17 janeiro 2025

Abraham Sicsú opina

Enfrentando o Rentismo
Desafios e caminhos para reduzir a pressão do capital financeiro e estimular o desenvolvimento sustentável do Brasil
Abraham B. Sicsú/Vermelho   


O sistema capitalista de produção criou dois mundos quase dissociados. De um lado o da produção e consumo de bens físicos, o mundo real das mercadorias. De outro, o mundo dos papeis e moedas, do financeiro. Deveriam ser duas faces de uma mesma moeda, mas, cada vez mais, se dissociam e difíceis são as conexões que se tornam nítidas entre eles.

O mundo do capital financeiro trouxe uma nova “classe social”, com sua lógica de funcionamento, com seus valores e expectativas. Estas, muito longe do mundo do palpável, dos bens reais, dos produtos físicos e dos consumidores. A essa classe se chama de rentistas. Pessoas que vivem de aplicações financeiras ou rendas monetárias. Da financeirização das suas atividades, virtualmente, na maioria das vezes sem a contribuição efetiva para o mundo produtivo.

Importante entender como pensam os rentistas. Seu objetivo principal, sem dúvida, é a lucratividade de seus papeis, dos juros que auferem, da valorização de seu capital monetário. Estratégias são implantadas para poder melhor se posicionar no mercado de papeis, hoje, dos bites eletrônicos, que se multiplicam.

Juros e câmbio são os principais vetores definidores da lucratividade tão desejada. O prêmio que se paga a quem investe, a quem está disposto a colocar seu capital em outras mãos, a quem dá o crédito que permite que a produção seja ampliada antes que se tenham os recursos economizados pelo investidor produtivo, para dar saltos em escala ou implantar programas sociais é fundamental. Como se está num mundo relativamente globalizado, o câmbio passa a ser fundamental como regulador das transações internacionais.

Um mercado nada simples de ser compreendido. Quase todos participamos dele, mesmo que não tenhamos nenhuma interferência em seus caminhos, nos rumos que são seguidos. À grande maioria, os micro, pequenos e médios investidores, só cabe torcer, pouco ou nada influem no direcionamento que é tomado. Parecem aqueles donos de bicicletas que fazem entregas e se dizem empreendedores.

Grandes investidores, bancos e grandes corretoras, entre outros, são agentes fundamentais. De suas iniciativas, dos passos que dão, do direcionamento de suas opções, se tem caminhos concretos que definem as principais taxas do mercado, os juros e o câmbio.

Um ator fundamental nesse processo passa a ser o Estado, principalmente em países em desenvolvimento. Precisa de recursos para viabilizar seus projetos produtivos e sociais, precisa se capitalizar para os saltos de desenvolvimento, com isso tem que recorrer ao mercado financeiro para conseguir os recursos.

Para os grandes investidores, aqueles que efetivamente possuem recursos para empréstimo, a lógica do disponibilizar passa pelo risco que se está disposto a correr. Quanto maior o risco de não haver o retorno ou de haver atraso significativo para tal, maior a taxa exigida, menor o período de retorno aceitável.

Um embate que é travado. De um lado, os grandes investidores com suas exigências, às vezes de taxas estratosféricas, de outro o Estado com a necessidade premente de recursos para financiar o processo de expansão econômica e de melhoria na justiça social.

Tendo esse quadro em mente, cabe retornar ao caso brasileiro, caso que nos interessa mais de perto.

Tivemos quase oito anos de uma economia estagnada com fortes impactos no crescimento e na melhoria das condições de vida. Por um lado a produção e o nível de investimento ficaram paralisados, por outro se desmontou na prática os programas de assistência social e melhoria das condições de vida. Eram necessários recursos para sua retomada.

Concomitantemente, foram definidas condições draconianas de ajuste fiscal, com metas de endividamento e inflacionárias quase incompatíveis com a necessidade de reestruturação e crescimento da economia.

Mesmo assim se conseguem indicadores muito razoáveis, com boa taxa de crescimento, inflação nada alta e endividamento governamental pouco significante.

Consultando economistas que atuam no mercado financeiro, observo que até reconhecem esse quadro favorável no curto prazo, mas se atém à “possível” dívida de longo prazo.  Uma declaração, em um artigo, me pareceu elucidadora dessa posição dos rentistas:

“Explico, quando o governo gasta mais do que pode e entra em uma dinâmica explosiva da dívida pública, ou quando o custo real de carregamento da dívida é maior que o crescimento econômico do país e o superávit primário, então os financiadores dessa dívida pública (os rentistas) cobram um rendimento (juro) maior, dado um risco fiscal maior.”

Essa é a lógica que os têm norteado. Mas levam ao limite tal pensamento. E exigem do Banco Central taxas de juros inigualáveis no mundo. Segunda maior do mundo. Olhando impactos inflacionários de curto prazo e alegando uma demanda excessivamente aquecida, o que não aparece no nível de ociosidade do setor produtivo.

Evidentemente, esse quadro faz crescer a lucratividade dos papeis financeiros e desvincula da produtividade efetiva, que pode se observar melhorando. Exige-se o inimaginável para um financiamento de largo prazo, desestrutura-se as finanças públicas.

O aumento das taxas de juros aumenta a dívida pública em muito. Um trilhão de reais pagos em 2024, os maiores gastos do Estado em qualquer rubrica, são os dos juros da dívida.

Evidentemente, há um impacto inflacionário significativo. Os preços crescem em muito com o aumento do custo do dinheiro e com a taxa de câmbio super elevada .

Mas, não só. O crédito fica mais caro. Não apenas o crédito para o consumo, mas, fundamentalmente, o mais importante, para investimento. Com isso, o feitiço pode se virar contra o feiticeiro, aumentando a inflação e diminuindo em muito o nível de retomada da economia nacional.

Se a questão é de um embate entre o grande capital e o governo atual, algumas medidas parecem possíveis para diminuir o poder de pressão dos rentistas. E, parece importante focar nelas.

  1. Entender que o mercado de capitais não é fechado e pode ter espaços pouco explorados como força contra-restante à pressão atual. Por exemplo, recorrer com muito maior ênfase a empréstimos de países que nos são parceiros como a China. País que tem grandes reservas em divisa e já se disponibilizou para ser parceiro do processo célere de investimentos produtivos e infraestrutura do País. Dinheiro bem mais barato que diminuiria a pressão do mercado de capitais nacional;
  2. Na mesma direção, o Banco dos BRICS, também conhecido como Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), é uma instituição financeira multilateral que se disponibiliza a auxiliar o país, fora da esfera de influência americana do norte;
  3. Diminuir os movimentos especulativos atuais que dificultam em muito a dinâmica da economia real. Medidas que outrora já utilizamos de controle de saída de capitais e de restrição a investimentos financeiros meramente especulativos seriam muito bem vindas;
  4. Fortalecimento de moedas alternativas ao dólar no comércio internacional visando uma maior estabilidade do câmbio e diminuindo a excessiva de pendência da moeda americana faz-se necessária para maior estabilidade de nossa economia.

O momento atual apresenta forças que se opõe e podem fortalecer movimentos como o sugerido.

Por um lado, a subida de Trump na América do Norte representa força visceralmente contrária a essa mudança de rumos. Por outro, a nova diretoria do Banco Central brasileiro abre a perspectiva de uma discussão mais flexível e adequada das políticas fiscais e cambiais do país. Esperamos que haja espaço para avanços.

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Leia: Plataformismo: uma nova etapa do Modo de Produção Capitalista? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/capitalismo-de-plataforma.html

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