31 maio 2025

Emílio Santiago, Insensatez


Congresso do PCdoB

Deflagrando o 16⁰ Congresso do PCdoB
Luciano Siqueira 

Neste fim de semana — da noite da sexta-feira ao final da tarde do domingo — reunião plenária do Comitê Central do PCdoB conclui os preparativos para o 16⁰ Congresso do Partido.

O conteúdo e as normas do Congresso são objeto de apreciação, com destaque para o Projeto de Resolução Política - a orientação tática para o tempo presente - que norteará os debates que envolverão toda  militância, das Assembleias de Base e Conferências municipais e estaduais até a conclusiva plenária nacional. 

O Congresso é um instante privilegiado da democracia partidária. Tanto pelo debate amplo e inclusivo, como pelo processo decisório que implica em eleições das direções bases, das direçõesmunicipais e estaduais e do Comitê Central, o centro único de direção nacional. 

Concomitantemente com as reuniões, a tribuna de debates acolherá opiniões individuais. Todo filiado terá direito a expor a sua opinião também por esse canal.

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PCdoB se apoia no dinamismo de suas bases https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/05/minha-opiniao_18.html

30 maio 2025

Palavra de poeta

VOU-ME EMBORA PARA PASÁRGADA
Manuel Bandeira  

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe - d’água.
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

[Ilustração Peter Worsley]

Leia: Aos que aqui estiverem, boa sorte! https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/minha-opiniao_9.html

Minha opinião

Postura antidemocrática
Luciano Siqueira 
instagram.com/lucianosiqueira65  

Ontem, quinta-feira 29, o presidente Lula esteve em Santa Catarina em cerimônia alusiva a retomada das operações do porto de Itajaí, no litoral norte do estado. 

Uma autoridade não se fez presente: o governador Jorginho Mello, filiado ao PL.

Também não compareceu o prefeito do município que sedia o porto, Itajaí, Robinson Coelho, também do PL.

Uma grosseria. Absoluta falta de civilidade nas relações institucionais entre titulares dos três entes federativos. 

Divergências político-partidárias sempre existirão e fazem parte obviamente da democracia. Mas não anulam, antes requerem o respeito mútuo entre contendores. 

Mas a extrema direita bolsonarista, da qual fazem parte o governador e o prefeito, está longe de qualquer preceito democrático. Sob a capa de uma de insubordinação em relação ao “sistema” dominante, defendem sim os interesses de classe da elite mais retrógrada e predadora; e o fazem movidos pela intolerância e pelo ódio. 

Na ocasião, presidente da República anunciou investimentos da ordem de 844 milhões em modernização e ampliação da capacidade do porto, incluindo a dragagem do canal do Rio Itajaí-Açu.

É o que conta.

Foto: Patrick Rodrigues

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Saoba também: Ministra anuncia investimentos milionários para popularizar ciência https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/10/democratizacao-da-ciencia-tecnologia.html

Postei no X

Governador Tarcísio de Freitas exalta Bolsonaro no STF e nega trama golpista. Alguém esperaria dele outra atitude? 

As pedras se mexem na luta política https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/05/mentira-odio.html 

Fotografia

 

Heudes Regis

A crise do neoliberalismo, perspectivas

A Crise do Neoliberalismo e tendências atuais da financeirização

A financeirização da economia transformou o mundo, aprofundou desigualdades e levou o neoliberalismo ao seu limite.

Mas o modelo ainda resiste—ou já estamos presenciando sua derrocada? Quais são as tendências que moldam a economia global e o futuro dos países periféricos como o Brasil? Essas são algumas das questões centrais debatidas na Mesa 5 – “A Crise do Neoliberalismo e tendências atuais da financeirização”, parte do Simpósio “Desafios brasileiros em direção ao novo ciclo de desenvolvimento soberano”.

Com participação de: 🔹 José Carlos Braga – Professor Titular do Instituto de Economia da UNICAMP 🔹 Miguel Bruno – Professor de Ciências Econômicas da UERJ e da Mackenzie Rio 🔹 Marcelo Fernandes – Economista e professor do Departamento de Economia da UFRJ.[Se comentar, assine]

O colapso do neoliberalismo abre espaço para um novo modelo econômico ou apenas aprofunda o domínio do capital financ

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Simpósio da Grabois debate desenvolvimento e desafios do Brasil no cenário global https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/fundacao-grabois-debate.html

Enio Lins opina

Contra a penumbra autoritária, a Justiça precisa ser a luz no começo do túnel
Enio Lins 

TRUMP, O AUTOCRATA, têm encontrado alguma resistência democrática em território americano. Não confundir com os muxoxos do Partido Democrata, acanhado e submisso. São ações corajosas, apartidárias, pela via legal na maioria dos casos, atos ainda isolados, mas extremamente importantes para o povo estadunidense e para o resto do globo.

ESTE É O CASO da decisão proferida na quarta-feira, dia 28, pela Justiça estadunidense, através do Tribunal de Comércio Internacional, em Nova Iorque, bloqueando o “tarifaço” trumpista. Relata O Globo: “Para os magistrados, presidente excedeu sua autoridade. A Casa Branca recorreu da decisão”.

TRUMP, O OLIGARCA, trabalha em função das chamadas big techs e demais megainvestidores, cujos objetivos trombam com o do resto da economia nos Estados Unidos e do planeta. O “tarifaço” imposto por Donald no primeiro momento de seu retorno à Casa Branca, prejudica, em primeiro lugar, os consumidores americanos e a maioria dos empresários estabelecidos em solo estadunidense; em segundo lugar, embaralha e trava o comércio internacional, criando problemas para não só os “adversários”, mas prejudicando aliados dos ianques.

NÃO É NOVIDADE O CERCEAMENTO abrupto da liberdade de comércio por parte de nações capitalistas, em iniciativas autoritárias e nacionalistas, independentemente do discurso liberal, ou não, de seus líderes. Adolf Hitler, por exemplo – condutor inconteste de um regime autoritário baseado na livre iniciativa, na propriedade privada, e num capitalismo planejado e agressivo – teve como um de seus pilares econômicos dificultar as importações, usando como justificativa o esforço concentrado para a Alemanha recuperar a proeminência de potência mundial perdida na I Grande Guerra. Era a Die Autarkiepolitik, comandada por Herman Göring por nomeação expressa do Führer. Foi, à época, algo como “Make Alemanha Great Again”, uma MAGA sem boné vermelho, mas o mesmo conceito. O mundo “livre” ocidental não só se calou, mas se submeteu, dando sua contribuição ao soerguimento da potência germânica, acreditando piamente que os únicos alvos dos nazistas seriam os comunistas e os judeus. Foram também, e os mais vilipendiados em todo o processo, mas os supremacistas arianos queriam o mundo todo, e quase conseguiam seu intento.

