Lula e o gol de desempate*
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
Certa vez, encontrei no Aeroporto de Guarulhos o então deputado
pernambucano Pedro Correia Neto (P-PE), meu contemporâneo na Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Pernambuco, desde então assumidamente
militante de direita.
— E então, Pedro, vinga essa pretensão de Fernando Henrique
Cardoso de alterar a Constituição e forçar a reeleição?
— Amigo, se FHC for hoje à Praça da Sé e se autoproclamar corrupto, ninguém
acredita...
— Como assim?
— O apoio popular ao presidente é tão grande que ele pode
tudo!
Mutatis mutandis, como dizem oradores juristas, Lula experimentou
situação semelhante no transcurso dos seus dois primeiros governos.
Escolheu Dilma sua sucessora, sem contestações na coalizão
governista e a elegeu duas vezes presidente.
Hoje as coisas não são bem assim. Embora o governo some muitas realizações
importantes, tanto no plano estrutural, visando à retomada da economia com base
na indústria e inovação tecnológica, como em políticas públicas compensatórias
(Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Pé de Meia, etc.), está muito longe de
conquistar a quase unanimidade de outrora.
Mudaram o mundo e o Brasil.
Hoje, o governo, sob cerco parlamentar e midiático, navegando em
ambiente global complexo, estremecido e adverso (mesmo na expectativa de que a
guerra comercial vigente possa abrir alternativas ao nosso país), carece de um
diferencial que o qualifique a romper as amarras e conquistar o mais amplo
social e popular.
Na melhor das hipóteses, podemos dizer que o jogo está empatado e
que um bom lançamento na entrada da área poderá resultar no gol decisivo.
Porém há um nó a ser desatado — tanto no âmbito do governo, como
dos partidos e líderes proeminentes que compõem a ampla frente democrática
governista.
O nó está precisamente na timidez do próprio presidente da
República e das correntes políticas mais avançadas que o apoiam em se
pronunciarem com absoluta clareza a propósito dos principais entraves que
enfrentam.
A começar da pressão permanente e diuturna do capital financeiro
mediante controle absoluto do complexo midiático dominante — que em qualquer
circunstância e em torno de todo fato relevante esgrime o controle dos gastos
públicos como espada de Dâmocles sobre o governo.
É a eterna cantilena do Estado mínimo e da supremacia do
mercado.
Gastos públicos, que invariavelmente consideram
"excessivos", dizem levarem a um aumento da demanda agregada e, por
consequência, ao incremento da inflação, aumentar a dívida pública, provocar
altas taxas de juros, emissão de mais títulos públicos para financiar a dívida,
etc.
Ou seja, pelo resgate dos títulos públicos pelos investidores,
tudo! Pelo desenvolvimento do país com melhoria da qualidade de vida da
população, muito pouco ou nada!
O gol de desempate seria não apenas o próprio presidente da República, mas sob
certos aspectos principalmente os partidos políticos à esquerda, PT e PCdoB em
especial, que com ele governam, abrirem o jogo junto à opinião pública de modo
claro e determinado, sem a defensiva de agora.
Mas parece predominar uma terrível subestimação da massa crítica
existente em grande parte da população brasileira, herdada da experiência
democrática desde o fim da ditadura militar aos dias que correm, e portanto
capaz de assimilar a verdadeira natureza do conflito e tomar partido em favor
do governo.
Enquanto isso, caminhamos rumo a 2026 por terreno escorregadio e palmilhado de
incertezas.
Por que não se explicita com clareza e altivez o propósito de um
efetivo projeto nacional de desenvolvimento?
É hora de nos inspirarmos em Castro Alves: "Eu que sou cego,
— mas só peço luzes.../Que sou pequeno, — mas só fito os Andes..."
* Texto da minha coluna desta quinta-feira no portal Vermelho
Leia também: O lugar do PCdoB na frente ampla https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/03/minha-opiniao_16.html
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