A Revolta de 1924 em São Paulo e o sonho de modernização do país
As revoltas tenentistas se espalhavam pelo país, desde 1922, quando eclodiu o conflito urbano em São Paulo em 5 de julho de 1924, deixando cicatrizes profundas na cidade.
Cezar Xavier/Vermelho
A Revolta de 1924 em São Paulo, também conhecida como Revolta Paulista, Revolução ou Movimento de 1924, Segundo 5 de Julho e Rebelião de 1924 em São Paulo, foi um conflito brasileiro com características de guerra civil. Deflagrado por militares tenentistas para derrubar o governo federal de Artur Bernardes, o movimento iniciou-se na cidade de São Paulo em 5 de julho e rapidamente expandiu-se para o interior, inspirando levantes em outros estados. Após intensos combates urbanos, a vitória das forças legalistas foi alcançada em 28 de julho. A retirada dos rebeldes, no entanto, prolongou o conflito até setembro com a Campanha do Paraná.
Embora muitas de suas aspirações não tenham sido concretizadas, o movimento tenentista influenciou diretamente o cenário político brasileiro nas décadas seguintes. Apesar da dimensão dos combates e das consequências políticas, a Revolta de 1924 ganhou o apelido de “Revolução Esquecida” e não possui comemorações públicas equivalentes às da Revolução Constitucionalista de 1932.
O sentido das duas revoltas paulistas era opositivo, já que os tenentes de 1924 buscavam uma modernização que rompesse com o poder corrupto e atraso das oligarquias cafeeiras. Também era uma revolta com ambições nacionais, que já reverberava por vários estados. Em 1932, na mobilização contra Getúlio Vargas, as elites paulistas visavam resistir sozinha ao processo modernizador alavancado pela Nova República. Também foi derrotada pelo resto do país, mas o feriado de 9 de julho insiste em firmar uma narrativa paulista de luta contra a ditadura de Getúlio por uma Constituição democrática.
O grupo conspiratório que deu início à revolta de 1924 era composto por oficiais do Exército, veteranos da Revolta dos 18 do Forte de 1922, militares da Força Pública de São Paulo, além de baixas patentes e civis. Todos eram inimigos do sistema político da República Velha. O general reformado Isidoro Dias Lopes foi escolhido como comandante, com um plano de iniciar uma revolução nacional a partir da ocupação de São Paulo, visando enfraquecer as oligarquias dominantes. Contudo, a adesão ao movimento foi menor do que o esperado, e as forças legalistas conseguiram resistir no centro da cidade até 8 de julho, quando o governador Carlos de Campos se retirou para a estação de Guaiaúna, na periferia.
A batalha urbana
O governo federal concentrou grande parte de seu poder de combate em São Paulo, com uma vantagem numérica de cinco para um, iniciando a reconquista pelos bairros operários a leste e sul do centro sob a liderança do general Eduardo Sócrates. São Paulo, o maior parque industrial do país, teve suas fábricas paralisadas pela luta, que foi a mais intensa já travada dentro de uma cidade brasileira. A escassez de alimentos levou a saques populares em armazéns, enquanto os legalistas bombardearam indiscriminadamente a cidade, causando pesados danos a residências, indústrias e habitantes. A maioria dos mortos eram civis, e um terço da população tornou-se refugiada.
Durante os combates, os bombardeios, incêndios e saques não pouparam a elite econômica paulista, que rapidamente se organizou para proteger suas propriedades e interesses. Instituições como a Associação Comercial, a Sociedade Rural e a Associação de Bancos desempenharam papéis cruciais na manutenção da ordem e na gestão das consequências econômicas do conflito. Inicialmente alinhada com o governo de Carlos de Campos, a Associação Comercial mudou sua posição conforme os rebeldes ganharam controle sobre a cidade, cooperando com eles para mitigar os impactos dos saques e do caos urbano.
Temendo uma revolução social, essa elite influenciou o distanciamento dos líderes da revolta de movimentos operários, como os anarquistas, que haviam oferecido apoio. Tentativas de intermediar um cessar-fogo também foram feitas, mas sem sucesso.
A participação dos operários no conflito foi significativa e multifacetada. Desde colaborar na logística revolucionária até a formação de batalhões estrangeiros, os trabalhadores desempenharam um papel ativo na revolta. No entanto, suas demandas por melhores condições de trabalho e salários não foram completamente incorporadas no programa político dos tenentistas, que lideravam a revolta.
O governo restabeleceu o estado de sítio e intensificou a repressão política, criando em São Paulo a Delegacia de Ordem Política e Social (Deops). Sem perspectivas de vitória, os rebeldes conseguiram escapar do cerco iminente e se transferiram para as margens do rio Paraná.
