07 janeiro 2025

Enio Lins opina

Fernandas, Eunices, Salles: as histórias e o cinema do Brasil são ouro mundial
Enio Lins  

E o Brasil ganhou com Fernanda Torres um prêmio inédito. Melhor atriz do mundo, no quesito Drama, em filmes realizados em 2024. Esta foi a decisão dos 93 votantes da Hollywood Foreign Press Association, e - como dito aqui no artigo anterior – troféu só superado em fama pelo Oscar. É justo festejar como a brasilidade festejou a vitória na Copa do Mundo de 1958, exorcizando uma frustração nacional, trazendo para casa um primeiro título muito desejado, depois de bater na trave.

FILHA DA MÃE

Fernanda Montenegro foi a primeira brasileira a subir ao palco na solenidade de entrega do Globo de Ouro, em 1999, para receber, em nome da equipe, o Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua não-Inglesa produzido em 1998. A película vitoriosa foi “Central do Brasil”, tocante filme – dirigido por Walter Salles – sobre o analfabetismo, o abandono infantil, a malandragem como meio de subsistência, e o sofrido triunfo dos corações generosos. Montenegro, no papel de Dora, a escrevinhadora de cartas, foi indicada ao prêmio de Melhor Atriz de Filmes de Drama, mas perdeu para Elisabeth I, rainha da Inglaterra, em papel vivido por Kate Blanchet. 25 anos depois, a situação se inverteu: Indicado para a finalíssima como Melhor Filme em Língua não-Inglesa, “Ainda Estou Aqui” não superou “Emília Perez”, comédia musical franco-mexicana. Mas Fernanda T orres, sem surpresas, devido a enxurrada de prognósticos positivos, lavou – literalmente – a alma mater.

BRILHO SÓBRIO

Fernanda Torres está insuperável como Eunice Paiva. Atuação intensa e sóbria, na exata medida da personagem real, sem apelar para qualquer recurso que não seja a emoção e dor de uma mulher que, aos 41 anos e mãe de cinco filhos, testemunha o rapto de seu marido, Rubens Paiva, de dentro de sua própria casa pela polícia política da ditadura brasileira, e nunca mais o vê novamente, e nem sequer tem o direito de saber onde o corpo de seu companheiro foi descartado, depois de assassinado sob tortura. Dos horrores dos porões militares, ela levou para sempre as sensações de 12 dias presa numa cela lúgubre, tão-somente para responder a interrogatórios inócuos, sobre temas que os interrogadores sabiam, desde sempre, que ela nada sabia. Uma dúzia de dias de masmorra apenas para multiplicar o medo numa família e intimidar ainda mais toda uma po pulação. Fernanda Torres, com maestria e total domínio da arte, consegue reproduzir a imagem daquela mulher sem arroubos revolucionários, discreta e firme, decidida a não baixar a cabeça frente a um poder terrorista. Destemida, exigiu respostas sobre o marido assassinado, formou-se numa nova faculdade, Direito, para advogar pelos Direitos Humanos para além de sua causa pessoal. Eunice virou uma heroína mundial, uma referência da coragem feminina de resistir ao terrorismo de Estado, graças a atuação profunda, impecável, energizante, de Fernanda Torres. O Globo de Ouro apenas reconhece isso.

GOL DE CLAQUETE

Walter Salles, sem dúvida, merece ser conduzido em triunfo. É o cineasta brasileiro com mais sucesso nas mais badaladas premiações internacionais, mesmo considerando a Palma de Ouro trazida de Cannes, em 1963, por “O Pagador de Promessas” como melhor filme dramático do mundo naquele ano, obra-prima dirigida por Anselmo Duarte (1920/2009) baseado em peça de Dias Gomes. Num país de grandes diretores, de reconhecimento mundial, mas premiados menos que o merecido, como Nelson Pereira dos Santos (1928/2018), Glauber Rocha (1939/1981), Cacá Diégues... os êxitos conquistados no exterior pelos filmes de Walter Salles devem mais valorizados, e mais conhecidos, vistos e revistos, em todo território nacional.

Leia: Fernanda Torres e o Globo de Ouro https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/fernanda-torres-globo-de-ouro.html

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