30 junho 2025

Minha opinião

Ainda tem muito jogo pela frente 
Luciano Siqueira 
instagram.com/lucianosiqueira65 

A acachapante derrota do governo na votação de esdrúxula anulação do decreto a propósito do IOF, confirmando mais uma vez o caráter conservador e de direita da maioria da Câmara e do Senado, estimula "analistas" políticos a anteciparem a medida das dificuldades que o presidente Lula poderá encontrar em 2026, numa provável tentativa de reeleição. 

Devagar com o andor que o santo é de barro, alerta o amigo Epaminondas.. 

Muito cedo para esse tipo de especulação. Mais ainda porque nas três oportunidades em que Lula se elegeu presidente da República e nas duas em que Dilma Rousseff foi vitoriosa a maioria das duas casas legislativas se constituiu por composições inicialmente adversas ao governo. 

Penosas negociações permitiram que ambos, Lula e Dilma, governassem sob o constrangimento de maioria parlamentar adversa. 

Verdade que essa correlação de forças negativa hoje se apresenta mais aguda, refletindo em boa parte a polarização radicalizada que marca a cena política do país. 

Cabe sublinhar que o mesmo eleitorado que majoritariamente elegeu deputados e senadores do contra é que votou em maioria em Lula e Dilma. 

Estamos caducos de saber que não há uma relação exata entre cargos majoritários e proporcionais na escolha dos eleitores. Pesam  muitos fatores, inclusive o eleitoralismo fisiológico local, agora exacerbado com as tais emendas parlamentares discricionárias. 

Ou seja, parcela majoritária dos eleitores honra seu compromisso com os parlamentares que supostamente trouxeram benfeitorias aos seus municípios e ao mesmo tempo sente-se livre na escolha da candidatura à presidência da República.

No próximo pleito essa dinâmica se repetirá mais uma vez? Muito cedo para prever. 

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Acerto de contas em 2026 https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/06/minha-opiniao_23.htm 

Humor de resistência

 

Enio

Leia: A dificuldade de acabar com uma guerra por procuração https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/06/russia-x-ucrania-e-agora.html

O grande negócio do futebol

Mundial de empresas: choque entre oligopólios do futebol
Capos das maiores entidades do esporte disputam a supremacia em megaeventos. Mundial de Clubes é a nova aposta da FIFA. Na Europa, a fábrica de pop-stars da UEFA enfrenta o mercado do Oriente Médio. E a real disputa, para a tristeza do torcedor, é pelo monopólio do futebol
Raphael Fagundes e Danilo Sorato/Le Monde Diplomatique 

“Ídolo máximo do Liverpool, o atacante Mohamed Salah criticou o comportamento da torcida com o lateral-direito Alexander-Arnold. De saída dos Reds após 20 anos, o defensor inglês foi vaiado ao substituir Conor Bradley no empate por 2 a 2 contra o Arsenal, pela 36ª rodada da Premier League”.1 

O mesmo aconteceu com Gerson, com venda encaminhada para o Zenit da Rússia, no Mundial de Clubes da FIFA. “O meio-campo Gerson, do Flamengo, foi vaiado pelos rubro-negros presentes no estádio Lincoln Financial Field, antes de a bola rolar para o jogo contra o Esperánce, nesta segunda-feira, na estreia do time na Copa do Mundo da Fifa”.2 

Embora a mentalidade neoliberal esteja entranhada na sociedade, alimentada por um discurso que exalta “a promoção de uma visão empreendedora e puramente econômica da vida e de todas as atividades humanas”3, elementos simbólicos ligados à questão da identidade, do sentimento de pertencimento, da emoção etc. permanecem fortes, porém são sustentados por interesses diferentes dos quais, outrora, impulsionaram a disseminação do futebol pelo mundo. 

O futebol não saiu da Inglaterra sob o comando de uma vocação econômica. Não se tratava de uma commodity cultural inglesa. Não foi a economia que se apropriou do futebol nos primeiros anos da prática esportiva, mas a política.  

Criado pela classe média como um elemento de distinção, Eric Hobsbawm explica que, nos primórdios de sua profissionalização, o esporte bretão mais parecia “uma curiosa caricatura das relações entre classes do capitalismo industrial, como empregadores de uma força de trabalho predominantemente operária, atraída para a indústria pelos altos salários, pela oportunidade de ganhos extras antes da aposentadoria (partidas beneficentes), mas, acima de tudo, pela oportunidade de adquirir prestígio”.4 Neste momento, os trabalhadores jogavam para complementar a renda. 

