Extremismo de direita nas forças armadas no mundo
O extremismo de direita que se encontra avançando
em várias partes do mundo é uma ideologia, isto é, um conjunto de
representações, valores, concepções e regras de comportamento que prescrevem
aos indivíduos o que e como devem pensar, sentir e agir, seja para manter ou
mudar determinada situação
Antônio Carlos Will Ludwig/Le Monde Diplomatique
O extremismo de direita que se
encontra avançando em várias partes do mundo é uma ideologia, isto é, um
conjunto de representações, valores, concepções e regras de comportamento que
prescrevem aos indivíduos o que e como devem pensar, sentir e agir, seja para
manter ou mudar determinada situação. Por ser uma entre as diversas que
circulam no âmbito social sua compreensão deve ser feita por meio da categoria
de ideologias arbitrárias, as quais possuem características próprias e
diferenciadoras, são assumidas por determinados segmentos sociais, se
manifestam no contexto da ideologia dominante ou expressam uma mai or ou menor
harmonia em relação a ela. Observe-se que a ideologia dominante é própria dos
setores hegemônicos da sociedade e ascende em todos os setores onde a
existência humana é realizada.
Duas outras categorias
fundamentais precisam ser expostas para tornar mais lúcido seu entendimento,
quais sejam, o progressismo e o conservadorismo. O progressismo é uma doutrina
que concebe o homem como um ente livre e racional, capaz de produzir uma
organizaçã ;o comunitária desprovida de coação e sustentada pela cooperação
espontânea de todos aqueles que a ela pertencem. Por sua vez, o
conservadorismo, devido se apresentar de vários modos, possui diversas
particularidades dentre as quais se sobressaem o distanciamento em relação à
democracia, o predomínio da concepção funcionalista de sociedade onde cada qual
ocupa um determinado lugar e exerce um papel específico e a ideia de que a
desigualdade é essencialmente natural. Portanto, algumas pessoas são
originalmente superiores a outras nos aspectos moral e intelectual, uns
nasceram para liderar e outros para serem liderados. Ademais, ela não pode ser
eliminada através de ações sociais e programas políticos.
Para completar esta interpretação
cabe mencionar o possível enquadramento dos governantes e também dos governados
na esfera política. A esse respeito sabe-se que ele leva em conta uma formação
composta pelo centro, pela esquerda e a pela di reita. Nela vicejam a centro
esquerda, a centro direita, a extrema esquerda e a extrema direita.
Essencialmente, o centro tem por meta conciliar liberdade e igualdade,
enfatizar o mercado e a justiça social; a esquerda objetiva defender a
igualdade e a justiça social pela ação do Estado; a direita visa a instauração
de um Estado mínimo garantidor da ordem social e da proeminência do mercado.
Conquanto a centro esquerda e a
centro direita defendam suas propostas assentadas no regime democrático, a
extrema esquerda, mesmo em desconsideração à democracia, tem em mira a
destruição do regime capitalista e a divisão classista formada pelos grupos de
dominantes e dominados. Por sua vez a extrema direita é avessa ao regime
democrático, valoriza a soberania do país, alimenta o sentimento nacionalista e
o afeto patriótico, exibe atitudes de preconceito e xenofobia e tende a
rejeitar o avanço da globalização.
A extrema direita enquanto uma
ideologia arbitrária própria do conservadorismo, está se expandindo pelos
vários recantos do planeta ao lado da crescente autocratização de países.
Relativo ao continente europeu tem-se na Itália um gov erno sustentado pelo
partido Irmãos da Itália cuja primeira ministra fez uma
campanha baseada no euroceticismo, nas políticas anti-imigração, na objeção ao
aborto e na redução dos direitos do grupo LGBTQ, observando que nomeou
alinhados linha-dura para os principais ministérios italianos. Na Suécia o
partido Democratas Suecos, sintonizado ao neonazismo, teve um
crescimento significativo após o acolhimento de fugitivos de guerra incidentes
na Síria e no Iêmen. Na Hungria Orban, oriundo do partido Fidesz,
recebeu apoio de segmentos ultra conservadores graças à sua política anti-imigração.
Também se voltou contra a comunidade LGBTQ e proibiu a educação sexual nas
escolas.
Na França Marine
Le Pen do partido Frente Nacional já conseguiu chegar duas
vezes no segundo turno eleitoral. Ela dota uma postura eurocética, é contra o
fluxo migratório e se inclina para o lado do nacionalismo econômico. Na
Alemanha o partido Alternativa Para a Alemanha com bandeira
anti-imigração e postura contrária à União Europeia constitui uma das
principais forças do Bundestag. Ao seu lado aparece os Reichsbürger que
rejeitam a democracia alemã, demandam a volta das fronteiras geográ ;ficas do
país vigentes em 1937, época do nazismo, e conspiram contra a
existência do Estado germânico. Também já foi identificada a presença de uma
pequena minoria de radicalistas no Poder Judiciário e na Polícia.
