01 agosto 2025

Big Techs na estratégia de Trump

O fator Trump e o poder das big techs
Está claro a instrumentalização das big techs por Trump, exigindo que se aliem contra a China, Irã e adversários internos.
Luís Nassif/Jornal GGN  

National Intelligence Council (NIC) é o órgão responsável por produzir análises estratégicas de longo prazo sobre ameaças globais, tendências geopolíticas , tecnológicas e econômicas. Ele é o principal centro de inteligência analítica estratégica da Comunidade de Inteligência dos Estados Unidos.

Peça 1 – como o NIC analisa o Brasil

Global Trends de 2005

Em 26 de janeiro de 2005, o Global Policy Forum  divulgou o documento do NIC intitulado “Mapping the Global Future: Report of the National Intelligence Council’s 2020 Project”

Ele já previa o declínio relativo do poder americano, a emergência de um sistema multipolar, a perda da hegemonia econômica e financeira. E recomendava uma reorientação da estratégia para a política externa, equilibrando poder militar com engajamento diplomático 

O relatório tinha um capítulo sobre o Brasil.

Previa um crescimento econômico comparável à Europa, prevendo que até 2020 Brasil e Indonésia poderiam superar todas as economias europeias em tamanho e desenvolvimento econômico.

Previa um aumento da influência regional do Brasil, consolidando-se como grande potência emergente, mas nada comparável à China e sem condições de moldar a política global de forma independente. Mas seria um ator relevante nos grandes arranjos internacionais estruturados em torno de governança coletiva e integração regional.

Global Trends de 2008

O segundo Global Trends montou projeções até 2025. A fatia de poder global dos EUA cairia de 22% para 18%, o da China subiria para 16%. O da Índia chegaria próximo a 10% e a União Europeia perderia participação proporcionalmente.

Arriscava cenários para o período 2025-2040, tentando estimar as tendências a partir de 2024. Analisava as macro-tendências em cima de cinco cenários possíveis:

  1. Renascença das Democracias

Um cenário em que as democracias abertas ressurgem com força, lideradas pelos Estados Unidos e seus aliados, promovendo cooperação internacional, inovação e crescimento inclusivo.

2. Um Mundo à Deriva

Um cenário caracterizado por um ambiente internacional desordenado, caótico e polarizado, sem liderança clara e com aumento da competição e fragmentação entre Estados.

3. Coexistência Competitiva

Um mundo onde as grandes potências competem intensamente (especialmente EUA e China), mas evitam conflito direto, mantendo uma coexistência tensa, com disputas geopolíticas, tecnológicas e econômicas.

4. Fusão

Um cenário em que Estados, empresas e sociedades se unem para enfrentar desafios globais, como mudança climática e pandemias. Há cooperação internacional intensa e governança compartilhada.

5. Silos Separados

Um mundo fragmentado em blocos regionais ou ideológicos, com pouca interdependência econômica e infraestruturas digitais, tecnológicas e comerciais desconectadas, semelhante a uma “balcanização” da globalização.

Global Trend 2025

  • Escassez emergente, apesar do crescimento econômico global, intensificado por mudanças climáticas e disputas por recursos (energia, água, alimentos).
  • Proliferação nuclear regional, com maior instabilidade entre potências regionais e risco de abandono de regimes de controle existentes.
  • Instabilidade regional e impactos globais: pressões ambientais e crises políticas causariam convulsões transbordando fronteiras.
  • Tecnologia e inteligência artificial tornando-se decisivas para capacidades militares, econômicas e governança científica..

O relatório antecipa que, a partir de 2025, o Brasil deverá consolidar-se como uma potência emergente em energia limpa e tecnologia, mas também enfrentará pressões internas e ambientais significativas (como desigualdade, crises hídrica e transição energética). Seu papel regional será relevante, especialmente em governança e integração regional, embora limitado se comparado a países como China e EUA, o que requer cooperação multilaterais reforçadas.

Peça 2 – A estratégia dos EUA em relação ao Brasil

A partir dessas conclusões, o relatório propõe parcerias institucionais para “fortalecer a democracia”. O Brasil é apontado como ator-chave no combate às mudanças climáticas, nas energia renováveis e no controle de emissões do setor agropecuário.

Há uma recomendação para contrabalançar a influência chinesa. A recomendação está longe do padrão Trump. Recomenda-se que os EUA ofereçam alternativas atraentes de financiamento, investimento e infraestrutura verde.

Peça 3 – Governo Trump e as big techs

Está claro a instrumentalização das big techs por Trump, exigindo que se aliem contra a China, Irã e adversários internos.

A retórica trumpista atual inclui uma revalorização das big techs como vetores da soberania digital americana.

Isso significa apoio às suas operações desde que estejam em sintonia com os objetivos de segurança nacional, como:

  • Censura a vozes críticas associadas a adversários geopolíticos (China, Rússia, Irã, Venezuela);
  • Expansão digital no Sul Global com respaldo geopolítico (incluindo Brasil, Índia e África);
  • Cooperação com agências de inteligência e o Departamento de Justiça em vigilância e controle de dados.

A lógica de segurança digital se estendeu ao campo digital. Exemplo é a pressão contra empresas chinesas (TikTok, Huawei e Alibaba).

Ao mesmo tempo, houve um enfraquecimento de regimes multilaterais regulatórios, dificultando a cooperação do Brasil com Europa e outros parceiros democráticos e induzindo a acordos bilaterais assimétricos com os EUA. 

Peça 4 – as big techs como extensão do poder dos EUA

As formas de atuação das big techs já estão definidas.