De acordo com o historiador Renato Soares Coutinho, a pretensão popular do Flamengo, por exemplo, só veio na década de 1930, quando surge um projeto de Estado nacionalista. A cultura popular passa a ser valorizada. A capoeira, os blocos carnavalescos, o samba etc., passam a ser símbolos da nação. “Estado e trabalhador haviam encontrado um vocabulário adequado para o reconhecimento mútuo: o nacionalismo”, destaca Coutinho. “O Flamengo foi o primeiro clube de futebol no Brasil que se apropriou do bem-sucedido discurso nacionalista estatal”. Ou seja, o Flamengo começou a investir em sua imagem popular se aproveitando do discurso político da época. 

No período entreguerras, “o Estado-nação totalitário ‘descobre’ o futebol e procura colocá-lo a serviço do interesse nacional”.5 Hitler promovia partidas internacionais para divulgar a imagem do regime nazista. E para a Copa de 1934, na Itália, “um dos cartazes promocionais do Mundial apresentava um jogador, com a bola no pé, fazendo a clássica saudação fascista com o braço estendido”.6 

Mas, após a Segunda Guerra Mundial, o Estado de bem-estar social aumentou a renda do trabalhador, ao mesmo tempo em que ampliou o período de ócio. As tecnologias de comunicação também foram aprimoradas, principalmente com a invenção e popularização da televisão. Tanto as Olimpíadas quanto as Copas “eram limitadas a poucos países, a poucos trechos das competições e com atraso de alguns dias. Contudo, na década de 1950, os russos lançaram o satélite Sputnik e 18 países europeus – e, com algumas horas de defasagem, EUA, Canadá e Japão – assistiram as Olimpíadas de 1960 pela televisão”.7 Esses elementos foram levando o futebol a se encaminhar diretamente para a cultura de massas e a transmissão televisiva torna-se a principal fonte de faturamento dos eventos.  

Assim, quando o capitalismo entra em crise nos anos 1970, a forma encontrada pelos capitalistas para manter os lucros “foi a subsunção de setores que até então também não estavam totalmente integrados à lógica do valor”.8 De acordo com o professor Wagner Barbosa Matias, o futebol foi um desses setores. 

“Até a reestruturação do modo capitalista ocorrida em meados da década de 1970, apesar de já existirem competições e campeonatos futebolísticos em todo o mundo, inclusive com grandes eventos internacionais, por exemplo, a Copa do Mundo FIFA, as receitas dos clubes e das federações eram basicamente a partir das bilheterias […] No entanto, isso ganha novos contornos com a substituição da bilheteria pela comercialização dos direitos de difusão das imagens produzidas pelos atletas como principal fonte de receita”, explica Matias.9 

Hilário Franco Júnior diz que regras como a do impedimento, a que regula o tempo que o goleiro pode permanecer com a bola na mão após ser recuada e os três pontos pela vitória nos campeonatos foram mudanças para aumentar a possibilidade de gols e de dinamizar o jogo para agradar ao público que assiste ao espetáculo.10 Segundo o historiador, “hoje, quase todo equipamento de jogadores e árbitros está disponível para o marketing, bem como os espaços dos estádios, salvo as traves e as redes, pelo caráter religioso inerente a tais locais”.11 

Jacques Attali foi perspicaz em sua observação, como cita Gilberto Agostinho em livro clássico: “Segundo o autor, o esporte vai perder sua identificação com o sentimento nacional ou regional, sendo completamente controlado não só pelas grandes corporações econômicas, como também pela mídia, com sua dinâmica vinculada às exigências de uma programação televisiva intensa, capaz de potencializar toda a emoção e a violência do jogo em um espaço como concentrado entre um comercial e outro”.12 Esse momento chegou, e os clubes já podem ser chamados de empresas. 

Operários milionários  

Hoje, a concentração de capital é tão alta que é possível pagar milhões em um funcionário quando o retorno é mensurado em bilhões. É curioso que “a desigualdade dos patrimônios, que diminuirá até 1970, parece ter retomado uma curva ascendente”13 a partir de tal década, a mesma em que, por sua vez, tem início a “indústria do futebol”.14 Thomas Piketty mostra que “a teoria mais simples para explicar a desigualdade dos salários sustenta que diferentes salários aportam diferentes contribuições à produção de uma empresa”.15 O salário aumenta de acordo com a qualificação e, no caso do futebol, o capital humano está relacionado ao jogador que mais se adequa aos padrões do espetáculo midiático. Como explica Wagner Matias, “o clube investe em capital constante – como centros de treinamento, academias e estádios – e capital variável para produzir em quantidade e qualidade de forma ininterrupta a mercadoria jogadores profissionais […] Portanto, os clubes de posse dos meios de produção e de força de trabalho se apropriam de jovens com potencial e no seu interior lapida […] neles os signos do futebol espetáculo”.16 

