Justiça para todos, inclusive para militares golpistas
Enio Lins*
Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e tido como político ponderado e ligado às elites nacionais, não se esquivou de colocar o dedo na ferida – ainda aberta – do golpe frustrado do 8 de janeiro e, em entrevista à Folha de São Paulo, declarou: “tanto civis como militares devem ser punidos pelos atos”.
Falou palavras mágicas: militares e punição, vocábulos que não se unem numa mesma frase a não ser quando é para perseguir marciais que se oponham abertamente ao sistema e/ou denunciem malfeitos castrenses. Desde os primórdios deste Basil varonil a farda é tida como um manto protetor instransponível.
Não terá punição à altura para nenhum oficial graduado, seja pela tentativa de golpe em 8 de janeiro, seja por quaisquer outras peraltices cometidas durante os maléficos quatro anos de Boçalnaro na presidência da República. Pode ficar de olho no caso do afano das joias, por exemplo, apesar do coronel envolvido ter sido preso por uns tempos.
DENUNCIAR É PRECISO
Não se trata de ocorrências exclusivas do período do ex-capitão Boçalnaro como presidente. Essa leniência histórica se apresenta no próprio Jair Messias: um subversivo confesso, que se apresenta como “militar” sob a conivência dos militares de carreira desde quando correu da farda após ser descondenado por uma sentença camarada, mas não-unânime.
Em 16 de junho de 1988, o Superior Tribunal Militar (STM), descondenou por 9 X 4 o então capitão Jair Messias – condenado, cinco meses antes, pelo Conselho de Justificação do Exército por “conduta irregular e praticado atos que afetam a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”. No primeiro julgamento, o capitão Boçalnaro foi considerado culpado por unanimidade. A instância superior lhe passou a mão na cabeça.
Motivo da condenação e da descondenação? O oficial havia pregado e praticado insubordinações graves e – inclusive– ameaçado cometer ações terroristas caso suas reivindicações não fossem aceitas, desenhando um esboço para a explosão do gasoduto do Rio de Janeiro e entregando essa prova para a revista Veja.
SÓ PARA CITAR UM EXEMPLO
Falando em gasoduto do Rio de Janeiro, em 1968, o brigadeiro João Paulo Burnier foi denunciado por estar organizando um ato terrorista para culpar os “comunistas” e, com isso, ampliar a violência da ditadura militar contra os oposicionistas. Essa ação terrorista militar foi neutralizada pelo capitão Sérgio de Carvalho que levou o caso a seus superiores.
Pelo plano de Burnier, exposto em reunião sigilosa com os integrantes do esquadrão de elite Para-Sar, depois das explosões serem creditadas aos “comunistas” haveria uma grande onda de prisão de oposicionistas ainda livres depois do golpe de 64 e seriam assassinados, dentre outros, Juscelino Kubitscheck, Carlos Lacerda e Jânio Quadros.
Foram ouvidos pelas próprias autoridades militares os integrantes do Para-Sar e 37 paraquedistas confirmaram as denúncias do capitão Sérgio “Macaco”. Ao fim e ao cabo, o brigadeiro Burnier foi absolvido e seguiu carreira com privilégios. O capitão Sérgio foi condenado e expulso da Aeronáutica. Um brigadeiro, Itamar Rocha, que ousou investigar seriamente a denúncia, também foi punido e afastado.
Mais exemplos? O caso do atentado no Riocentro, em 30 de abril de 1981, é outro IPM circense que expôs o Exército ao absolver dois oficiais terroristas que se explodiram (um morreu e outro ficou gravemente ferido) ao manusearem uma bomba que colocariam num show da oposição. Mais um? A promoção póstuma do torturador covarde Coronel Brilhante Ustra a “marechal”, em 2021, é mais uma afronta à própria hierarquia militar e à história das Forças Armadas – pois nem mesmo os golpistas de 1964 ousaram permitir que o sádico alcançasse o posto de general da ativa.
E AGORA?
Vice-presidente Alckmin, boa lembrança! No Brasil, o traje de gala da impunidade é a farda. Por isso, precisam ser cobradas diuturnamente as investigações sobre a participação de oficiais da ativa nas tentativas de golpe (que desaguaram no 8 de janeiro). Mesmo sem ilusões de alguma punição justa ao fim dos procedimentos, silenciar é covardia e incentivo aos golpistas. Denunciemos!
E aplausos eternos para militares como o Capitão Sérgio do Para-Sar, Marechal Rondon, Marechal Lott e outros grandes exemplos do passado. Aplausos também para fardados contemporâneos (a maioria silenciosa) não-aderentes ao bolsonarismo radical e que boicotaram todas as tentativas golpistas durante o mandato do mito genocida e contribuíram decisivamente para a derrota do golpe armado em 8 de janeiro de 2023.
*Arquiteto, jornalista, cartunista e ilustrador
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