Nos Estados Unidos da América do
Norte existem algumas organizações extremistas já conhecidas: a longeva Ku
Klux Klan contrária ao movimento de direitos civis dos
afro-americanos; a White Supremacy, defensora acirrada da
existência de uma raça branca; a Aryan Nations, cujos adeptos
acreditam fervorosamente na superioridade biológica das pessoas com origem
europeia e que os brancos estadunidenses devem ocupar o topo da hierarquia
social; o movimento Alt Right que é avesso às minorias e aos
grupos de esquerda. Em Israel, recentemente, Netanyahu formou uma coalisão
política com aliados ultraortodoxos pertencentes aos partidos Judaísmo
Unificado da Torá, Sionismo Religioso, Noam e Força Judaica.
Quanto ao Brasil aconteceu nos
últimos quatro anos a impregnação do bolsonarismo, uma concepção extremista
agregadora do apego à família tradicional, defesa do porte de armas, descaso
aos direitos humanos, exaltação do patriot ismo, negacionismo científico, postura
anticomunista, aversão a alas de esquerda e apreço à militarização da
sociedade. Ele engendrou o grupo dos famigerados patriotas que se postaram em
frente a quartéis clamando pela aplicação de um golpe. Possuídos da certeza de
que os fardados impediriam a posse de Lula avançaram em direção aos prédios da
Praça dos Três Poderes e cometeram execráveis atos de vandalismo. Estimulou
também a presença de uma enorme quantidade de influenciadores nas plataformas
digitais que disseminaram milhares de notícias falsas e inúmeras mensagens de
ódio. Se compatibilizou ainda com a insensata doutrina pan-nacionalista de
Ernesto de Araújo que ingloriosamente lutou para impregná-la no Itamaraty.
A história aponta que a extrema
direita não é um fenômeno recente do cenário político. Houve a ocorrência
original logo após a Revolução Francesa com os agrupamentos que almejavam o
retorno da monarquia absoluta, emergiu o fascismo na Itália e apareceu a Ação
Integralista em nosso país dentre vários outros casos. E é óbvio que houve
fatores específicos que concorreram para o aparecimento deles os quais se
encontravam inseridos na conjuntura das respectivas épocas. A atual também
conta com certas particularidades que a diferenciam de suas congêneres do
passado.
Pertinente à extrema direita
hodierna os motivos deflagradores são outros. O mais importante deles é o
avanço da globalização que de modo célere vai eliminando o isolamento dos
países e instaurando lepidamente a aproximaç&atil de;o entre eles, um
acontecimento que favorece a incitação do imaginário de muitos quanto à
possibilidade e a conveniência do estabelecimento de uma governança mundial.
Ademais a globalização tem
invadido muitas áreas da vida em sociedade. O setor educacional se encontra
envolvido com o multiculturalismo resultante da presença de alunos oriundos de
vários recantos do mundo. Ele exige respeito ao modo de pensar e de se c
omportar de cada uma das etnias, o que também é válido para o segmento
ocupacional e para a convivência nos demais setores da vida em sociedade, bem
como impõe a necessidade do aprendizado de línguas estrangeiras para aqueles
que almejam completar seus estudos, trabalhar ou viver em outros rincões do
planeta.
Na esfera política ela tem
incidido na ascendência de cada país, ou seja, na autonomia dos governantes
para tomarem decisões relativas à defesa dos interesses nacionais. Essa
pretensão se mostra muito difícil de vigorar porque quase todos os países do
planeta se encontram bastante atados entre si frente às muitas dezenas de
acordos, tratados, convenções, protocolos bilaterais e multilaterais que
condicionam ostensivamente sua conduta tanto no âmbito interno quanto no
externo. Assim sendo, o papel de agentes do desenvolvimento econômico e a
função de garantir a coesão e a integração social e nacional se encontram
enfraquecidos.
Outrossim deve ser lembrado que o
atual momento da civilização tem se revelado bem diferente dos lapsos já idos.
Há um conjunto de proeminentes intelectuais que afirmam estar a humanidade
inserida em um novo período histórico intitulado pós -modernidade, muito embora
também haja um grupo destacado de pensadores que asseveram a sua não existência
porquanto dizem se tratar de uma modernidade diferenciada, uma altermodernidade.