As competições internacionais, principais fonte de renda da FIFA, funcionam como uma vitrine. A FIFA vende o insumo “futebol” para a fabricação de outras mercadorias (roupas, desodorantes, shampoos etc.). Diferente do ‘tecnofeudalismo’, em que as Big Techs exploram o trabalho não assalariado dos usuários que cedem seus dados para tais corporações, os clubes-empresas exploram os operários da bola pagando imensos salários, já que o retorno não é apenas alto, mas porque o giro do próprio capital torna-se extremamente rápido. “Afinal, diferentemente de um bem, os espetáculos são consumidos rapidamente”.17 

Embora muitos destaquem a atuação dos países árabes para o fortalecimento da sua imagem no cenário geopolítico, jamais podemos comparar tal utilização do futebol com a promovida pelos regimes que o usaram para redefinir a identidade nacional. Os que assistem ao Mundial de Clubes até se emocionam ao ver os times latino-americanos vencerem os europeus, mas tudo se trata de um espetáculo que comercializa – assim como grande parte da indústria do entretenimento — a emoção. Os jogadores são funcionários, operários milionários, que são expostos nos campos para vender marcas. O sentimento dos torcedores, a emoção de herdar o time do pai, de chorar e gritar palavrões enquanto os jogos são assistidos são genuínas. O que mudou é que, enquanto antes o que alimentava essas emoções eram propósitos políticos, hoje são puramente econômicos. E se antes se dizia que o futebol era usado para alienar as massas enquanto os políticos faziam o que queriam, hoje ele é usado para enriquecer empresas. 

Mundial de Clubes: uma oportunidade de negócio 

Ao ser entrevistado pelo The Atlantic, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, soltou uma frase que buscava tocar o coração dos adeptos do esporte bretão: “Já era hora de alguém inventar uma Copa do Mundo para clubes. Há 100 anos, sabemos qual é o melhor país do mundo, mas, até hoje, não sabemos realmente qual é o melhor time do mundo. Então, pensamos que talvez não fosse uma ideia ruim criar uma Copa do Mundo para as equipes decidirem.”18 Era uma frase para agitar e influenciar os principais consumidores do produto futebol. Infantino, capo da FIFA, queria os olhos do planeta focados na principal competição de clubes. Mas o que estava por trás dessas declarações?  

A FIFA é a principal entidade que comanda o futebol do planeta. Segundo último balanço de contas apresentado pela entidade, espera-se que ela alcance um orçamento de US$ 11 bilhões entre os anos de 2023-202619. Um aumento significativo de aproximadamente US$ 4 bilhões em relação ao ciclo anterior entre 2019-2023. Esses números mostram o poder econômico e financeiro que a entidade máxima do esporte bretão tem arrecadado nos últimos anos sob a gestão de Infantino.  

Diante dos números, e com o objetivo de ampliar o capital, a FIFA resolveu criar um torneio de clubes que englobe todos os continentes. Dentre as finalidades estava certamente a intenção de abocanhar o mercado europeu, o mais potente economicamente do mundo. Por exemplo, na última temporada 2023/2024, o futebol europeu arrecadou cerca de 38 bilhões de euros, com um crescimento de 8% em relação a temporada anterior20. Se olharmos para as cinco grandes ligas do planeta (Espanha, Inglaterra, Itália, França e Alemanha), o valor gerado foi de aproximadamente 20 bilhões de euros. Há uma oportunidade de ganhar dinheiro para a FIFA, e ela não desperdiçou ao colocar representantes das 5 grandes ligas no torneio, bem como colocar os europeus com o número maior de vagas.

FIFA x UEFA: a disputa pelo monopólio do futebol 

É claro que a criação de um novo torneio provocaria conflitos. E o principal deles é pela disputa do monopólio do produto Futebol. A FIFA, ao reivindicar para si um torneio com 32 clubes, procurou diminuir a influência da segunda maior entidade do futebol, a UEFA. Não é novidade no meio do futebol que o presidente da FIFA, Gianni Infantino, e o presidente da UEFA, Alexander Ceferin, são rivais quando o assunto é disputar a gestão do futebol mundial. 

