Fiel ao espírito de 1º de abril, o golpe viveu de mentiras
Enio Lins
Às três horas da madrugada de 2 de abril de 1964, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, encerrou a sessão conjunta do Congresso Nacional, sem submeter à votação: “Assim sendo, declaro vaga a Presidência da República e, nos termos do Art. 79 da Constituição Federal, investido no cargo [de presidente da República] o Presidente da Câmara dos Deputados, Sr. Ranieri Mazzilli”. No tumulto que se seguiu, Auro de Moura Andrade, mesmo cercado por seguranças, levou um tabefe do deputado legalista Rogê Ferreira (PSB/SP). Mas o golpe estava consolidado desde a noite anterior.
QUEM LIDERA A FUZARCA?
Ranieri Mazzilli virou um boneco de Olinda, visualmente destacado no frevo, mas fazendo o passo pelas pernas alheias. Na balbúrdia institucional, golpistas civis, como Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, apostavam num curto período de exceção até as eleições em 1965, cenário de onde cada um planejava sair das urnas como presidente “no voto” (antes cassando as candidaturas de JK e Brizola). Na caserna, entretanto, os militares estavam unidos desde antes para uma rasteira nos comparsas paisanos e no descarte das eleições presidenciais – mas desunidos quanto ao nome do ditador pós-golpe.
DIAS DE VÁCUO
Em 2 de abril de 1964 se instalou um vácuo institucional, como a maré repentinamente vazante que antecede um tsunami. Sem lenço nem documento, como cantaria – anos depois – Caetano, o Brasil, naquela quadra de tempo, “se reparte em crimes / espaçonaves, guerrilhas” e “em caras de presidentes / em grandes beijos de amor / em dentes, pernas, bandeiras / bomba e Brigitte Bardot”. O país do futuro era um país a deriva no imediato pós-golpe. Os militares golpistas, mesmo brigando entre si, foram rápidos e assumiram os cordéis, “marionetando” as forças à paisana que lhes ajudaram na empreitada até aquela data, e que acreditavam na repetição da fórmula aplicada entre 1930/1937 e 1954: civis no comando e militares na retaguarda. Essa ordem seria invertida na nova temporada ditatorial, e aos paisanos parceiros restaria a subserviência o bsequiosa à caserna.
O MARIONETE E SEUS CORDÉIS
Da caserna desunida, sem perda de tempo, veio a solução fardada, impondo ao presidente-fantoche Mazzilli os “seus” ministros militares – general Costa e Silva, Exército; almirante Augusto Rademaker, Marinha; brigadeiro Correia de Melo, Aeronáutica – que formaram incontinenti o “Comando Supremo da Revolução” e passaram a dirigir o País de fato, empurrando seus cúmplices civis para posições secundárias. O Ato Institucional nº 1, assinado pelo trio em 9 de abril, suspendeu por 10 anos os direitos políticos de “opositores do regime”, determinou a escolha indireta para um novo presidente da República, com mandato até 31 de janeiro de 1966, e mentido ao “manter” a eleição direta presidencial para 1965.
MENTIRA COMO PRINCÍPIO
Fiel ao espírito de seu dia natalício, 1º de abril, a mentira marca todo esse período de 21 anos, começando pelo apelido de “revolução” para a quartelada. Uma sequência de atos institucionais inconstitucionais foi determinando, ao sabor do grupo castrense no poder, as regras draconianas para cada momento. A Justiça seria manietada, com a rigorosa censura à imprensa ocultando todos os atos de corrupção dos militares no poder. O ápice ditatorial foi o famigerado Ato Institucional nº 5, em 1968, desmentindo a própria “constituição” de 1967, e oficializando o arbítrio e o terror.
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