Trump topará na muralha da China
Planos do futuro presidente são contraditórios e
escondem um provável desafio a Pequim. Mas os chineses resistirão. A dúvida é:
estarão também dispostos a dar um grande salto e criar, em torno dos BRICS, uma
ordem alternativa à do dólar?
Yanis Varoufakis. Tradução: Antonio Martins e Glauco
Faria/Outras Palavras
Donald Trump quer impulsionar as exportações de seu país, trazer empregos de volta para os Estados Unidos e reduzir o déficit comercial norte-americano. Para isso, ele precisa de um dólar mais fraco. Mas, ao mesmo tempo, ele quer um dólar forte, e não tolerará qualquer discussão sobre o fim do privilégio exorbitante da supremacia do dólar americano nas transações internacionais.
Trump pode ter ambos?
Seu primeiro problema é que introduzir tarifas sobre produtos importados,
projeto que anunciou com alarde, e no qual investiu muito capital político,
provavelmente aumentará o valor do dólar.
Por quê?
Principalmente porque toda vez que há incerteza global, devido a um problema
que emana dos Estados Unidos — seja a crise de 2008 ou qualquer outra –, há,
paradoxalmente, uma corrida de dinheiro estrangeiro para os Estados Unidos,
elevando o valor do dólar.
Se as tarifas de
Trump criarem incerteza global, o resultado provável será um aumento no valor
do dólar. E esse é o seu primeiro problema. O resultado será que, mesmo que as
importações inicialmente diminuam como resultado das tarifas elevadas, a
entrada de capital nos Estados Unidos impulsionará o valor do dólar. Isso
anulará quaisquer efeitos que as tarifas tenham tido, na limitação das
importações e no aumento das exportações americanas.
O segundo problema de
Donald Trump é que, se ele levar adiante suas propostas de grandes cortes de
impostos, especialmente para corporações e oligarcas extremamente ricos dos
Estados Unidos, isso também atrairá capital estrangeiro para seu país. E o que
este movimento fará? Aumentará o valor do dólar e, assim, ampliará o abismo
entre a poupança e o investimento norte-americanos — o investimento é muito
maior do que a poupança – o que é uma das causas fundamentais do déficit
comercial dos EUA.
O terceiro problema
de Trump é o privilégio exorbitante do dólar. É a razão pela qual, sempre que
há uma crise (especialmente quando se origina nos Estados Unidos), o dólar sobe
e o déficit comercial dos EUA piora, especialmente durante períodos de redução
da demanda e empregos nos Estados Unidos.
Portanto, se Donald
Trump realmente quisesse reduzir o déficit comercial norte-americano, ele teria
que acabar com o privilégio exorbitante do dólar. Mas, é claro, ele nunca
permitirá isso, porque seus melhores amigos, sua tribo, são os rentistas e os
financistas – que ficariam horrorizados se os Estados Unidos perdessem o
privilégio exorbitante do dólar. É altamente improvável que Donald Trump queira
ser o primeiro presidente norte-americano, desde a Segunda Guerra Mundial, a
perder o poder hegemônico dos Estados Unidos, ao abrir mão do privilégio
exorbitante do dólar.
Alguns argumentam – e
acredito que têm razão, ao menos em parte – que talvez o que ele esteja
tentando fazer é ameaçar o mundo, a China e a União Europeia em particular, com
tarifas muito altas. O objetivo real seria chegar a um acordo que os leve a
aceitar uma desvalorização do yuan, do euro e de outras moedas concorrentes,
para que os Estados Unidos possam ver suas exportações aumentarem e as importações
diminuírem.
Em outras palavras,
fazer um acordo. Algo semelhante ao que Ronald Reagan fez em 1985. Os infames
Acordos da Plaza supostamente foram uma reunião multilateral entre europeus,
norte-americanos, canadenses, australianos. Na realidade, representaram um
ultimato de Washington a Tóquio. Apreciem fortemente o
iene! Caso contrário, vamos impor grandes tarifas sobre as
exportações japonesas. Os japoneses cederam. Aceitar os Acordos de Plaza
foi razão pela qual as enormes taxas de crescimento econômico vividas pelo
Japão entre 1950 e 1985 despencaram, e por que o país perdeu seu vigor
edinamismo.
É provável que a
China aceite um novo Acordo da Plaza? Eu atribuo probabilidade zero a essa
hipótese. A China não é o Japão.
O Japão era um país
ocupado pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos escreveram sua Constituição.
Ainda há dezenas de milhares de soldados norte-americanos ocupando Okinawa. A
China, volto a repetir, não é o Japão. É altamente improvável que aceitem isso,
especialmente em um momento em que a conta de capital do país, do ponto de
vista econômico, recomendaria uma desvalorização do yuan.
Os chineses nunca
aceitarão uma grande valorização de suamoeda, que faça a diferença para o
déficit comercial dos Estados Unidos, da maneira que Donald Trump gostaria.
Contar com isso é atirar pedras à Lua.
Não há novos Acordos
da Plaza entre os Estados Unidos e Pequim no horizonte, agora. Nesse sentido,
parece muito improvável que Donald Trump consiga alcançar seus dois objetivos
ao mesmo tempo: reduzir o déficit comercial dos EUA e manter o privilégio
exorbitante do dólar.
A grande questão, no
entanto, para 2025 e além, diz respeito ao dilema da China. Pequim decidirá
manter-se estática, ganhando tempo até que as contradições internas dos Estados
Unidos – o dilema de Trump – se desenrolem?
Ou Pequim fará a
escolha, que ainda não fez? O governo chinês ainda não tomou uma decisão, e
penso que fará isso em algum momento: tomar a decisão de converter a área dos
BRICS em uma nova versão de Bretton Woods.
Assim como Bretton
Woods tinha em seu centro o dólar norte-americano, a área dos BRICS teria o
yuan como moeda central, com taxas de câmbio mais ou menos fixas entre o a
moeda chinesa, a rúpia indiana e outras, e com o objetivo de reciclar os
superávits da China dentro da área dos BRICS. Este seria o maior e mais letal
perigo para o privilégio exorbitante do dólar.
Essa ainda não é uma
decisão tomada. Em 2025 ou nos anos seguintes, penso que saberemos a resposta.
Até lá, fiquem bem.
instagram.com/lucianosiqueira65
Leia sobre a evolução da economia da China em 2024 https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/elias-jabbour-opina.html
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