TRUMP, O TIRANO MULTIMILONÁRIO, almeja ser um Adolf de bonezinho MAGA, um Maduro dos ricaços, um Putin ocidental, um Papa Doc branco, ou um qualquer dos imexíveis do poder que a cultura oficial WASP (White Anglo-Saxon Protestant, em tradução livre: Branco, Anglo-Saxão e Protestante) abomina em palavras e inveja em silêncio. O desrespeito às leis vigentes, a eliminação das normas éticas, o uso e abuso dos preconceitos de todos os tipos, o supremacismo racial... são os marcos regulatórios, os princípios norteadores dos comportamentos e das políticas de gente como Donald, Elon et caterva. Para esses seres, as leis são travas inaceitáveis ao lucro máximo e precisam ser expurgadas imediatamente – seja a legislação de seu próprio país ou as normas legais de países alhe ios, a resposta é a mesma: Big Stick no lombo de quem ousar se opor.

MAS A RESISTÊNCIA EXISTE! Nos Estados Unidos e no resto do planeta. A decisão do Tribunal de Comércio Internacional (um órgão norte-americano) é uma prova de que nem tudo está perdido. E, mesmo que a maioria conservadora em tribunais superiores, como a Suprema Corte, possa anular decisões corretas das instâncias anteriores, valem essas decisões, com a do dia 28, como estímulo à luta democrática na América do Norte e em todo o globo. Não se dobrar é o primeiro passo. Paciência e firmeza são as atitudes corretas para o caminhar nesse vale das sombras do poder trumpista. No fim dessa trilha lúgubre, mais cedo ou mais tarde, o sol nascerá novamente. Até lá, é lutar.

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A Ucrânia numa encruzilhada https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/ucrania-na-encruzilhada.html 

Minha opinião

A trincheira parlamentar
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65  

O parlamento brasileiro, em diferentes épocas e conjunturas políticas, tem abrigado líderes de reconhecido apoio popular e competência técnica e política.

Seja pela qualidade do discurso na defesa de teses e opiniões, seja pela habilidade de dirimir divergências momentâneas e construir a unidade possível a cada embate.

Mas tem também cedido cadeira a muita gente despreparada, representando interesses meramente pessoais ou de pequenos grupos ou do rentismo e do grande agronegócio exportador e sem nenhuma condição de sustentar, de maneira consistente, suas próprias opiniões.

Um subproduto do ambiente político predominante no mundo ocidental e no Brasil, de ofensiva neofascista. 

Correntes populares e democráticas no parlamento resistem sob correlação de forças adversa.

Em perspectiva, entretanto, esse cenário pode vir a se alterar positivamente, desde que se revolva o ambiente social de tal modo que se dê o reencontro da militância progressista e de esquerda com suas bases. 

Por enquanto, em boa medida influenciada pela religiosidade de conteúdo neopentecostal e pelo falso ideal de um empreendedorismo capaz de transformar os grandes contingentes de trabalhadores submetidos à informalidade e à super exploração em "patrões de si mesmo", extensas parcelas da população fazem-se presa fácil da pregação demagógica, preconceituosa e ilusória da extrema direita.

Ação militante consciente e criativa e de larga extensão pode vir a gerar base eleitoral renovada e fortalecer a presença popular e progressista no parlamento. 

Este é um desafio a ser encarado junto ao povo com denodo, largueza de visão e espírito solidário.

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Lula e o gol de desempate https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/05/minha-opiniao_8.html 

Postei no Threads

“Brasil fica em quinto lugar no ranking das economias que mais cresceram. Lista elaborada pela Austin Rating considera 61 países que já divulgaram seus resultados”, destaca O Globo em manchete. No texto da matéria, entretanto, nenhuma palavra sobre méritos do governo Lula. Beira a canalhice midiática. 

Forças políticas ativas na frente ampla https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/minha-opiniao_27.html

Humor de resistência

 

Angeli

Estratégia, tática e correlação de forças https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/05/estrategia-tatica-e-correlacao-de-forcas.html?m=1


Editorial do 'Vermelho'

Genocídio contra o povo palestino precisa ser detido
Intensificação dos ataques de Benjamin Nethanyahu ao povo palestino, inclusive com fome generalizada, assemelha-se a outras tragédias históricas.
Editorial do 'Vermelho' www.vermelho.org.br

 

A luta contra o genocídio do povo palestino é uma causa da humanidade. Sob as ordens de Benjamin Nethanyahu, o Estado israelense passa por cima de tudo que julga obstáculo para promover um massacre que guarda semelhança com outras inomináveis tragédias históricas. O recente anúncio de 22 novos assentamentos na Cisjordânia, de pronto condenado pela Autoridade Palestina e pelo Hamas, eleva ainda mais a tensão e reforça o repúdio ao genocídio e a defesa do Estado palestino.

Na Cisjordânia, Nethanyahu também promove aumento de roubo de terras palestinas e limpeza étnica. Essa expansão dos assentamentos será a maior desde os Acordos de Oslo, de 1993, que iniciaram as negociações sobre a criação de dois Estados e acirrará o “ciclo de violência e instabilidade”, conforme avaliação de Nabil Abu Rudeineh, porta-voz do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. “Este governo israelense extremista está tentando por todos os meios impedir o estabelecimento de um Estado palestino independente”, disse.

A expansão afronta também a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ), o principal tribunal das Nações Unidas, que, em julho do ano passado, considerou os assentamentos de Israel na Cisjordânia e a presença israelense em Jerusalém Oriental ocupações ilegais. Seu anúncio ocorre logo após o embaixador da Palestina na ONU, Riyad Mansour, bater na mesa e chorar em discurso no Conselho de Segurança ao falar da matança de crianças palestinas.

Ao citar o caso da médica Alaa al-Najjar, que teve nove filhos mortos, ele disse: “É um horror que a mente não compreende, que o coração não suporta.” As crianças tinham entre sete meses e doze anos de idade. Segundo o embaixador, desde a retomada da ofensiva israelense em Gaza mais de 1.300 crianças palestinas foram mortas e cerca de 4 mil ficaram feridas. “São crianças. Crianças… Crianças!”, repetiu. “Dezenas de crianças estão morrendo de fome. Há imagens de mães abraçando os corpos dos filhos, acariciando os cabelos deles e pedindo desculpas”, lamentou.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o assassinato das crianças foi um ato “vergonhoso e covarde”, resultado de uma agressão para “privar os palestinos das condições mínimas de vida com vistas a expulsá-los de seu legítimo território”. O embaixador apelou por medidas que contenham a matança das crianças. “Sei o que elas significam para suas famílias”, disse. “Ver isso acontecer com os palestinos, e ninguém fazer nada, é insuportável.”

