A situação dos Yanomami, dois meses depois
Governo
Federal iniciou força-tarefa em janeiro para conter crise humanitária. Desde
então, indígenas tem recebido assistência e o garimpo ilegal recuou na região –
mas o trabalho ainda será longo para superar situação dramática
Alessandra
Monterastelli/OutraSáude
A crise sanitária na Terra Indígena Yanomami foi uma tragédia anunciada. Com o aumento de invasões pelo garimpo ilegal a partir de 2019, lideranças indígenas e entidades começaram a denunciar casos de violência extrema contra as comunidades da região. Ainda assim, em setembro de 2022, o governo de Jair Bolsonaro anunciou mais um corte de verba à saúde indígena; três meses depois, um escândalo de corrupção envolvendo o desvio de recursos destinados para a compra e distribuição de remédios aos yanomami foi revelado pela imprensa.
Em janeiro, apenas um mês depois, o recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado da ministra da Saúde, Nísia Trindade, fizeram uma visita à Terra yanomami. O governo havia recebido diversos pedidos de ajuda de lideranças locais. O resultado foi a declaração de uma situação de calamidade pública. Centenas de yanomamis apresentavam sintomas graves de malária e diarreia, com desnutrição em estado avançado. Crianças e idosos, sem acesso a remédios, estavam contaminados por vermes. “Vimos vermes saindo pela boca e pelo anus dessas crianças. Muitas morreram”, conta Júnior Yanomami, presidente da Urihi Associação Yanomami e do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami, em entrevista no programa Pulso.
Essa não foi a primeira emergência sanitária enfrentada pelo povo yanomami. Na década de 1970, durante a ditadura militar, a construção da BR 210, somada aos incentivos à mineração, levaram ao aumento vertiginoso das contaminações por viroses e dos casos de desnutrição. Não por acaso, em 1980, a Organização das Nações Unidas (ONU) notificou o governo brasileiro para pôr um fim às “políticas genocidas” que mantinha contra as populações indígenas. Assim como no passado, Júnior conta que o governo brasileiro estava ciente do que estava ocorrendo no território yanomami durante e após a pandemia de covid-19.
“Eu mesmo acompanhei a equipe do ministério da Saúde para ver os casos de malária e desnutrição”, conta Júnior. “Levei também a equipe da Damares Alves, na época nossa ministra dos Direitos Humanos, para ver nossa realidade. Mostrei tudo”, afirma, contando que explicou às equipes do então governo Bolsonaro que era necessário, com urgência, o envio de equipes médicas, remédios e cestas básicas para conter o número de adoecimentos e tratar os enfermos. Júnior lamenta que, mesmo e meses depois, a resposta do governo não chegou. Para ele, a visita teve o intuito de “maquiar os dados” e “falar que ninguém estava morrendo”.
Apesar da pandemia de covid-19, o garimpo é apontado como o principal responsável pelos problemas de saúde da população. Além da violência extrema contra os yanomamis, que inclui o estupro e prostituição de jovens e sua convocação ao crime, a atividade está diretamente relacionada com a poluição de rios com mercúrio, gasolina e outras substâncias tóxicas. A contaminação das águas impede o acesso à água potável e impossibilita atividades de subsistência como a pesca e a agricultura, levando ao adoecimento por desnutrição. O contato com invasores é a principal causa de disseminação de doenças em terras indígenas. Estima-se que ao menos 570 morreram de fome ligada a contaminação por mercúrio.
Somada ao investimento insuficiente para a saúde indígena, a presença de garimpeiros na região foi frequentemente relacionada, em relatos, a ameaças contra profissionais de saúde que tentavam chegar até a região – já de difícil acesso – para tratar dos doentes. “Os profissionais têm medo de denunciar e sofrer ameaças até quando voltam às cidades”, desabafa Júnior.
O presidente Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami relata, porém, que houve um grande recuo do garimpo ilegal desde que a presença do Estado aumentou na região – por meio da força-tarefa do governo federal, que vem agindo através do Sistema Único de Saúde (SUS), do Exército Brasileiro e da Funai para levar atendimento às comunidades yanomami dentro da Terra Indígena. Segundo Júnior, as principais passagens por rios utilizadas pelo garimpo foram bloqueadas pela Polícia Federal e pelo Exército, através da fiscalização e da construção de barreiras físicas.
Mapa: Amazônia realCestas básicas estão sendo entregues nas áreas de difícil
acesso através de helicópteros das forças armadas, que também fazem o resgate
de pacientes gravemente enfermos para levá-los até o polo-base de Surucucu,
onde equipes de saúde fazem o atendimento, tratamento e, se necessário, o encaminhamento
para hospitais de Boa Vista. “Enfermeiros, médicos, nutricionistas… essas
pessoas estão trabalhando 24h por dia”, conta Júnior. Um hospital de campanha
ainda deverá ser inaugurado em abril na região de Surucucu.
Júnior parabeniza a atuação das instituições
governamentais, mas lembra que o trabalho não pode parar depois que a crise
sanitária for controlada. “O estrago foi muito grande e ainda está sendo
calculado”, lembra. O investimento em equipes de saúde e a reestruturação do
serviço direcionado para a Terra Yanomami deve ser uma prioridade daqui pra
frente, para que o atendimento chegue até as comunidades – para que não ocorra
novamente situações em que os enfermos necessitam ser resgatados quando já
estão em condições graves de saúde. O combate ativo ao garimpo, como está
ocorrendo agora, também não pode parar.
Já são
3 anos de pandemia de covid-19 no Brasil. E agora? https://bit.ly/3JeynyH
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