De qualquer forma, os dias de hoje
mostram a marcante presença de situações predominantemente instáveis,
descontínuas, efêmeras, fragmentadas, caóticas e indicam que a história humana
caminha em direção a rumos indefinid os. Para viver neste lasso ambiente o ser
humano tem que ser flexível, atuante, protagonista, construtor de projetos de
vida, comprometido com o desenvolvimento contínuo de suas múltiplas dimensões,
voltado para a concretização de seus interesses, defensor intransigente da
liberdade e participante de mobilizações coletivas favorecedoras de grupos
sociais denegados que buscam garantir o reconhecimento e a concretização de
seus direitos.
Não é preciso fazer sequer um
mínimo de esforço intelectual para perceber que o ideário da extrema direita
anteriormente caracterizado, é totalmente desarmônico e avesso ao atual momento
histórico marcado pelo avanço da globali zação e da pós-modernidade. E por
causa disso seus belicosos adeptos encontram bastante resistência e dificuldade
para realizar no âmbito social os intentos almejados, os quais, de modo
contraditório, devem muito a ambas suas aparições e desenvolvimentos,
manifestadas na forma de uma conduta reacional.
Apesar das condições adversas o
extremismo de direita está conseguindo penetrar nas Forças Armadas. Pesquisa de
opinião recentemente feita na Alemanha revelou que uma parcela significativa da
população acredita na presença da extrema direita nas hostes castrenses. Tal
crença tem fundamento objetivo haja vista que em 2017 um tenente foi detido sob
a alegação de ter tramado um atentado terrorista contra políticos
pró-imigração. Também foi preso um soldado perto da cidade de Kehl suspeito de
planejar um ataque contra a segurança nacional. No ano de 2021 o tribunal de
Leipzig aplicou penalidade num militar do Comando de Forças Especiais ligado a
grupos radicais por ter furtado armas, munição e explosivos do Exército. Já foi
computado quase três centenas de suspeitas relativas a fardados envolvidos com
a extrema direita segundo investigação promovida pela área de inteligência da
Bundeswher, observando que duas dezenas de soldados já receberam a pena de
expulsão. A força especial Kommando Spezialkräfte foi
dissolvida após a realização de um inquérito que identificou mais de oitocentos
soldados conectados ao terrorismo.
Relatórios produzidos em 2021 pela
Universidade de Leiden na Holanda mostraram um crescimento da vigilância sobre
militares holandeses devido o avanço do extremismo, principalmente o advindo do
jihadismo. Nos últimos anos várias investigaçõe s realizadas resultaram na
expulsão de um pequeno grupo de fardados radicais. Na Inglaterra foram
reconhecidas mais de uma dezena de soldados revoltosos decorrentes de um
programa de prevenção ao terrorismo. Em 2018 um cabo recebeu condenação
por ser membro do grupo neonazista National Action e outro foi
advertido pela presença de uma suástica em seu alojamento. Dois integrantes da
Marinha foram expulsos pela filiação ao Identitarian Movement conectado
a grupos terroristas.
Nos Estados Unidos da América do
Norte a situação revela gravidade semelhante, haja vista que extremistas
adentram ao serviço militar visando obter treinamento logístico e de combate
para, ao término dele, oferecerem seus préstimos a grupos radicais. Por sua
vez, a atuação de fardados revoltosos tem sido notória. Um veterano do
Exército, portador de condecoração, participou de um atentado em Oklahoma City
no ano de 1995. Em 2006 um oficial aviador foi desonrosamente afastado da Força
Aérea por passar mensagens glorificadoras de Hitler e ameaçar detonar
explosivos num quartel.
Alguns soldados do Exército, em
2011, organizaram a milícia Forever Enduring Always Ready e assassinaram um
colega por medo de que ele revelasse o plano que tinham elaborado para matar o
presidente Obama, sequestrar militares de alta patente, invadir o Fort Stewart
e tomar o governo. No ano de 2020 um soldado integrante de Brigada
Aerotransportada foi preso por planejar um ataque a ela. Nessa mesma data outro
soldado ligado ao culto satânico Ordem dos Nove Ângulos divulgou movimentos de
tropas visando facilitar as ações do Al-Qaeda na Turquia. E uma pesquisa
hodierna feita pelo Military Times apontou que muitos militares já
testemunharam manifestações de colegas ligados a grupos partidários do
nacionalismo branco e do racismo ideológico nas hostes castrenses.
A radicalização militar no Brasil
se mostra diferente da europeia e da estadunidense. Em nosso país grande parte
dos integrantes das Forças Armadas aderiu à extrema direita bolsonarista por
meio do partido verde oliva que liderou a campanha presidencial no interior da
caserna. Durante os quatro anos do governo de Bolsonaro milhares de fardados
ocuparam cargos na administração federal. Na última eleição, após a derrota
dele, comandantes de quartéis permitiram a presença dos famigerados patriotas
em frente às guaritas os quais insistentemente clamaram pelo impedimento da
posse de Lula. No início de janeiro deste ano ocorreu o envolvimento de
militares da ativa e da reserva na execrável quebradeira do patrimônio público
na capital federal. Vale lembrar também as várias manifestações de fardados em
redes sociais nas formas de ativismo político, de afronta às autoridades do
Poder Judiciário e de menosprezo ao Congresso Nacional.
