07 agosto 2024

Cláudio Carraly opina

MENOS PRODUTO, MESMO PREÇO: A ARMADILHA DA REDUFLAÇÃO
Cláudio Carraly*

A reduflação, um termo derivado da junção de "redução" e "inflação", refere-se à prática de diminuir o tamanho ou a quantidade de produtos enquanto se mantém o mesmo preço ou até se aumenta. Essa estratégia é frequentemente utilizada por empresas para mascarar a elevação das suas margens de lucro, sem que o aumento dos preços ou a diminuição dos produtos seja evidente para os consumidores. No entanto, essa prática levanta sérias questões éticas e tem implicações profundas para os consumidores, que acabam sendo prejudicados de forma sutil e muitas vezes imperceptível., com o aumento da conscientização dos consumidores, é essencial que tanto empresas quanto reguladores abordem essa questão de maneira transparente e ética.

Esse é um fenômeno relativamente novo, mas suas raízes podem ser traçadas até períodos de inflação elevada, quando as empresas procuravam maneiras de manter a competitividade sem alienar os consumidores com aumentos diretos nos preços. A prática ganhou notoriedade na década de 1970, durante a crise do petróleo, e desde então tem sido uma estratégia recorrente em tempos de instabilidade econômica. Ao longo dos anos, essa tática evoluiu e se tornou mais sofisticada, sendo utilizada mesmo sem a existência de uma crise, adaptando-se às mudanças nas percepções e comportamentos dos consumidores, que estão cada vez mais atentos às estratégias de marketing e preços. Assim, as empresas utilizam várias estratégias para implementar essa prática. Algumas das mais comuns incluem:

1. Redução do Tamanho do Produto: Uma das formas mais evidentes de reduflação é a diminuição do tamanho do produto, por exemplo, uma barra de chocolate que costumava pesar 200 gramas pode ser reduzida para 180 gramas, enquanto o preço permanece o mesmo. Essa redução pode ser tão sutil que passa despercebida pelo consumidor médio. Em produtos onde o tamanho é uma característica importante para a percepção de valor, essa estratégia pode ser particularmente eficaz;

2. Alteração da Embalagem: Outra técnica é a modificação da embalagem para criar a ilusão de que a quantidade de produto permanece inalterada, isso pode incluir a introdução de novos formatos de embalagem que são visualmente semelhantes ao original, mas que contêm menos produto. Essa abordagem aproveita o fato de que muitos consumidores confiam na aparência visual do produto que usualmente compram e não verificam os detalhes das especificações de peso ou volume;

3. Mudança na Fórmula: Algumas empresas optam por alterar a fórmula ou composição do produto, utilizando ingredientes mais baratos ou de menor qualidade para reduzir custos, mantendo o preço final, essa mudança pode ser menos perceptível imediatamente, mas pode impactar negativamente a qualidade percebida do produto ao longo do tempo;

4. Redução da Quantidade por Pacote: No caso de produtos embalados em múltiplos, como pacotes de biscoitos ou rolos de papel higiênico, as empresas podem simplesmente reduzir o número de unidades por pacote, essa prática é particularmente comum em produtos onde a contagem é um fator importante para o consumidor, como itens de uso diário ou alimentos embalados em porções.

Um dos setores que mais lucram com essa ação é o de alimentos e bebidas, um exemplo notório é o das barras de chocolate Toblerone, que em 2016, reduziu, sem prévio aviso, o peso das barras de chocolate vendidas no Reino Unido, passando de 170 gramas para 150 gramas, mas manteve o preço do peso anterior. Além disso, a forma das barras foi alterada, com maior espaçamento entre os triângulos de chocolate para disfarçar a mudança, esse caso se tornou emblemático e, quando foi percebido pelos consumidores, foi amplamente discutido nas redes sociais e na mídia tradicional, destacando a indignação dos clientes e a percepção de engodo.

Outro exemplo é o da fabricante de cereais Kellogg's, que reduziu o peso de suas caixas de 790 gramas para 720 gramas em 2019, mantendo o preço do produto equivalente ao anterior, essa redução foi justificada pela empresa como uma forma de manter os custos sob controle em um ambiente econômico desafiador. A prática foi criticada por consumidores e organizações de defesa do consumidor, que acusaram a empresa de enganar os compradores. A reduflação também é comum em produtos de higiene pessoal, a marca de papel higiênico Charmin, por exemplo, reduziu o número de folhas por rolo em várias ocasiões ao longo dos anos, em um caso, a quantidade de folhas por rolo passou de 650 para 570, mas o preço permaneceu o mesmo. 

O setor de bebidas também não está imune a esse expediente, em 2018, a Coca-Cola anunciou a redução do tamanho de suas garrafas em vários países, de 1,75 litros para 1,5 litros, enquanto aumentava o preço. A empresa justificou essa decisão como uma resposta aos aumentos nos custos de produção e aos impostos sobre bebidas açucaradas, esse movimento foi amplamente debatido e gerou discussões sobre a transparência nas práticas de preços e a falta de ética corporativa. Esse “modus operandi” tem um impacto significativo nos consumidores, afetando tanto seu poder de compra quanto sua confiança na indústria. 

A redução deliberada dos produtos efetivamente diminui o poder de compra dos consumidores, pois eles acabam pagando mais por muito menos produto, isso é particularmente prejudicial em tempos de inflação, quando os consumidores já estão lutando para ajustar seus orçamentos. A prática torna-se uma forma dissimulada de aumento de preços, agravando a situação financeira das famílias, além disso, quando as quantidades variam artificialmente, torna-se mais complicado para os consumidores determinar qual produto oferece o melhor custo beneficio, isso pode levar a decisões de compra menos informadas e menos eficientes, prejudicando ainda mais o consumidor final. 

