Hoje, os grossos têm mais chances
de enganar
Com espaço maior, os que não
tinham talento mostravam rapidamente as deficiências
Tostão, Folha de S. Paulo
Desde os anos 1960,
uma das palavras mais utilizadas pelos comentaristas, treinadores, jogadores e
torcedores, nas discussões dos botequins e, agora, nas redes sociais, é espaço,
o excesso ou a diminuição.
Atacar o espaço e
gerar espaço são expressões da moda que tentam explicar tudo, mesmo o que não
tem explicação ou o que não faz sentido. Comenta-se muito que os jogadores do
passado tinham mais espaço, o que facilitava a execução de grandes jogadas, o
que é verdade. Por outro lado, com mais espaço, os que não tinham talento
mostravam rapidamente as deficiências. Hoje, com menos espaço, os grossos têm
mais chances de enganar, de confundir.
Quando um time
avança o meio-campo e os zagueiros ficam colados à grande área, uma deficiência
frequente dos times brasileiros, sobram espaços entre os dois setores para o
adversário receber a bola livre, entre as linhas, outra expressão da moda.
Quando o time avança em bloco para ficar mais compacto, para diminuir a
distância entre o jogador mais recuado e o mais adiantado, surgem mais espaços
nas costas dos defensores, o que obriga os goleiros a ficar atentos e a ser
rápidos para fazer a cobertura.
Se
uma equipe recua demais, em bloco, para fechar os espaços perto da área, uma
estratégia frequente das equipes inferiores quando enfrentam as superiores, o
time pressionado, quando recupera a bola, tem um longo espaço à frente para
contra-atacar até chegar ao outro gol.
Os
pontas dribladores e rápidos, muito valorizados no Brasil e em todo o mundo,
atuam de maneira melhor quando encontram mais espaço. Os adversários, sabendo
disso, reforçam a marcação pelo lado, como fez a Croácia, contra o Brasil,
na Copa, ainda mais
que os pontas brasileiros não tinham a ajuda dos laterais.
A
justificativa de Tite de que não precisava ter laterais
apoiadores, pois o time já tinha pontas, é uma meia verdade. Depende das
circunstâncias. Tite confiou demais nos dribladores, no um contra um, outra
expressão da moda.
Ao
falar dos dribladores, eu me lembro do maior de todos, Garrincha. Havia
uma ordem no Botafogo para nenhum companheiro atuar perto dele, para não o
atrapalhar. O time trocava passes pelo meio e pela esquerda e virava a bola
para Garrincha, que driblava o adversário, ia à linha de fundo e dava passes
decisivos para o atacante fazer os gols.
Espaço
me faz recordar também Xavi, quando atuava no Barcelona, sob o comando de Guardiola. Xavi
gostava de dar um passe para um companheiro parcialmente marcado, próximo ao
defensor, que tentava se antecipar. Ele chegava atrasado, e, em uma fração de
segundo, a bola já era tocada para outro jogador do Barcelona, e, assim,
sucessivamente, o time avançava, trocando passes rápidos, até o gol adversário.
O Manchester City faz o mesmo.
Essa
capacidade de desvencilhar-se do marcador e associar o espaço com o tempo, com
a velocidade da bola e com a movimentação dos companheiros e dos adversários é
uma grande qualidade dos maiores craques. Os neurologistas chamam isso de
inteligência cinestésica. Freud diria
que é o saber inconsciente. A pessoa não sabe que sabe. Armando Nogueira falava
que era uma ação medular, sem passar pela consciência. Fernando Pessoa diria
que muitas coisas não têm explicação, têm existência.
Parafraseando
o poeta Manoel de Barros,
a ciência pode classificar e mostrar as estatísticas, mas não pode explicar nem
calcular os encantos de um grande craque.
Quando
menos se espera, acontece https://bit.ly/3Ye45TD
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