Observe-se, entretanto, que a
marcante atuação de oficiais comprometidos com a legalidade e a democracia
impediu que o estabelecimento bélico embarcasse numa aventura golpista.
Derradeiramente cabe ressaltar que nossos servidores de uniforme continuam
ainda sendo mold ados por uma ideologia conservadora liberal próxima do
radicalismo, integrada pelo corporativismo, pela visão de um Estado
fragilizado, pela ética do sucesso e da meritocracia, pela concepção de que a
política é um ofício específico das elites e pela ideia de que o comunismo é um
inimigo histórico e contrário à ordem ocidental.
Frente às colocações postas
anteriormente é válido inferir que o extremismo de direita impregnado nas
Forças Armadas se encontra intimamente relacionado aos movimentos radicais
pululantes no âmbito da sociedade. Porém não &eacu te; viável negar que ele
também tende a ser sustentado por fatores endógenos. É bem possível que tal
extremismo tenha a ver com as experiências em operações de combate. Com efeito,
o repetitivo envolvimento com a violência e suas consequências tais como
traumas e perdas de companheiros pode conduzir ao aparecimento de crenças
radicais, especialmente entre aqueles que sentem desilusão pela política e
pelos governantes.
Ademais, soldados veteranos podem
adotar ideologias revoltosas como forma de enfrentar as cicatrizes psicológicas
resultantes de contendas. Outrossim, é possível supor que a hierarquia e a
disciplina castrense, exigentes da obediência individual e coletiva incli
nem-se a contribuir para a disseminação e enraizamento dessas crenças. Não pode
ser esquecido ainda o papel das redes sociais que fornecem uma plataforma para
os fardados extremistas se conectarem, partilharem concepções e se mobilizarem.
Estudiosos do assunto já
divulgaram diversos alertas pertinentes. Disseram eles que o avanço do
extremismo de direita nas Forças Armadas é muito preocupante e perigoso. Os
revoltosos podem utilizar o treinamento obtido e as armas disponíveis para
tomar o controle do estabelecimento bélico, praticar atos de violência e de
terrorismo que inclui assassinatos planejados, atentados a bomba, tiroteios em
meio ao povo, derrubada de um governo democrático e instalação de um regime
autoritário ou totalitário. No âmbito da caserna eles podem provocar divisões
internas e criar uma cultura tóxica prejudicial ao imprescindível trabalho cooperativo.
Após o encerramento do serviço militar e com o retorno à vida civil, os
ex-fardados podem disseminar suas crenças extremistas para o meio
social e inspirar outras pessoas a adotá-las. Os adeptos do radicalismo podem
ainda contribuir bastante para minar a confiança da população nas instituições
castrenses e colocar em risco sua integridade e eficácia.
Outrossim, apresentaram também
medidas solucionadoras que se seguem. Verificação dos antecedentes ideológicos
antes do recrutamento. Notificação geral sobre o impedimento regulamentar
pertinente à disseminação do extremi smo. Trabalho conjunto entre as
agências de inteligência e de segurança e compartilhamento dos resultados de
investigação sobre o reconhecimento de candidatos ao serviço militar comprometidos
com o radicalismo. Campanhas de conscientização sobre os perigos da inclusão e
permanência de revoltosos na caserna. Promoção do espargimento da
diversidade e da inclusão nas fileiras. Fornecimento de apoio psicológico aos
fardados que vivenciaram situações de violência e trauma. Aplicação de
penalidades aos partidários do extremismo. Realização periódica de pesquisa de
opinião junto aos fardados.
Acrescente-se neste conjunto de
propostas o acompanhamento dos processos de socialização e de educação formal,
visando detectar a possível presença neles de atitudes indesejáveis,
principalmente aquelas oriundas da implementaçã ;o do currículo oculto, ou
seja, do conjunto de experiências vivenciadas no interior da escola que não se
encontram previstas oficialmente, as quais contribuem de maneira poderosa para
o desenvolvimento de condutas individuais e coletivas que podem ser tanto
benquistas quanto condenáveis.
Antônio Carlos Will Ludwig é professor aposentado da Academia da
For&cced il;a Aérea, pós-doutorado em educação pela USP e autor
de Democracia e Ensino Militar (Cortez) e A Reforma do Ensino Médio e a
Formação Para a Cidadania (Pontes)
Janelas abertas para o mundo https://bit.ly/3Ye45TD
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