A crueldades de Nethanyahu, envolvido em numerosas acusações de corrupção e expoente da extrema-direita israelense, defensora da anexação da Cisjordânia e de Gaza, chegou ao ponto de rejeitar, publicamente, os alertas de fome generalizada após bloquear as entregas de alimentos e combustível aos palestinos. As imagens do drama da fome em Gaza percorrem o mundo. O governo israelense usa a fome como arma de guerra para forçar a saída dos palestinos de suas terras em busca de alimentos e abrir caminho para a ocupação.

É mais uma ação que afronta a humanidade, que, a duras penas, ergueu os pilares do direito internacional e da universalização do respeito aos direitos humanos. Não se pode afastar dessas atitudes a responsabilidade dos Estados Unidos, que abastece com armamentos sofisticados e outros apoios bilionários o Estado israelense, histórica ponta de lança dos seus interesses na região.

Com esses apoios, o belicismo israelense também agrediu o Líbano para atacar o grupo Hezbollah, numa soma de ações criminosas, classificada por Nethanyahu de “nova etapa da guerra”. Foi, na verdade, uma tentativa de reverter o desgaste de sua imagem diante do fracasso das promessas de rapidamente exterminar o Hamas e libertar os reféns de 7 de outubro de 2023.

Ele perde apoio interno e internacional, ao passo que cresce em todo o mundo o repúdio de governos, de intelectuais e de democratas ao genocídio. É preciso intensificar as denúncias dos crimes de Nethanyahu e a pressão por ações para deter a mão assassina do Estado de Israel. A defesa do direito internacional e do respeito aos mais básicos princípios humanitários, diante dos crimes contra o povo palestino, se impõe como prioridade das forças democráticas em todo o mundo.

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Leia: A saga palestina
https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/12/a-saga-palestina-7.html

Postei no X

PIB brasileiro avança 1,4% no primeiro trimestre e alcança o pódio dentre as principais economias do mundo, contrariando as expectativas do mercado e da grande mídia brasileira. Uma conquista do governo Lula. 

Leia: Mudança no imposto de renda e queda de juros dependem da luta política https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/economia-e-questao-politica.html 

Mercado financeiro contra o Brasil

Como os rentistas sabotam o desenvolvimento nacional
Uma análise das estratégias discursivas que mantêm o Brasil refém dos interesses financeiros
Daniel Negreiros Conceição/Le  Monde Diplomatique 

O mito da escassez como arma política 

O Brasil vive sob o domínio de uma narrativa que se tornou senso comum: o Estado está sempre à beira da falência, os gastos públicos são intrinsecamente perigosos, e qualquer política que beneficie a população através do aumento de gastos governamentais representa um risco fiscal inaceitável. Esta narrativa não é acidental – é uma construção deliberada que serve aos interesses de quem lucra com a manutenção da escassez artificial em economias monetárias e capitalistas, os rentistas. 

Para compreender essa dinâmica, é fundamental reconhecer que vivemos em uma economia onde diferentes grupos têm interesses estruturalmente antagônicos. De um lado, encontram-se aqueles que dependem do desenvolvimento real da economia – trabalhadores, empresários produtivos, setores voltados para o mercado interno. Do outro, aqueles que extraem renda através de operações financeiras, beneficiando-se da volatilidade, da escassez de crédito produtivo e das altas taxas de juros. 

A inversão da lógica econômica 

O discurso dominante inverteu completamente a relação entre Estado e economia. Transformou o ente capaz de criar moeda em refém daqueles que dela dependem. Esta inversão não é produto de ignorância – é resultado de uma sofisticada operação ideológica que obscurece deliberadamente como funciona um sistema monetário soberano. 

Quando economistas do mercado financeiro afirmam que “o Estado precisa se ajustar como uma família”, estão propagando uma analogia que sabe ser falsa. Uma família é usuária de moeda; o Estado soberano é seu emissor. Esta diferença não é técnica – é fundamental para compreender o espaço fiscal real de qualquer nação. 

A insistência nesta analogia revela sua funcionalidade política: manter o debate econômico dentro de parâmetros que legitimam a primazia dos interesses rentistas sobre as necessidades nacionais de desenvolvimento.  

O fracasso histórico da conciliação 

A experiência do governo Dilma oferece lições inequívocas sobre os limites da estratégia conciliatória. A tentativa de conquistar credibilidade através do ajuste fiscal radical não apenas falhou em seu objetivo político – aprofundou drasticamente a crise econômica e criou as condições que viabilizaram o golpe de 2016

Este episódio demonstra que o setor rentista não busca políticas “tecnicamente corretas” – busca políticas que maximizem seus rendimentos, independentemente de seus custos sociais. A manutenção de juros elevados, a austeridade fiscal procíclica e a subvalorização cambial inflacionária não são erros de gestão – são características funcionais de um modelo econômico que subordina o desenvolvimento nacional aos imperativos da acumulação financeira. 

Desmistificando o “Risco Fiscal” 

O terror fiscal baseia-se em uma compreensão deliberadamente equivocada sobre as capacidades de um Estado monetariamente soberano. Países que emitem sua própria moeda enfrentam limites reais – inflação, constrangimentos de recursos produtivos, pressões cambiais – mas não enfrentam limites financeiros no sentido convencional. 

Reconhecer esta realidade não significa defender gastos ilimitados ou irresponsáveis. Significa compreender que as restrições relevantes são aquelas relacionadas à capacidade produtiva da economia, não aos saldos nominais de contas públicas. Um Estado que possui recursos ociosos, desemprego em massa e necessidades sociais urgentes enfrenta, na verdade, um imperativo ético de mobilizar estes recursos – não uma restrição fiscal que o impeça de fazê-lo. 

Estratégias para quebrar o ciclo de sabotagem 

1. Desmascarar as narrativas falsas

É fundamental que o governo desenvolva uma comunicação sistemática que eduque a população sobre o funcionamento real da economia. Isto inclui explicar as diferenças entre Estados emissores e usuários de moeda, demonstrar como funciona o sistema bancário, e expor os interesses específicos por trás das demandas por austeridade.  

