Machismo estrutural
José Bertotti*
Na vida como Pai, filho, irmão de
mulheres nos deparamos todo dia com realidades que nos ensinam, a partir de
nossos erros e acertos, reconhecer as mulheres como companheiras de uma jornada
para transformar o mundo numa casa comum onde todos e todas tem direitos e
deveres comuns. Para além de nossas individualidades essas experiências de
convivência podem nos falar muito da sociedade que vivemos, profundamente
marcada pelo machismo, e que sub-repticiamente é alimentado por gestos
cotidianamente praticados por governos misóginos como o de Bolsonaro. Para
aqueles que ainda não enxergam isso recomendo ler o artigo de Jamil Chade que
repudia a atitude do Deputado Arthur do Val que afirmou que as mulheres mais
pobres são as mais fáceis de serem exploradas sexualmente. Atitude desprezível
de um típico representante do movimento que levou Bolsonaro ao poder e que
tenta dar sobrevida a uma sociedade historicamente marcada pelo machismo que
precisa urgentemente mudar de rumo.
Me pergunto por exemplo qual seria o
motivo de mulheres receberem um salário médio menor do que os homens segundo
dados históricos do IBGE. Qual o motivo de não termos ainda creches em
quantidade suficiente para que após os seis meses de licença maternidade todas
as famílias possam ter um serviço de atenção e educação para seus filhos. E
quando vamos a raiz da questão vemos que exatamente a população menos
favorecida é a que tem menos condições de dispor desses serviços. Outra
realidade que se mostra cruel é a dupla, as vezes tripla jornada de trabalho
das mulheres que depois da jornada no seu emprego, precisam cuidar dos filhos,
da casa, ganhando salários menores do que os homens. Ou seja, perdem
duplamente, primeiro por uma prática que não se justifica sob nenhuma lógica de
ganhar menos do que os homens fazendo o mesmo trabalho e ao mesmo tempo
trabalhando de graça, fazendo sozinhas o trabalho doméstico, sem o qual a
sociedade não conseguiria sobreviver. Com certeza nosso passado escravocrata dá
vazão a esse tipo prática. Basta lembrar da oposição feita principalmente pelas
classes sociais mais favorecidas, quando da lei que reconheceu os direitos
trabalhistas das empregadas domésticas.
Um fato que me marcou por demais, foi
quando já menino crescido, dividia várias tarefas domésticas para ajudar minha
Mãe Dona Claudete, Professora Primária que deixou de dar aula quando eu nasci
e, logo na sequência teve meus irmãos e irmãs. Dessa forma passou a dividir o
trabalho da família com meu Pai, o carpinteiro José que trabalhava todos os
dias da semana numa empresa e dessa forma minha Mãe ficava responsável pelas
tarefas domésticas da casa. Nos anos 70 a escola primária começava aos
sete anos e estávamos longe de contar com estruturas de creches que pudessem
acolher os filhos de trabalhadores. Infelizmente as creches ainda são
insuficientes nos dias de hoje. Em certo momento da minha juventude decidi que
não deveria mais lavar a louça no sistema rotativo combinado com minha Mãe,
dividindo as etapas com minhas irmãs. Minha Mãe perguntou a justificativa. Eu
desenvolvi uma tese de que como eu assumia algumas tarefas específicas por ser
o filho mais velho, como por exemplo, cortar lenha para alimentar nosso fogão
no inverno, me parecia justo que fosse dispensado da tarefa da louça. Mas essa
tese não vingou, e fui de bate-pronto repreendido por minha Mãe. Ela disse que
de fato a lenha deveria ser tarefa minha, pois naquele momento eu era o que
tinha a habilidade para fazer, mas que isso não justificaria não cuidar das
demais tarefas da casa e muito menos deixar de trabalhar cooperativamente com
todos da minha casa, tentando criar certas especializações que me permitiriam
escolher o que faria ou não. Para mim essa lição foi um aprendizado que até
hoje carrego para o meu dia a dia, e quem me conhece sabe que no trabalho do
dia-a-dia sempre procuro o trabalho coletivo, e afirmo que esse é o melhor modo
para dar cabo das missões que nos são confiadas.
Para além dos ensinamentos de minha Mãe
e de minha família que conformam até hoje minha personalidade, sou filiado ao
Partido Comunista do Brasil a 32 anos, nele mantive contato com o Feminismo
Emancipacionista, e com ele pude entender que essa divisão de trabalho que vi e
vivi na minha casa não foi uma opção e sim uma imposição do sistema capitalista
ainda vigente no Brasil, que se utiliza desse sistema de divisão do trabalho
para que os homens na maioria das vezes trabalhem em empresas que lhe tomam o
tempo de uma vida inteira, e tenham nas suas companheiras o braço que garante a
manutenção do lar. Isso é uma forma explicita de aumentar a extração da
mais-valia do trabalho, pois parte do serviço, o que é feito pelas milhões de
mulheres em casa não remunerado é apropriado indiretamente pela economia
capitalista que só acumula para poucos e transforma o Brasil numa economia relativamente
desenvolvida, porém atrasada, principalmente por ser um dos países com a maior
concentração de renda do mundo.
O 8 de março foi criado como dia de
luta e reforço a necessidade de lutarmos por uma sociedade que reconheça homens
e mulheres com direitos iguais, atitude basilar para avançar na construção uma
nova sociedade mais justa e que valorize o trabalho de todos e todas.
*Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco
Veja: No noticiário sobre a guerra Rússia-Ucrânia nem tudo o que reluz é ouro https://bit.ly/3tBmHP4
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