Após uma tentativa frustrada de invasão ao sul de Mato Grosso (a Batalha de Três Lagoas), os revoltosos se entrincheiraram no oeste do Paraná, onde se uniram a insurgentes do Rio Grande do Sul para formar a Coluna Miguel Costa-Prestes. A Coluna formada pela união das tropas paulistas com as forças gaúchas lideradas por Luiz Carlos Prestes, percorreu o país em uma longa marcha que durou anos, buscando apoio popular e combatendo as forças governamentais.
A causa tenentista
Os tenentes e oficiais superiores do Exército Brasileiro, veteranos da revolta tenentista de 1922, foram o núcleo inicial das revoltas seguintes, incluindo a de São Paulo em 1924. Este movimento também incluía patentes inferiores do Exército, militares da Força Pública de São Paulo e civis.
Embora o movimento fosse militar e articulado nos quartéis, os conspiradores estabeleceram contato com vários civis, vistos como presença essencial para legitimar o movimento e diferenciá-lo de uma mera quartelada. Apesar das críticas dos tenentistas aos políticos profissionais, havia coincidência de interesses com a Reação Republicana, liderada por Nilo Peçanha, que defendeu os revoltosos de 1922. Houve tentativas de cooptar dissidentes da elite paulista, como Júlio de Mesquita e Vergueiro Steidel, que não apoiaram a revolta por ser liderada por elementos fora de sua classe. Para angariar apoio entre os operários, Isidoro usou intermediários como Maurício de Lacerda e Everardo Dias, aproximando-se de anarquistas, socialistas e a Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira.
Personalidades como Monteiro Lobato expressaram apoio à revolta, argumentando que a população estava insatisfeita com o governo de Carlos de Campos e viu na revolução uma oportunidade para mudança política significativa.
Os revoltosos de 1924 eram definidos mais pelo que se opunham do que pelo que defendiam. O objetivo maior era derrubar a hegemonia das oligarquias agrárias de São Paulo e Minas Gerais, o poder do coronelismo local, a fraude eleitoral e a corrupção característica da política na República Velha.
A indignação com o “espírito de vingança” de Artur Bernardes, que perseguiu os integrantes da Reação Republicana e adotou medidas autoritárias, motivou a revolta. Ao contrário de 1922, os revoltosos de 1924 apresentaram manifestos e folhetins com propostas para um novo regime, defendendo reformas no Judiciário, educação pública e voto secreto com censo alto.
A ambição nacional da Revolta
O movimento de 1924, concebido pelos conspiradores, tinha como objetivo uma revolução de dimensão nacional, culminando no Rio de Janeiro. São Paulo, o ponto de partida, foi escolhido por questões de planejamento militar, não por ser uma revolta local. A iniciativa veio de forasteiros que pouco se importavam com as lutas políticas internas de São Paulo.
No Rio de Janeiro, maior polo militar do país, a vigilância e a delação eram constantes, impossibilitando que a cidade fosse o ponto de partida. Em contraste, São Paulo possuía um aparato policial mais fraco, onde o governo estadual confiava excessivamente na sua Força Pública, à época mais forte do que a guarnição federal no estado. A possibilidade de sublevar essa corporação foi um fator decisivo na escolha do local para o início da revolta.
O rápido crescimento de São Paulo dificultava a identificação de conspiradores e foragidos com seus 700 mil habitantes. São Paulo era o centro das atividades comerciais e bancárias ligadas ao café. Inicialmente vinculada à cafeicultura, a acelerada industrialização atraía muitos imigrantes, a ponto de os estrangeiros e seus descendentes representarem mais da metade da população.
São Paulo também tinha as melhores comunicações ferroviárias do país, através das quais a capital federal poderia ser alcançada em poucas horas. A queda de São Paulo teria imensa repercussão nacional, cortando o braço forte do governo federal e da política do café com leite.
Festival de imprevistos
Em 5 de julho não houve marcha para o Rio de Janeiro, e as adesões não ocorreram como planejadas. Em vez de algumas horas, a queda da cidade demorou quatro dias. De simples base para um plano maior dos conspiradores, a cidade tornou-se cenário da guerra urbana, uma das mais selvagens na história do Brasil, com cenas que remetiam à Primeira Guerra Mundial.
Os relatos revelam que a movimentação bem sucedida num primeiro momento, levou a uma série de descuidos e subestimação das forças legalistas. Marcada por uma complexa rede de conspirações, traições e mudanças de lado foram fatais para revoltosos que entravam em quarteis desavisados. Segundo Juarez Távora, “todas as previsões laboriosamente discutidas e pesadas durante vários meses, se deveriam esboroar cruelmente, em algumas horas, sob a realidade de insignificantes imprevistos”.
