a multa porque sabe que os
processos estão um caos e ele não vai ser cobrado – afirma Araújo.
Outro ponto destacado
pelos especialistas é o fortalecimento do quadro dos servidores, o que exigirá
novos concursos públicos. Segundo Araújo, a equipe de transição identificou que
hoje há, somente no Ibama e ICMBio, 2.103 vagas de ensino superior não
preenchidas. Para Raul do Valle, Agostinho terá que, além de convocar novos
funcionários, resgatar a confiança dos servidores do instituto. Nessa semana, a
Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente (Ascema) elogiou as
nomeações de servidores de carreira para cargos de chefia do Ibama. Enquanto
Agostinho não assume, por exemplo, o presidente interino é Jair Schmitt, que
tem trabalho elogiado como diretor de fiscalização do órgão.
Raul do Valle também
chamou a atenção para a necessidade de se melhorar a transparência sobre os
dados de desmatamento, além de revisar os fluxos internos de análise das
multas. Assessora do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos disse que a
expectativa é que a nova gestão se volte para o fortalecimento do Ibama e o
reconhecimento do papel dos servidores.
– O que foi feito nos
últimos quatro anos tornaram os servidores vulneráveis, muitos foram alvos
diretos de violência nas frentes de desmatamento. E o discurso do antigo
governo favoreceu as ações de violência em muitas situações. Demonstrar para
quem está em campo que a chave mudou, e que agora o órgão valoriza seus
servidores, é essencial.
A
vida a cores e em branco e preto https://bit.ly/3Ye45TD
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