13 fevereiro 2025

Editorial do 'Vermelho'

Anistia aos envolvidos no 8 de janeiro e a PEC do semipresidencialismo são manobras golpistas
É necessária a mobilização das forças democráticas para respaldar o processo de aplicação do rigor do Estado Democrático de Direito. 
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A afirmação do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), de que que a invasão das instalações dos poderes da República, no dia 8 de janeiro de 2023, foi “grave”, mas “não uma (tentativa) de golpe” foi, corretamente, repelida pelo campo político democrático.

Tal declaração se confrontou com uma forte e ampla convergência de instituições da República e da sociedade de que o 8 de janeiro foi, sim, uma investida golpista, decorrente de uma continuada pregação golpista, planos e ações com essa finalidade que pontuaram o governo Bolsonaro.

O Supremo Tribunal Federal (STF), cumprindo seu dever de guardião da Constituição Federal, do regime democrático, já condenou 371 pessoas pelo 8 de janeiro. Deste conjunto, a maioria praticou atos classificados como graves e foram enquadrados em cinco tipos de crimes: tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa e deterioração de patrimônio público.

Antes do STF, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas concluiu, após meses de investigações, que os atos de 8 de janeiro de 2023 foram tentativa de golpe de Estado. O relatório desta CPMI, de 1.333 páginas, pediu o indiciamento de sessenta e uma pessoas, entre civis e militares, por incidência dos crimes de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e associação criminosa. Pelo relatório, o responsável por liderar os ataques tem nome e sobrenome: Jair Messias Bolsonaro.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva alertou, na cerimônia relativa aos dois anos dos atos golpistas, que “a democracia precisa ser cuidada com todo carinho e vigilância, por cada uma e cada um de nós”. “Seremos implacáveis contra quaisquer tentativas de golpe. Os responsáveis pelo 8 de janeiro estão sendo investigados e punidos. Ninguém foi ou será preso injustamente. Todos pagarão pelos crimes que cometeram. Todos – inclusive os que planejaram o assassinato do presidente e do vice-presidente da República, e do presidente do Tribunal Superior Eleitoral – terão amplo direito de defesa e presunção de inocência.”

A percepção popular também está em desacordo com a avaliação de Motta. Às vésperas da cerimônia de 8 de janeiro de 2025, um levantamento da Genial/Quaest mostrou que 86% dos brasileiros desaprovam os atos violentos de 2023. Para 50%, Jair Bolsonaro exerceu algum tipo de influência neles. Também em desacordo estão os movimentos sociais, que realizaram um simbólico “Abraço à Democracia”, na Praça dos Três Poderes na cerimônia, além de líderes de oito centrais sindicais, que assinaram carta intitulada Defender a democracia é uma causa de todo o povo brasileiro, e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que reafirmou seu compromisso com o Estado Democrático de Direito.

Como se vê, a fala de Motta foi uma voz isolada, num momento em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) faz os ajustes finais do texto que apresentará as primeiras denúncias no inquérito que apura a orquestração de um golpe. Quarenta pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal, incluindo Jair Bolsonaro e o general Braga Netto, seu candidato a vice na chapa que disputou à reeleição em 2022. Motta, diante da forte reação, fez um movimento de recuo.

São fatos que reforçam a convicção de que o Projeto de Lei que propõe anistia aos envolvidos nos crimes golpistas é uma excrecência e deve ser arquivado.

Do mesmo modo, deve ser rechaçada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe o semipresidencialismo, apresentada pelo deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), protocolizada na Câmara dos Deputados com cento e setenta e nove assinaturas. Além de casuísmo, com caráter golpista para limitar o poder do presidente da República à função de chefe de Estado, concedendo ao primeiro-ministro a chefia de governo, a PEC afronta premissas fundamentais da Constituição, um mal que também precisa ser combatido no nascedouro.

As duas constituições republicanas surgidas da soberania do voto popular, a de 1946 e a de 1988, adoraram o presidencialismo. A decisão foi referendada em plebiscitos realizados em 1963 contra uma manobra golpista que adotou o parlamentarismo para limitar os poderes do presidente João Goulart e em 21 abril de 1993, conforme deliberação da Constituinte de 1987-1988.

Essa proposta de arremedo de parlamentarismo, o semipresidencialismo, parece derivar do cálculo de uma nova derrota da direita nas eleições presidenciais de 2026. Desde já, tentam tirar poderes da Presidência da República.

Enquadra-se, também, no rol dessas manobras, o movimento para revogar a Lei da Ficha Limpa com objetivo de beneficiar Bolsonaro que, condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é inelegível por 8 anos.

Diante disto, é necessária a mobilização das forças democráticas para respaldar o processo de aplicação do rigor do Estado Democrático de Direito, blindando o STF e a PGR de pressões para que o julgamento seja isento e de acordo com o estatuto legal do país.

A punição exemplar de Bolsonaro e demais mandantes da escalada golpista, assentada no devido processo legal, robustamente documentada nos autos das investigações e dos processos, se apresenta imperativa e necessária. Premiar com a impunidade os que atentaram contra o regime democrático, além de gravíssimo erro jurídico, incentivaria, a depender das oportunidades, novas investidas golpistas.

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