20 março 2022

Beleza plástica e eficiência

Belos lances do futebol têm a ver com o desejo que está antes do pensamento

O craque, em uma fração de segundo, não pensa, faz; ele sabe, mas não sabe que sabe
Tostão, Folha de S.Paulo

 

Na eliminação do Fluminense na Libertadores, para o Olimpia, do Paraguai, o gramado parecia muito maior do que o máximo permitido. Os espaços eram enormes para as duas equipes, uma afronta ao futebol moderno, como se fosse uma pelada oficial.

O Fluminense não marcou com oito ou nove jogadores próximos à área para contra-atacar, como fez o América, com sucesso, contra o Barcelona de Guayaquil, nem pressionou para tentar recuperar a bola antes do gol. Não foi ativo nem reativo.

O Fluminense jogou com três zagueiros, com Felipe Melo, dentro da área, marcando o goleiro Fábio, dois alas encostados à lateral, três na frente e apenas dois jogadores no meio-campo, para preencher um grande espaço. Não havia aproximação dos atletas. O time perdia facilmente a bola.

Os erros são do técnico e dos jogadores, assustados, paralisados com a pressão paraguaia, mas nenhuma decepção justifica a violência dos torcedores do Fluminense.

Já no clássico entre Palmeiras e Corinthians, o gramado parecia pequeno, pela pressão para recuperar a bola, especialmente feita pelo Palmeiras. Abel Ferreira e os jogadores não deixaram o Corinthians ter a bola, como Vítor Pereira planejava. O volante Danilo marcava Renato Augusto de perto, de uma área à outra. A marcação do Palmeiras era individual, mas respeitando os setores.

Gosto muito das estratégias, mas o que mais me encanta são os lances bonitos, imprevisíveis, como o passe dado por Renato Augusto, por cima do zagueiro, para Fagner, que perdeu o gol, na única vez em que Danilo deixou Renato Augusto em paz.

Mas o lance mais bonito da semana foi o do jovem meio-campista Pedri, do Barcelona, na vitória sobre o Galatasaray, quando, sem tocar na bola, driblou um zagueiro, depois outro, deixando os dois no chão, para tocar no canto. O treinador Xavi sorriu. Deve ter se lembrado do companheiro Iniesta.

A ucraniana Clarice Lispector, craque da literatura, era obcecada pelo que havia antes do pensamento, antes da palavra. Ela disse: "Escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra –a entrelinha– morde a isca, alguma coisa se escreveu".

A improvisação e a execução de belos lances do futebol têm a ver com o desejo que está antes do pensamento. O craque, em uma fração de segundo, não pensa, faz. Freud diria que é um saber inconsciente, pré-consciente. Ele sabe, mas não sabe que sabe.

O mestre, jornalista Armando Nogueira, falava que esses espetaculares lances ocorrem por um reflexo medular, sem passar pelo cérebro, pela consciência. Os atuais neurologistas dizem que é uma inteligência espacial, cinestésica. Os craques, sem pensar, percebem tudo o que está à volta e calculam a velocidade da bola, dos companheiros e dos adversários.

O poeta Fernando Pessoa falaria que muitas coisas não têm explicação, têm existência. O craque é.

LIGA DOS CAMPEÕES

Dos oito times classificados para as quartas de final, apenas Benfica e Villarreal não estão entre os candidatos ao título. Em jogos mata-mata, pode haver surpresas. O Atlético de Madrid não tem o brilho dos mais festejados, mas sabe jogar na defesa e contra-atacar. A eliminação do Manchester United pelo Atlético de Madrid não foi surpresa.

HOMENAGEM

Parabéns a Formiga, grande jogadora da seleção brasileira, presente em sete Copas do Mundo, imortalizada na calçada da fama do Mineirão. Estou contente de estar ao lado dela.

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Veja: Por que Sérgio Moro não decola? https://bit.ly/3Ip1ywJ

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