Em um mercado onde a transparência é essencial, esse expediente contribui para a opacidade dos fatos, tornando o processo de compra mais complexo e frustrante, em resposta a essa prática enganosa, várias organizações de defesa do consumidor e órgãos reguladores têm tomado medidas para proteger a população. Algumas dessas respostas incluem:

1. Transparência na Rotulagem: Alguns países implementaram regulamentações que exigem maior transparência na rotulagem de produtos, isso inclui a obrigatoriedade de informar claramente qualquer alteração no tamanho ou quantidade dos produtos nas embalagens. A ideia é garantir que os consumidores estejam cientes das mudanças e possam tomar decisões de compra informadas;

2. Campanhas de Conscientização: Organizações de defesa do consumidor lançam campanhas de conscientização para alertar o público sobre essa pratica antiética, educando os consumidores sobre como identificar essas manobras, incentivando a comparação de preços baseados em peso ou volume para obter o melhor valor do produto pretendido;

3. Ações Legais: Em alguns casos, consumidores prejudicados têm recorrido a ações legais contra essas empresas, as ações geralmente visam compensação financeira e maior transparência nas práticas de preços e embalagem dos produtos. Embora nem sempre sejam bem-sucedidas, essas ações aumentam a pressão sobre as empresas para agirem de maneira mais ética.

As redes sociais têm desempenhado um papel importante na conscientização sobre a reduflação, consumidores insatisfeitos frequentemente recorrem a plataformas de redes sociais para expressar suas frustrações e compartilhar exemplos de práticas enganosas pelas empresas. Essas postagens podem se tornar virais, aumentando a pressão sobre as empresas para reconsiderar suas práticas, vários casos documentados ilustram o poder das redes sociais na amplificação da voz dos consumidores e na influência sobre as decisões empresariais, consumidores expressando seu descontentamento online causam uma repercussão negativa intensa, e a empresa eventualmente anuncia planos para reverter a mudança e aumentar novamente o tamanho dos produtos, ou diminuir o preço do que foi reduzido, como deveria ser.

Uma abordagem mais ética seria simplesmente aumentar os preços de forma transparente quando for necessário. Embora isso possa inicialmente alienar alguns consumidores, a honestidade e a transparência vão fortalecer a confiança na marca a longo prazo, empresas que comunicam claramente as razões por trás dos aumentos de preços tendem a manter uma base de clientes mais satisfeita, estudos mostram que consumidores são mais propensos a aceitar aumentos de preços quando as razões são explicadas de maneira clara e honesta.

As empresas também podem focar em melhorar a eficiência operacional para reduzir custos, isso pode incluir a otimização da cadeia de suprimentos, a adoção de tecnologias mais avançadas ou a renegociação de contratos com fornecedores. Melhorias na eficiência podem ajudar a compensar aumentos de custos sem a necessidade de repasse ao consumidor final, empresas que investem em eficiência operacional não só reduzem custos, mas também melhoram a qualidade e a consistência de seus produtos.

A inovação pode ser uma solução viável para lidar com possíveis aumentos de custos, ao desenvolver novos produtos ou variantes que ofereçam valor adicional aos consumidores, as empresas podem justificar aumentos de preços de maneira mais aceitável, isso pode incluir a introdução de ingredientes de melhor qualidade, novos sabores ou funcionalidades aprimoradas. A inovação contínua mantém os consumidores engajados e dispostos a pagar mais por produtos que venham a oferecer qualidade ou benefícios adicionais.

A percepção de injustiça e a reação emocional dos consumidores ao perceberem a reduflação é um aspecto importante a ser considerado, avaliações em psicologia do consumidor demostram que sentir-se enganado pode gerar sentimentos de frustração e traição, levando à perda de confiança na marca e à rejeição de produtos futuros dessa empresa. A sensação de ser tratado de forma injusta pode resultar em uma mudança de preferência para marcas concorrentes que agem de forma correta. 

A análise econômica da reduflação pode ser aprofundada explorando como essa prática afeta a economia em geral, incluindo aspectos macroeconômicos como a inflação e o comportamento do consumidor, ao mascarar os aumentos de preços, pode-se contribuir para uma percepção inflacionária menor do que a real, impactando a política monetária e as decisões econômicas de governos e instituições financeiras. Além disso, ao reduzir a quantidade de produtos sem ajustar os preços, as empresas podem afetar a demanda agregada além de distorcer os dados econômicos.

Para enfrentar esses desafios, é essencial que as empresas adotem práticas mais transparentes e éticas, comunicando claramente quaisquer mudanças nos preços, qualidade ou tamanhos dos produtos. Além disso, os consumidores devem ser educados sobre como identificar e reagir a essas situações, garantindo que possam tomar decisões de compra informadas, organizações de defesa do consumidor e órgãos reguladores estatais também têm um papel crucial a desempenhar, promovendo a transparência na rotulagem e combatendo práticas enganosas.

A combinação dessas abordagens pode ajudar a mitigar os efeitos negativos da reduflação e proteger os interesses dos consumidores a longo prazo. A abordagem integrada entre consumidores, empresas e reguladores pode promover um mercado mais ético e equilibrado, onde a transparência e a confiança são valorizadas e protegidas, garantindo aos consumidores a certeza de estar comprando o que realmente desejam, com a qualidade, preço e peso justos, como sempre deveria ser.

*Advogado, ex-Secretário Executivo de Direitos Humanos de Pernambuco

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