2. Implementar políticas antifragilidade

Em vez de buscar aprovação dos mercados financeiros, o governo deve construir sua legitimidade através de resultados concretos para a população. Isto inclui políticas de pleno emprego, investimentos massivos em infraestrutura, fortalecimento dos serviços públicos e redução das desigualdades regionais. 

3. Reformular a gestão da política monetária 

A obsessão com metas de inflação descontextualizadas serve principalmente para manter elevados os rendimentos financeiros. Uma política monetária verdadeiramente soberana deveria considerar o pleno emprego como objetivo primário, utilizando a taxa de juros como instrumento de desenvolvimento, não como mecanismo de transferência de renda para rentistas. 

Somente o Banco Central tem o poder ilimitado de criar reais na economia brasileira. Se utilizado de forma competente, este poder pode inviabilizar quase completamente a viabilidade das estratégias sabotadoras utilizadas hoje pelo setor financeiro para manter refém o governo brasileiro. A oferta infinitamente elástica de swaps cambiais (aplicações remuneradas pela desvalorização cambial mais algum prêmio) tornariam inviavelmente custosa a especulação cambial. Já a estabilidade da taxa referencial de juros de curto prazo (a Selic) tornaria inviavelmente custosa a especulação contra títulos públicos.  

4.Fortalecer as instituições democráticas

O combate ao poder rentista requer o fortalecimento das instituições que representam os interesses populares. Isto inclui tanto o parlamento quanto os mecanismos de participação social, criando contrapesos efetivos ao poder econômico concentrado. 

A urgência do momento histórico 

O Brasil enfrenta uma janela de oportunidade que pode não se repetir. O fracasso das políticas neoliberais tornou-se evidente mesmo para setores que antes as apoiavam. A população demonstra crescente ceticismo em relação às promessas do mercado financeiro. O cenário internacional oferece espaços para políticas mais soberanas. 

Desperdiçar esta oportunidade em nome de uma conciliação que sabemos ser impossível representa mais do que um erro político – representa uma traição histórica às possibilidades de transformação que o momento oferece. 

Por um projeto nacional soberano 

O desenvolvimentismo do século XXI não pode repetir as ingenuidades do passado. Deve reconhecer que o setor rentista não é um parceiro relutante do desenvolvimento nacional – é seu adversário estrutural. Políticas que beneficiam genuinamente a população brasileira ameaçam diretamente os mecanismos de extração de renda que sustentam este setor. 

A escolha é clara: ou o Brasil constrói uma economia voltada para as necessidades de seu povo, ou continua sendo uma plataforma de valorização para o capital financeiro internacional. Não há meio-termo técnico que resolva esta contradição fundamental. 

O momento exige coragem para enfrentar os interesses que se beneficiam da subserviência nacional. Exige também a inteligência para construir alternativas viáveis que demonstrem, na prática, que outro modelo econômico é possível. 

A história julgará se soubemos aproveitar esta oportunidade ou se permitimos que mais uma geração fosse sacrificada no altar da ortodoxia rentista. 

Daniel Negreiros Conceição é professor de economia política, macroeconomia e economia do setor público na UFRJ e autor do livro Teoria Monetária Moderna: a chave para uma economia a serviço das pessoas

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Leia: O PIB, o mercado e o povo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/minha-opiniao_4.html

Arte é vida

 

João Câmara

29 maio 2025

Palavra de poeta

EXTRAVIO
Ferreira Gullar 

Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?

Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.

Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.

Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.

Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em cada olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.

Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala. 

[Ilustração: Marc Chagall]

Arte é vida

Kathy Sosa

Trump contra a ciência

Diretor do CNPq analisa ataque à ciência nos EUA e a disputa por cérebros
Olival Freire Jr. Avalia os impactos das políticas de Trump sobre a produção científica e aponta desafios e oportunidades para o Brasil diante do novo cenário
Cezar Xavier/Vermelho 

A tradição científica dos Estados Unidos, consolidada ao longo do século XX com a atração de cientistas europeus e com forte apoio estatal, está agora em xeque. Para Olival Freire Junior, professor da Universidade Federal da Bahia e diretor científico do CNPq, a política anticientífica do governo Trump inaugura uma nova fase: “É um elemento novo. O que está em curso não é apenas uma reestruturação econômica ou geopolítica, mas uma interferência direta nos conteúdos das pesquisas”, alerta em entrevista ao Portal Vermelho (leia trechos ao final). 

Freire Jr destaca que nem regimes autoritários do passado, como o franquismo ou a ditadura militar brasileira, ousaram intervir tão diretamente no conteúdo da produção científica. Hoje, nos Estados Unidos, há restrições explícitas a termos como “equidade”, “impactos climáticos” e “transgênero”, o que tem gerado insegurança e receio entre os próprios pesquisadores norte-americanos.

A resposta das universidades e o papel do Estado

Universidades como Harvard têm se destacado na resistência às medidas que atacam a liberdade acadêmica, mas enfrentam limitações. “Bastou o governo americano retirar o financiamento para você ter uma crise sem precedentes. Não é a anuidade dos estudantes que sustenta essas instituições”, afirma o professor. Para ele, a crise atual revela o quão crucial foi — e ainda é — o papel do Estado no financiamento da ciência nos EUA.

Apesar de tentativas de apoio por parte do setor privado, como doações de ex-alunos e grandes empresas, Freire Jr vê limites: “Esse problema das universidades americanas vai ter que ser resolvido no âmbito da própria sociedade americana”.

Uma disputa global por talentos

O enfraquecimento da ciência norte-americana abre uma disputa mundial por cérebros. A França anunciou medidas para atrair pesquisadores, e o Brasil também se movimenta. “Todos os países estão observando o cenário, pensando como num jogo de xadrez: para onde mover as peças”, diz Olival.

Mas ele ressalta que o desafio vai além da questão salarial: envolve infraestrutura, tradição educacional e capacidade de pesquisa colaborativa. “Não se trata só de deslocar pesquisadores, mas de preservar redes, bancos de dados e projetos internacionais que são essenciais, por exemplo, na área da saúde.”

O papel do Brasil: diáspora científica e novas estratégias

O Brasil, segundo Freire, já vinha estruturando uma resposta, mesmo antes do agravamento da crise nos EUA. “Criamos o programa Conhecimento Brasil para fortalecer redes de pesquisadores brasileiros no exterior e também apoiar a repatriação de talentos.”