Teve a roda de canhão que feriu o pé de um contato, os telégrafos e telefones que não foram cortados, um prédio que foi entregue inadvertidamente para guarda do inimigo. A falta de orientação por atraso de Isidoro, telegramas interceptados, tiroteios que atingiram civis. Uma série de falhas logísticas e contratempos que permitiram o cerco das tropas legalistas.
Os legalistas, reforçados por contingentes de diversos estados e equipados com o que havia de mais moderno em armamentos, superavam os rebeldes em uma proporção alarmante de um para cinco. Organizados em uma divisão comandada pelo General Sócrates, os legalistas estenderam suas linhas defensivas estrategicamente do Ipiranga até Vila Maria, abrangendo os bairros operários periféricos. O bombardeio não discriminava alvos militares de civis, resultando em um número alarmante de mortes e feridos entre os habitantes de São Paulo. Casas foram destruídas, fábricas incendiadas e áreas residenciais destruídas.
O bombardeio aéreo e terrestre das forças do governo contribuiu significativamente para a deterioração das condições da cidade e do moral dos revoltosos.
Durante os combates, houve esforços de mediação por parte de instituições civis, líderes religiosos e até mesmo diplomatas estrangeiros para negociar um cessar-fogo, visando proteger a população civil. No entanto, as tentativas de negociação falharam, e os combates continuaram até que os rebeldes decidiram, estrategicamente, retirar-se da capital paulista em 27 de julho de 1924.
Após a retirada dos rebeldes, as forças legalistas reassumiram o controle da cidade, marcando o fim da revolta em São Paulo. Embora os rebeldes tenham conseguido estender a luta por algumas semanas, os levantes em outras regiões do país, como no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Amazonas e Sergipe, não obtiveram sucesso significativo e foram derrotados pelas forças do governo.
Impacto na população civil
A manhã de 5 de julho começou como qualquer outra para os civis, mas o barulho da fuzilaria rapidamente os assustou. Sair às ruas era perigoso demais, e muitos permaneceram em casa. As trincheiras proliferaram, com 309 construídas na cidade. A população desconhecia os líderes e objetivos da revolta, e era difícil identificar os combatentes de cada lado. O ambiente de guerra no centro em 8 de julho foi descrito pelos jornalistas Paulo Duarte e Hormisdas Silva como um cenário de tiroteio intenso e perigoso.
A matéria-prima para as fábricas e os alimentos do interior dificilmente chegavam à cidade, causando paralisação das fábricas e desorganização na distribuição de mercadorias. O comércio, bondes, escolas e repartições públicas pararam. Telefones e fornecimento de energia funcionavam precariamente. Veículos particulares eram requisitados por ambos os lados, e civis eram recrutados à força. Poucos jornais circulavam devido à censura, falta de papel e limitações no movimento dos funcionários. A 9 de julho, o desabastecimento de alimentos já era sentido, com padarias sem farinha e leiteiros impedidos de entregar o leite. A população tentava estocar mantimentos, mas os armazéns só aceitavam pagamento em dinheiro. O governo federal decretou feriado até o dia 12 para evitar uma corrida aos bancos.
Com as ruas dominadas pelo confronto militar e a incerteza, muitos viram suas vidas interrompidas pela violência e pelos saques generalizados. Lojas foram pilhadas, fábricas incendiadas e a população, já sofrendo com os efeitos da guerra, enfrentou também o aumento dos preços e a escassez de alimentos.
O transporte ferroviário tornou-se o principal meio de fuga, com centenas de milhares de refugiados civis embarcando em trens lotados, muitos deles pendurados do lado de fora dos vagões.
Cicatrizes pela cidade
Em última análise, a Revolução de 1924 não apenas abalou as estruturas políticas e militares de São Paulo, mas deixou uma marca indelével na memória da cidade. O que começou como um levante militar logo se transformou em um conflito que expôs as fragilidades e tensões sociais da época, evidenciando os desafios enfrentados por uma sociedade em transformação.
Ao final do conflito, São Paulo emergiu devastada, com um cenário de destruição física e emocional que demoraria anos para ser completamente reparado. Enquanto São Paulo se reerguia das ruínas deixadas pela revolta, as lições aprendidas com os eventos de julho de 1924 ecoariam por décadas. A cidade testemunhou não apenas a bravura dos combatentes, mas também a resiliência de uma população determinada a sobreviver em tempos de crise.
Este capítulo da história paulista serve como lembrete das complexidades do poder, da resistência humana e das consequências imprevistas de ações audaciosas. A Revolução de 1924 é, portanto, mais do que um episódio militar; é um retrato vivo das dinâmicas sociais e políticas que forjaram o Brasil do século XX.
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