Vigilância seletiva e censura internacionalizada

  • A tendência é de concentração de poder em big techs americanas com apoio tácito do governo Trump.
  • Plataformas poderão:
    • Reforçar algoritmos de silenciamento de movimentos de esquerda, movimentos sociais e ambientalistas, com base em acusações de “desinformação”;
    • Colaborar com autoridades americanas para monitorar perfis e redes em países como Brasil, Colômbia, Argentina e África do Sul — principalmente em contextos eleitorais ou de protestos.

Também os investimentos e transferências tecnológicas, via empresas americanas, estarão condicionados ao alinhamento diplomático com os EUA e adoção de políticas  subordinadas aos padrões regulatórios e geopolíticos americanos.

Haverá dificuldade para implementar modelos soberanos de governança da internet, proteção de dados e IA. E riscos de boicote velado a iniciativas nacionais (como Lei Brasileira de Inteligência Artificial, soberania da Anatel, e obrigações de transparência das plataformas).

Trump defende imunidade quase total para plataformas digitais nos EUA (Seção 230). A Seção 230 é um dispositivo legal dos Estados Unidos que protege as empresas de tecnologia (como Google, Meta/Facebook, Twitter/X, YouTube e outras plataformas online) de serem responsabilizadas legalmente pelo conteúdo postado por seus usuários.

Isso se traduz em oposição aberta à regulação brasileira, como o PL das Fake News, a regulação da IA ou exigências de moderação de conteúdo e combate à desinformação climática e eleitoral.

Peça 5 – A bancada das big techs

1. Lobby institucionalizado

  • As principais big techs (Google, Meta, Amazon, TikTok, Microsoft, X/Twitter) atuam por meio de representações formais em Brasília, como:
    • Associações empresariais: ABPI, Câmara Brasileira da Economia Digital, CCIA (Computer & Communications Industry Association);
    • Escritórios próprios ou de terceiros, como lobbyistas registrados na Câmara e Senado.

Exemplo: em 2023, a Google Brasil foi denunciada pelo TSE e pelo Ministério da Justiça por usar sua homepage e o YouTube para campanhas contra o PL das Fake News (PL 2630/20) — mobilizando usuários a pressionarem seus deputados.

2. Financiamento indireto de parlamentares e think tanks

  • Deputados e senadores recebem doações, eventos patrocinados e apoio técnico de fundações e entidades financiadas pelas big techs, como:
    • Instituto Millenium, Livres, CLP, Students for Liberty, MBL, entre outros;
    • Realização de seminários e audiências públicas com material técnico alinhado à pauta das plataformas.

3. Mobilização social e pressão digital

  • As big techs se valem da capilaridade de suas plataformas (YouTube, Instagram, WhatsApp, etc.) para mobilizar:
    • Influenciadores digitais a criticarem projetos de lei;
    • Campanhas com usuários comuns para pressionar parlamentares (com robôs ou impulsionamento pago).

Exemplo: durante a tramitação do PL 2630, o Google publicou links contrários ao projeto em sua página inicial, o que o governo classificou como abuso de poder econômico e manipulação do debate público.

Peça 6 – Pautas legislativas mais influenciadas pelas Big Techs

Projeto de Lei / TemaInfluência exercida
PL 2630/2020 (Lei das Fake News)Forte oposição; lobby para suprimir regras de moderação e rastreabilidade
PL 2338/2023 (IA e regulação de algoritmos)Pressão para excluir obrigações de transparência e responsabilização
Reforma do Marco Civil da InternetDefesa da imunidade das plataformas (modelo da Seção 230 dos EUA)
Tributação de serviços digitaisPressão contra a criação de um “imposto digital brasileiro”
Proteção de dados e LGPDAtuação para limitar o poder da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados)

Peça 6 – Como o NIC enxerga as Big Techs no contexto geopolítico

1. Extensão da influência americana no domínio digital

Nos relatórios mais recentes, o NIC destaca que:

  • As plataformas e provedores de nuvem sediados nos EUA (Google, Amazon AWS, Microsoft, Meta) funcionam como infraestrutura crítica da economia e da comunicação global.
  • Elas reforçam a primazia dos EUA nos setores de inteligência artificial, dados, redes sociais e serviços digitais.
  • Esse ecossistema cria uma interdependência global com base nos padrões, sistemas e valores técnicos americanos, mesmo quando os países buscam “soberania digital”.

2. Big Techs como ferramentas geoeconômicas

  • O NIC analisa que as empresas de tecnologia dos EUA atuam como projeções privadas do soft power americano.
  • Plataformas como Facebook (Meta), Google e Twitter/X moldam narrativas políticas, sociais e culturais, afetando opinião pública, eleições e polarizações em democracias emergentes (incluindo Brasil, Índia, Filipinas).
  • A ascensão da China como rival tecnológico levou o NIC a alertar para o risco de fragmentação digital global — com EUA e China competindo para impor seus ecossistemas tecnológicos em mercados terceiros.

Isso é discutido em profundidade no capítulo sobre “Global Information Ecosystems” (Global Trends 2030 e 2040).

3. Vulnerabilidades e desafios regulatórios

  • Embora reconheça o valor estratégico das big techs, o NIC aponta riscos à própria democracia americana:
    • Concentração de poder informacional nas mãos de poucas empresas;
    • Capacidade de interferência política sem transparência ou regulação robusta;
    • Propagação de desinformação, discursos extremistas e manipulação algorítmica.

Por isso, os relatórios defendem que os EUA devem equilibrar competitividade tecnológica com mecanismos democráticos de controle, para não comprometer sua legitimidade internacional.

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“O Brasil exige respeito e não cederá às pressões de Trump” https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/lula-no-new-york-times.html

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