Com duas frentes — o apoio a redes de colaboração e a atração de pesquisadores brasileiros — o programa deve alcançar até 1.500 cientistas. “É uma política pensada não como reação ao que acontece nos EUA, mas como forma de reconhecer que o Brasil formou uma diáspora científica qualificada, e que ela pode ser um trunfo para o país.”

Entre as áreas estratégicas para atração de talentos estão inteligência artificial, transição energética e outras que dialogam com os desafios do século XXI.

A China, a Europa e o futuro incerto da ciência

Questionado sobre a possibilidade de a China se tornar o novo polo global da ciência, Freire é cauteloso: “Há barreiras culturais, linguísticas e geopolíticas. Mas mudanças históricas já superaram obstáculos semelhantes no passado, como mostrou o êxodo de cientistas europeus para os EUA nos anos 1930 com a ascensão do nazismo.”

Por fim, ele ressalta que o cenário é fluido e complexo: “Estamos vivendo um tempo sem respostas seguras. O que vemos é um mundo em transição, e ainda não sabemos qual será sua nova configuração científica”.

Leia os principais trechos da entrevista:

Vermelho: Qual o impacto dessas medidas do governo Trump para a produção científica dos Estados Unidos, considerando a história importante em relação à tradição desde antes da Segunda Guerra de absorção/captação de cientistas? 

Olival Freire Junior: Se você olhar a curva, por exemplo, do número de prêmios Nobel nos Estados Unidos, há um verdadeiro desequilíbrio dos anos 40 para frente. Um número significativo desses premiados foram pessoas que se deslocaram para os Estados Unidos na década de 30. Mas não só isso, o mundo da Segunda Guerra é um mundo em que os Estados Unidos saíram com uma vantagem tecnológica inequívoca, porque era o domínio das armas atômicas. E tinha também o domínio do radar. E ao longo de todo o período desde a Segunda Guerra, e mesmo depois com o fim da Guerra Fria, essa hegemonia da ciência norte-americana era algo inconteste. Mais recentemente, você tem a ascensão da China, anteriormente você teve a ascensão do Japão, a ascensão da Coreia e a recuperação da força da ciência europeia. Mas ninguém duvida da hegemonia da ciência e da tecnologia norte-americana no mundo. Então é esse o cenário que está posto em questão.

Eu diria que é um mundo em transformação, porque com a política de tarifas que o governo americano vem adotando, você está tendo uma reorganização do comércio em escala mundial. Eu diria que é possível que a gente venha a ter uma reorganização, também, da capacidade científica e tecnológica de cada país. Então é esse mundo em transição que nós estamos vivendo.

Agora, o que está acontecendo especificamente nos Estados Unidos tem uma outra dimensão que é diferente, estranha de tudo isso que eu já te falei. O que é que a gente precisa chamar atenção? É que essas outras transformações que eu fiz referência, todas elas tinham por base um cenário em que a liberdade para pesquisa científica era assegurada, não importa qual fosse o regime. Se você pegar mesmo no caso da ditadura militar brasileira, que perseguiu cientistas, nós não temos registro de uma interferência direta nos conteúdos. Se você pegar a política franquista, também teve alguma coisa desse tipo. A Espanha desenvolveu a área de física nuclear, independente de saber se a física nuclear era uma física católica ou não. Eu peguei esses dois exemplos só para ilustrar, mas eu poderia te cit ar vários outros que vão na mesma direção, tá certo? E o que nós estamos vendo hoje nos Estados Unidos é uma interferência nos conteúdos. Então se a sua linha de pesquisa tem a temática, por exemplo, de equidades, se a sua linha de pesquisa está discutindo impactos climáticos, coisas desse tipo, a palavra em si, já é objeto de restrição. Inclusive chegando a expressões ridículas, que é aquela confusão que eles fizeram com a expressão em inglês transgênero e transgênico. Portanto, eu diria que é um elemento novo, é um elemento que impacta na produção cultural norte-americana. Os Estados Unidos têm uma força cultural não apenas na área estritamente de tecnologia, mas na área do pensamento social, do pensamento crítico, e é isso que está ; posto em questão, gerando, portanto, um cenário bastante inseguro e, digamos assim, um cenário de um receio generalizado entre cientistas norte-americanos quanto ao futuro de suas pesquisas. Esse é o tipo de informação que está chegando. 

Vermelho: Por outro lado, existe uma reação da própria elite, das grandes empresas que precisam dessa produção científica para inovar. O senhor não acredita que esse ambiente que está se criando tem duração curto, como foram os recuos do tarifaço? 

Olival Freire Junior: Essa é a interrogação que eu diria que ninguém tem uma resposta clara. Porque é uma interrogação análoga ao seguinte… Esse efeito financeiro que você está se referindo também está acontecendo na economia. É uma reorganização econômica que vai trazer prejuízos para a sociedade norte-americana? Muito possivelmente. Qual vai ser o tempo de reação a isso? É um terreno cujas respostas não são seguras. Eu diria que isso é o tempo que nós estamos vivendo. 

Vermelho: A gente sabe que ser cientista dessas universidades de elite, pesquisar nesses ambientes nos Estados Unidos implica em salários e em bolsas muito altas, que são difíceis de serem cobertas por outros países. O Brasil e a própria Europa dificilmente dariam conta de garantir recursos tão importantes. 

Olival Freire Junior: E não é só o salário. É também a infraestrutura disponível para pesquisa. 

Vermelho: A França está se colocando para disputar esses cientistas, o Brasil querendo fazer alguma coisa… Como você avalia isso, Olival? 

Olival Freire Junior: Veja, as ponderações sobre o problema de salário, o problema da infraestrutura são importantes. O que eu posso te dizer é que hoje muitos países do mundo estão estudando esse problema. A França anunciou aquelas medidas iniciais, mas você vê que as medidas não foram também à altura do problema. Eu diria que há uma enorme complexidade. Porque, veja, nós estamos falando de uma hegemonia na ciência que foi construída da década de 1930 para cá com uma guerra mundial no meio. Uma guerra fria. Então não é uma coisa que foi construída da noite para o dia. É um cenário que eu diria que vem de 1935, à altura de 1970. É um cenário de quatro décadas. Mas volto a dizer, com duas guerras pelo meio, uma guerra quente e uma guerra fria.

Acho que os outros países estão examinando qual é o exato impacto da restrição à pesquisa, mesmo porque, a gente não pode pensar só em problema de deslocamento de pesquisadores. Tem muitas pesquisas hoje que são feitas em colaboração. Por exemplo, na área da saúde. Muitas das pesquisas norte-americanas são feitas envolvendo situações de saúde fora dos Estados Unidos. Ou, ao contrário, uma das vacinas mais rápidas e mais eficazes contra o coronavírus foi produzida em solo americano, e usada no mundo inteiro.

