Brasil e China: Inovação e Sustentabilidade na Era da Fratura Hegemônica
O assessor especial do MCTI, Euzébio Jorge, trata da parceria estratégica entre Brasil e China.
Euzébio Jorge Silveira de Sousa/Fundação Maurício Grabois
A Fundação Maurício Grabois (FMG) recentemente organizou um evento de grande relevância estratégica, que contou com a presença de uma delegação do Centro de Cooperação Econômica da China. O principal objetivo do encontro foi promover a troca de experiências entre Brasil e China, abordando temas cruciais para ambos os países, como a situação econômica atual da China, as resoluções da última sessão plenária do Partido Comunista da China (PCCh), a estratégia de abertura econômica da China e as possíveis áreas de cooperação econômica entre as duas nações.
A participação de representantes importantes, como Ke Zhizhong, presidente do Centro de Cooperação Econômica da China, e Jia Chen, Ministro Conselheiro da Embaixada da China no Brasil, evidencia a relevância do evento organizado pela Fundação Maurício Grabois. Este encontro não apenas fortalece os laços diplomáticos, mas também evidencia a posição estratégica da China no comércio internacional e sua relação com o Brasil. Como maior exportador mundial e segundo maior importador, a China desempenha um papel central no comércio global. Em 2022, o comércio exterior representou 37% do PIB chinês, consolidando o país como o maior comerciante de bens pelo sexto ano consecutivo. As exportações chinesas incluem produtos de alta tecnologia, como telefones (7,7% das exportações), máquinas automá ticas de processamento de dados (5,2%) e circuitos integrados eletrônicos (4,3%), enquanto suas principais importações incluem circuitos integrados eletrônicos (15,3%), óleos de petróleo (13,5%) e minérios de ferro (4,7%).
A importância da China como parceiro comercial é especialmente relevante para o Brasil. Em 2023, o comércio entre Brasil e China atingiu um patamar histórico de US$ 157,5 bilhões, refletindo a intensidade e a expansão das relações comerciais entre os dois países. De acordo com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), há um potencial significativo para o crescimento dessas relações, com um estudo identificando 400 oportunidades comerciais que poderiam somar mais de US$ 800 bilhões em exportações brasileiras para a China, inclusive em setores de maior valor agregado. Esses números mostram o potencial de crescimento da parceria econômica entre Brasil e China, destacando a importância de fortalecer os laços comerciais e explorar novas oportunidades em setores estratégicos para amb os os países. Essa cooperação pode não apenas impulsionar o desenvolvimento econômico, mas também promover a inovação tecnológica e o combate a problemas sociais, fomentando um desenvolvimento mais sustentável e inclusivo.
Para o Brasil, que enfrenta desafios significativos para superar o subdesenvolvimento e promover um crescimento econômico mais equitativo e sustentável, uma parceria qualificada com a China pode oferecer inúmeros benefícios. A China, com sua vasta experiência em desenvolvimento tecnológico e industrial, pode contribuir substancialmente para o avanço do Brasil nesses setores. A colaboração entre os dois países poderia incluir a transferência de tecnologia, especialmente em áreas de alta inovação, como energias renováveis, inteligência artificial e manufatura avançada. Isso não apenas fortaleceria a base industrial do Brasil, mas também aumentaria sua capacidade de competir em mercados globais de alta tecnologia.
Além disso, a parceria estratégica entre Brasil e China poderia focar em uma transição econômica para uma economia de baixo carbono. A China tem se destacado como líder global na produção de tecnologias verdes, como veículos elétricos e energia solar, e sua experiência pode ser valiosa para o Brasil na promoção do desenvolvimento econômico sustentável. Essa cooperação pode incluir projetos conjuntos em infraestrutura verde, pesquisa e desenvolvimento de energias renováveis, e políticas públicas voltadas para a sustentabilidade. Ao abordar problemas sociais persistentes, como a desigualdade e a pobreza, por meio de uma estratégia de desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável, o Brasil pode aproveitar a parceria com a China para não apenas melhorar sua posição econômica, mas também avan&c cedil;ar em direção a um futuro mais sustentável e justo para todos os seus cidadãos.
Nos últimos 40 anos, após as reformas e abertura econômica, a China experimentou um crescimento econômico acelerado e uma transformação social significativa. Essas mudanças foram acompanhadas por avanços notáveis na redução da pobreza. Em 25 de fevereiro de 2021, o presidente Xi Jinping anunciou que a China havia eliminado a pobreza absoluta no meio rural. Utilizando um padrão de medição mais rigoroso que o do Banco Mundial, a China reduziu drasticamente o número de pobres de 878 milhões em 1981 para 9,7 milhões em 2015.
A China está se posicionando como um polo emergente e influente na geopolítica global, desafiando a hegemonia tradicional do dólar e promovendo uma nova ordem econômica global mais equilibrada. Essa ascensão se deve, em grande parte, à sua estratégia de expansão econômica e comercial, que inclui a Iniciativa do Cinturão e Rota e o desenvolvimento de acordos de comércio regionais, como a Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP). A crescente influência da China no comércio global e sua capacidade de moldar mercados e cadeias de valor a partir de suas próprias práticas econômicas indicam um movimento significativo em direção a uma multipolaridade econômica, onde o poder não é centralizado em uma única moeda ou país.
Nesse contexto, uma parceria estratégica entre Brasil e China, especialmente através de colaborações entre centros de estudos e universidades, pode gerar resultados substanciais no desenvolvimento de uma compreensão do capitalismo a partir da perspectiva do Sul Global. Tais parcerias acadêmicas e de pesquisa têm o potencial de oferecer novas interpretações sobre o funcionamento das economias em desenvolvimento e de propor estratégias inovadoras para enfrentar desafios econômicos e sociais, como desigualdade, pobreza e desenvolvimento sustentável. Essa colaboração também pode fortalecer a capacidade dos países do Sul Global de influenciar a dinâmica da economia mundial, redefinindo as relações de poder e desafiando o grande capital rentista.
O Brasil tem uma oportunidade única para se reposicionar no cenário global, aproveitando a fratura na hegemonia global para avançar em direção a um modelo de desenvolvimento que não apenas promove uma economia dinâmica e de baixo carbono, mas também enfrenta as questões profundas de desigualdade econômica e social que caracterizam seu subdesenvolvimento. Parcerias estratégicas com a China, como as fomentadas pela FMG, são passos essenciais nesse caminho de transformação e redefinição da inserção do Brasil no comércio internacional, rompendo com sua suposta vocação na exportação de bens de baixo conteúdo tecnológico.
Concluindo, eventos como o organizado pela FMG são cruciais para fortalecer as relações bilaterais entre Brasil e China e explorar novas oportunidades de cooperação econômica, tecnológica e acadêmica. Essas iniciativas não só promovem um melhor entendimento entre os dois países, mas também pavimentam o caminho para um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável, capaz de superar os desafios contemporâneos e abrir novos caminhos para o desenvolvimento não só do Brasil, mas também de outros países da América Latina.
Euzébio Jorge é assessor especial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), autor do livro “Juventude, Trabalho e o Subdesenvolvimento” e doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp. Atualmente, atua como professor de Economia na FESPSP e na Strong Business School, e é membro da Cátedra Celso Furtado. Ele também possui pós-doutorado em Economia Criativa e da Cultura pela UFRGS.
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