Eu estou dizendo isso para você entender que, uma decisão dos Estados Unidos de sair de um organismo multilateral, uma Organização Mundial da Saúde, qual vai ser o impacto disso? Desse controle de epidemias e mesmo situações de pandemia, esse é um problema que hoje está sendo debatido no mundo inteiro. 

Vermelho: Quando eu penso em países que teriam condições de fazer esse enfrentamento, eu imagino que a China seria este. Só que a China, ao mesmo tempo, tem as barreiras culturais, linguísticas… Você acha possível que isso ocorra?

Olival Freire Junior: Não, não te antecipo nenhuma conjectura. Porque como você mesmo apontou, são cenários complexos. Esses cenários podem ser modificados? Podem. A título de hipótese, eu sou capaz de te citar, por exemplo, que se você pega lá o final dos anos 1920 e início dos anos 1930, os europeus que estavam na linha de frente da pesquisa em matemática ou em física, iam aos Estados Unidos para fazer uma palestra, para passar um mês, dois meses, três meses, tá certo? Eles não cogitavam de se mudar para os Estados Unidos. Com a ascensão do nazismo, isso mudou dramaticamente. A figura icônica da ciência do século XX, que é o Einstein, visita os Estados Unidos de um lado para o outro, mas chega 1933 e ele sai da Alemanha, e aí ele transita por alguns países que esboçam acolhê-l o, mas onde é que ele foi parar? Foi parar nos Estados Unidos. Então, poderá haver uma mudança desse tipo, inclusive superando essas barreiras culturais. Não acho impossível. Mas também não quero fazer nenhuma previsão. 

Vermelho: Pensando em termos do que a Europa está fazendo para atrair esses cientistas, com um investimento em ciência bem menor que os Estados Unidos, em termos de PIB, você acha que terá consequência?

Olival Freire Junior: Mas tem uma tradição, porque ciência você não pode pensar só em termos de valores financeiros. Você tem que pensar também em infraestrutura e infraestrutura de pessoas. A Europa tem uma tradição educacional que é imbatível. A qualidade da educação básica europeia bate longe na qualidade da educação norte-americana. Lembre-se, por exemplo, que boa força da ciência norte-americana hoje são aqueles cientistas que fazem a educação básica em outro país… muitas vezes países europeus, países asiáticos, brasileiros também… Fazem a graduação e vão para lá já na fase ou do doutorado ou já no estágio de pós-doutorado. 

Vermelho: Você falou da insuficiência do que está sendo anunciado. De como a Europa ainda tem limites para absorver esses cientistas que estão pesquisando nos Estados Unidos.

Olival Freire Junior: Mas não só a Europa… mas outros países também. Os países aqui na América Latina, os asiáticos, eu diria que é um cenário em movimento. Está todo mundo… como no jogo de xadrez… pensando para onde mover as peças. 

Vermelho: Você poderia especificar o que imagina que precisa ser feito para a atração de cientistas? 

Olival Freire Junior: Você mesmo citou o exemplo da França buscando atrair cientistas, mas essa não é a única forma… tem que também pensar em formas de redes e pensar também na preservação de certos projetos, que hoje já são projetos colaborativos que não deveriam ser ameaçados. Tem coisas que não podem ser interrompidas. Você não pode somente pensar em deslocar uma pessoa de um lado para o outro. Por exemplo, base de dados. A pesquisa em saúde, hoje, depende fortemente da base de dados. Por exemplo, preservar essas bases de dados é um grande desafio para a civilização. Então o problema não se reduz a um deslocamento de pesquisadores entre países, embora esse seja um item importante. 

Vermelho: Olival, como você observa isto que está acontecendo em Harvard, com maior impacto? Porque é uma universidade que deveria ter uma subsistência própria diante da força que tem.

Olival Freire Junior: Primeiro, é preciso entender que a força dessas universidades americanas depende de um financiamento… isso é importante. Ninguém acha que é o custo da anuidade que cobre os custos das universidades americanas. Eu digo isso porque volta e meia aparece um no Brasil que diz assim, cobra anuidade que resolve o problema de financiamento das universidades brasileiras. Isso é uma doce ilusão. Bastou o governo americano retirar o financiamento para você ter uma crise sem precedentes. Agora, isso posto, até agora, a Harvard está se destacando como a universidade que está fazendo o enfrentamento ao ataque à autonomia universitária. Eu diria que está num papel mais interessante, mais correto em termos de liberdade acadêmica, por exemplo, do que foi a Universidade de Columbia, que também é uma grande universidade.  ;

Vermelho: Num primeiro momento se falou que Harvard recebeu apoio de empresas, gente que valoriza muito a universidade começou a fazer grandes doações, para fazer o enfrentamento. Seria viável fazer investimentos em pesquisas nos Estados Unidos a partir de outros países? Outros países financiarem pesquisas ali devido à sua importância? 

Olival Freire Junior: Tem barreiras que o próprio estado americano pode contrapor… não é impossível, mas é mais problemático. Agora veja, claro que outros países, ao enviarem estudantes ou financiarem a ida de pesquisadores aos Estados Unidos, isso também é uma forma de financiar a ciência norte-americana. Mas eu diria que esse problema dessas grandes universidades americanas, ele vai ter que ser resolvido no âmbito da sociedade americana. O papel do Estado é ineliminável. As empresas sempre financiaram essas universidades norte-americanas, especialmente depois da segunda guerra, mas esse apoio nunca foi suficiente. O apoio estatal era tão importante, que agora que ele está sendo retirado é que você está vendo o quão importante era. 

Vermelho: Em entrevista, o ministro Alexandre Padilha fala sobre as intenções do Brasil. Como você enxerga as medidas que se apontam? Porque o governo já vinha desenvolvendo políticas para atrair cientistas…

Olival Freire Junior: Nós estamos estudando essas coisas no governo, mas eu prefiro não antecipar conjecturas. Veja só… nós firmamos desde 2023 o programa chamado Conhecimento Brasil, pelo qual nós apoiamos, primeiro o programa em redes, com redes de pesquisadores brasileiros que estão no exterior e que não voltaram ao Brasil, e grupos brasileiros. E nós estamos apoiando 600 desses grupos. Muitos estão nos Estados Unidos. A segunda linha de financiamento do conhecimento do Brasil é a repatriação. Esse, nós vamos apoiar alguma coisa da ordem de 800, 900 pessoas para repatriar. Uma parte fundamental também de brasileiros que tiveram formação nos Estados Unidos. O resultado final dessa seleção está para sair dentro de mais uma semana. Mas essas foram as motivações para essas políticas, nã o tem a ver com a crise mais recente que você está se referindo na sociedade americana. Eles foram motivados por outro aspecto. O Brasil constituiu uma diáspora científica, que é um trunfo da ciência brasileira e que a gente precisa aprender a lidar com ela… E estamos aprendendo. 

Vermelho: Tem áreas preferenciais, Olival, de pesquisadores que seriam interessantes a atrair?

Olival Freire Junior: São exatamente as áreas que a gente está priorizando no próprio país: inteligência artificial, transição energética e áreas desse tipo. 

Na foto, manifestações Hands Off! (Tirem as mãos) se espalham pelos EUA contra cortes de recursos do governo Trump contra diversas áreas, como a produção científica de universidades

Veja: Trump e a guerra comercial. Quem pagará essa conta? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/trump-e-guerra-comercial-quem-pagara.html 

Postei no X

Citam-se legendas com acento no parlamento, mas a organização partidária mais poderosa hoje no Brasil é o complexo midiático dominante, que faz oposição ao governo Lula diuturnamente. Porém muita gente ainda não percebe isso e se deixa enganar. 

O mundo em 8 minutos? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/08/minha-opiniao-newsletters-bichadas.html 

Minha opinião

Governo sob cerco, reagir é preciso*
Luciano Siqueira 
instagram.com/lucianosiqueira65 

Governar o Brasil será sempre uma missão complexa, quaisquer que sejam as circunstâncias — favoráveis ou não.

Luiz Inácio Lula da Silva, em seus dois primeiros governos, em boa medida jogou a favor do vento. Fatores externos e internos articulados entre si permitiram realizações importantes, tanto no que diz respeito aos pilares do desenvolvimento econômico, como a adoção de programas sociais compensatórios de largo alcance.

Não é exagero afirmar que na história da República foi precisamente de 2003 a 2011 (com boa vontade é possível incluir também os primeiros quatro anos da presidente Dilma) que mais se avançou no país na satisfação de direitos sociais. 

Agora, presidente pela terceira vez, Lula navega em mar revolto. 

Venceu o pleito presidencial por pequena margem e desde o primeiro dia vive às turras com um Congresso Nacional majoritariamente conservador, onde pontificam fortes bancadas de centro-direita e de extrema direita.

Não fosse a amplitude das alianças celebradas para a disputa eleitoral não teria sido possível vencer.

Amplitude que tanto contribui, em certa medida, para as condições de governabilidade; como também dificulta a adoção de matizes mais afirmativos e mais claros em relação a questões cruciais.

O exemplo mais marcante é a ininterrupta quebra de braços com a classe dominante  hegemonizada pelo rentismo, centrada na "obrigatoriedade" de um equilíbrio fiscal sob todos os títulos dificultador da obra administrativa. 

O poderoso complexo midiático dominante, comprometido fundamentalmente com o capital financeiro e o grande agronegócio exportador, exerce com sofisticada competência o papel ter partido político, a ponto de pautar tanto o parlamento como o próprio governo. 

A bola da vez é a pretensão do governo alterar alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras): ao cartão de crédito/débito internacional: de 3,38% para 3,5%; cartão pré-pago e cheques de viagem de 3,38% para 3,5%; compra de moeda em espécie: de 1,1% para 3,5%; empréstimo externo de curto prazo de 0% para 3,5%.

A Associação Brasileira de Bancos e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo puxam os protestos e determinam a oposição parlamentar.

O governo, na defensiva, resolve manter em zero a alíquota sobre aplicação de investimentos de fundos nacionais no exterior, que iria para 3,5%, e manteve a alíquota atual de 1,1% para remessas destinadas a investimentos.

A polêmica segue e os jornais anunciam que o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) "determina" o prazo de 10 dias (sic) para que o governo refaça sua proposta, naturalmente recuando em sua essência. 

Não é uma batalha qualquer. Há uma poderosa “operação de cerco e aniquilamento” operada por poderosas forças, que tentam manter o governo acuado até o próximo pleito, enquanto tentam viabilizar uma candidatura de centro-direita eleitoralmente viável.

Aguarda-se uma posição mais clara do próprio presidente da República, assim como uma atitude proativa na mobilização das correntes mais avançadas da ampla frente governista e dos diversos segmentos que formam a sua base social. Manobras táticas ágeis e focadas em fragilidades do poderoso adversário para romper o cerco.

*Texto da minha coluna desta quinta-feira no portal ‘Vermelho’ www.vermelho.org.br

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Leia também: Forças políticas ativas na frente ampla https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/minha-opiniao_27.html

Humor de resistência

 

Miguel Paiva


Enio Lins opina

O combate guerreiro, perene, ao dragão da maldade
Enio Lins 

DEPOIS DE 16 ANOS de andamento judicial, foi finalizado um processo de duplo assassinato ocorrido na capital paranaense. Em decisão proferida no dia 23 de maio deste ano, uma sujeito chamado Ricardo Barollo foi condenado como mandante das mortes de Bernardo Dayrell Pedroso e Renata Waechter Ferreira. Até aí, seria mais um julgamento sobre homicídios, coisa lamentavelmente corriqueira em todo lugar. Mas esse episódio contém uma particularidade que traz à tona um perigo que muita gente supõe morto e sepultado desde o final da II Grande Guerra.

AO VOLTAREM DE UMA FESTA, na noite de 20 de abril de 2009, Bernardo e Renata, com 24 e 21 anos de idade, respectivamente, foram assassinados. Ele estudante de Direito em Minas Gerais; ela aluna do curso de Arquitetura na PUC/PR. Formavam um casal, ambos militantes neonazistas. A festividade que participaram era a comemoração do 120º aniversário de nascimento de Adolf Hitler (20 de abril de 1889). As mortes foram encomendadas, segundo as provas recolhidas, pelo líder da própria facção neonazista. Trata-se de algo muito mais terrível que o terror do assassinato por encomenda, pois descortinou mais um grupo devotado a Hitler. Isso no Brasil, em pleno século XXI.

REPORTAGEM PUBLICADA no diário paranaense Gazeta do Povo, em 2 de maio de 2009, informa: “Seis pessoas foram presas por suspeita de envolvimento na morte de um casal, na semana passada, na região metropolitana de Curitiba. Segundo a Polícia Civil, o crime foi motivado por divergências políticas e disputa de poder dentro de um grupo neonazista. Jairo Maciel Fischer, de 21 anos, e João Guilherme Correa, de 18 anos, teriam sido os autores dos disparos. Foram apresentados ainda Rosana Almeida, 22 anos, Gustavo Wendler, de 21 e Rodrigo Mota, 19 anos. Em São Paulo, foi preso o economista Ricardo Barollo, 33 anos, acusado de ser o mandante do crime. Ao todo, foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão nos estados de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A arma do crime teria sido encontrada no Rio Grande do Sul. Além disso, foi apreendido material de apologia ao nazism o”.

ACRESCENTOU A GAZETA DO POVO: “segundo a polícia, grupos neonazistas na capital paranaense continuam atraindo novos simpatizantes e tornaram-se referência para adeptos do nazismo dentro e fora do Brasil. Eles planejam a criação de divisões armadas para perseguir judeus, negros, homossexuais, comunistas e qualquer grupo ou indivíduo que se oponha à ideologia de ultradireita”. Isso há 16 anos. O que mudou nesse espaço de tempo? No Brasil, as divisões dedicadas à perseguição de semitas (que não sejam sionistas), negros, homossexuais, comunistas e qualquer grupo ou indivíduo que se oponha à ideologia de ultradireita ocuparam a presidência da República entre 2018 e 2022 e, derrotadas nas urnas, tentaram um golpe de Estado para seguir no poder; derrotada nas ruas, essa súcia estrebucha para fugir à Justiça.

E COMO CAMINHAM as ideias hitleristas no mundo? Na Ucrânia, símbolos nazistas voltaram a ser usados acintosamente, e grupos neonazistas armados (como os batalhões Azov, Aidar, Kraken e Carpatian Sich) ampliaram seu peso com a chegada do autocrata Zelensky ao poder. Em Israel, o genocídio imposto aos palestinos expõe os corações e as mentes nazistas do comando sionista, numa afronta inominável aos judeus vítimas dos genocidas nazifascistas. Na Itália, a neofascista Giorgia Meloni é aclamada pelas urnas. Na França, Marine Le Pen, por pouco, não ganha a presidência da República. Aqui e alhures o nazifascismo segue vivo e perigoso, mortal. Evitam, os nazifascistas de hoje, comemorar publicamente o aniversário do Führer. Mas, a cada dia, o nazifascismo aparenta ter mais força e mais ousadia. Resta lutar contra essas ideias. E apostar para que o ju diciário não demore 16 anos para condenar quem mereça ser condenado.

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Leia também: Milícias, produto das ruínas do capitalismo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2022/09/raizes-das-milicias.html

Desenvolvimento regional

Pacote de R$ 10 bi visa reindustrializar o Nordeste com inovação e sustentabilidade
A ministra Luciana Santos e o presidente Lula lançam a Chamada Pública Nordeste, da Nova Indústria Brasil e impulsiona projetos estratégicos em energias renováveis e bioeconomia.
Cezar Xavier/Vermelho
 


Na manhã desta quarta-feira (28), a cidade de Salgueiro, no sertão pernambucano, foi palco de um importante marco para a política de desenvolvimento regional do país. Com a presença da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, foi lançada oficialmente a Chamada Pública Nordeste, iniciativa que integra a Nova Indústria Brasil (NIB) e prevê o investimento de até R$ 10 bilhões em projetos inovadores na região.

A medida busca estruturar arranjos produtivos regionais de alto impacto, com foco em cinco áreas estratégicas: energias renováveis, bioeconomia (com ênfase em fármacos), descarbonização (notadamente hidrogênio verde), data centers verdes e o setor automotivo, incluindo máquinas agrícolas.

“Vamos garantir que os produtos gerados aqui também sejam industrializados aqui. Essa é uma ação concreta para reverter a lógica de desigualdade regional e fortalecer a base industrial nordestina”, afirmou o presidente do Banco do Nordeste, Paulo Câmara, durante o evento.

Parceria ampla e instrumentos financeiros diversos

A chamada pública é resultado de uma articulação inédita entre o MCTI, Finep, Bndes, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, Consórcio Nordeste e Sudene. Cada proposta aprovada receberá um Plano de Suporte Conjunto (PSC), elaborado por esses órgãos para identificar os melhores mecanismos de financiamento, tais como crédito incentivado, subvenção econômica, participação acionária e recursos não reembolsáveis.

Luciana Santos ressaltou que a ação reflete um projeto nacional com a ciência no centro da política de desenvolvimento: “O Nordeste tem vocação para liderar a transição energética e a bioeconomia. Com políticas públicas bem coordenadas, vamos transformar essa vocação em realidade produtiva e sustentável.”

Empresas e cooperativas com atuação ou intenção de atuação na região Nordeste, inclusive estrangeiras legalizadas no Brasil, poderão submeter seus planos de negócio.

Investimento histórico em segurança hídrica

O evento em Salgueiro também marcou um reforço significativo na infraestrutura hídrica nordestina. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou da cerimônia de assinatura da ordem de serviço para a duplicação da capacidade de bombeamento de água do Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), no âmbito da agenda Caminho das Águas.

A obra, com investimento de R$ 491,3 milhões, vai ampliar a vazão de água nas estações de bombeamento EBI-1 (Cabrobó), EBI-2 (Terra Nova) e EBI-3 (Salgueiro), beneficiando diretamente 237 municípios e cerca de 8,1 milhões de pessoas em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

“A água é essencial não só para a vida, mas também para o desenvolvimento produtivo. Garantir segurança hídrica é garantir dignidade, agricultura forte e indústria viável”, disse Lula após visitar a estrutura da EBI-3.

Caminho para um crescimento inclusivo e sustentável

A Nova Indústria Brasil representa uma guinada estratégica do governo federal para combinar reindustrialização, inovação tecnológica e inclusão social. No caso do Nordeste, a chamada pública lançada em Salgueiro exemplifica uma aposta ousada em transformar potencial em protagonismo.

Com tradição em recursos naturais, biodiversidade e energias renováveis, a região se prepara para se tornar um polo de desenvolvimento científico, tecnológico e industrial. O desafio agora é transformar investimentos em resultados duradouros, com geração de emprego qualificado e inclusão produtiva.

“A ciência é soberania, e a soberania se constrói com decisão política e investimento coordenado”, resumiu a ministra Luciana Santos.

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Simpósio da Grabois debate desenvolvimento e desafios do Brasil no cenário global https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/fundacao-grabois-debate.html