A UEFA, com um orçamento de 6, 777 bilhões de euros na temporada 2023/202421, tem se notabilizado com o slogan de a “maior organizadora de eventos de futebol”. Seus produtos destacam-se, tais como, a Champions League e a Eurocopa. Entretanto, nos últimos anos, Ceferin entrou em um lugar perigoso: o futebol de seleções. Ao criar um novo torneio de seleções com apenas os europeus, a Nations League, Ceferin começou a estratégia de ampliar o mercado comandado pela Europa. Essa estratégia não caiu bem na FIFA, que costuma divulgar possuir o “maior torneio do planeta”. A estratégia se ampliou na temporada passada, quando a Champions League foi reformulada, aumentando o número de clubes e jogos, com a finalidade de gerar mais receitas para a instituição.   

Sem perder tempo, e observando o movimento dos rivais, a FIFA colocou seu projeto de mundial de clubes para rodar. Apesar da pressão da UEFA e das ligas nacionais, os gigantes europeus decidiram participar do torneio após observarem qual seria a premiação. A FIFA desembolsou US$1 bilhão como premiação para todos os participantes, valor que é dividido por cada fase e também existem valores para vitória, empate e derrota. Um exemplo da importância financeira do evento, é que caso o Real Madri chegue até a final conseguirá desembolsar aproximadamente US$125 milhões. E é nesse ponto que chegamos a mais uma disputa: o modelo de clubes. 

Clubes-Sócios x Clubes-Estados: a disputa pelo modelo de gestão e pelo capital 

O Real Madri, maior clube de futebol do mundo, orgulha-se de possuir um modelo de gestão no qual os sócios do clube votam para escolher um presidente. O atual, Florentino Peréz, é considerado um dos grandes gestores de futebol do século XXI em virtude da revolução que criou ao juntar jogadores de futebol e direitos de imagem, criando verdadeiros pop-stars do futebol. Esse modelo iniciou com a 1ª geração dos galáticos entre 2001 e 2006, com jogadores como Roberto Carlos, Beckham, Zidane, Figo, etc. Depois foi aperfeiçoado com a introdução das redes sociais e a expansão da imagem, com a 2ª geração entre 2008 e 2018, e jogadores como Cristiano Ronaldo, Benzema, Di Maria, Modric, dentre outros.  

Esse modelo que foi herdado do século XX, com algumas atualizações, vem sendo ameaçado na Europa pelos chamados, clubes-Estado. São aqueles clubes que possuem a administração sendo feita por um grupo de pessoas que são ligadas a países, especificamente, aos países do Oriente Médio. Dentre os clubes que estão nesse modelo aparecem o Paris Saint- Germain, o Manchester City, dentre outros. A disputa entre os dois modelos é uma briga por quem comanda mais capital do futebol advindos das receitas ligadas a patrocínios, ingressos, premiações, etc.  

É interessante comparar os orçamentos desses dois modelos de gestão para entender que apesar das diferenças de donos, eles possuem a mesma finalidade: lucrar e alcançar o máximo de capital. Por exemplo, na temporada 2023/2024, o Real Madri conseguiu atingir 1 bilhão de euros, tornando-se o primeiro clube da história a alcançar esse valor. Seu adversário na gestão, os clube-Estados, Manchester City e o PSG, atingiu o valor de 838 e 806 milhões de euros na mesma temporada, respectivamente22.  

O Real Madri, interessado em conseguir mais dinheiro para financiar seus projetos esportivos, durante a pandemia lançou uma iniciativa que criou um problema político com a UEFA: a Superliga. O torneio, encampado por Real Madri e Barcelona, buscava ser um competidor da Champions League. O projeto foi lançado e apoiado pelos dois gigantes espanhóis, mas sofreu represálias de Ceferin que ameaçou punir esportivamente ambos, caso seguissem com essa ideia.  

Em paralelo, o PSG articulou nos bastidores apoio a Ceferin e a UEFA, juntando um grupo de times que fossem favoráveis a manter a Champions League, como principal torneio de clubes do planeta. Estava formada as alianças políticas pela disputa do capital do futebol: UEFA-PSG x Real Madri-Barcelona. Faltava um último ator para compor essa disputa. Pois não falta, a FIFA com a criação do mundial de clubes, indiretamente entrou nessa peleia ao trazer para seu torneio a benção do maior clube do planeta, o Real Madri.  

No fundo, o que se percebe da disputa acima é uma briga pelo acesso ao capital que o futebol gera no mundo. As federações disputam quem vai gerir as competições esportivas, e a consequente mais valia advinda dessas competições. Do outro lado, os clubes não apenas disputam troféus, mas querem lucrar ao máximo com valores de competição, ingressos, publicidade e transferências. E a disputa se intercruza quando federações e clubes se aliam para alcançar o monopólio do futebol. Melhor dizendo, do Soccer.  

Com esse projeto neoliberal de transformar tudo em empresa, o sentimento de torcedor está sendo manipulado por meio de um cimento ideológico que permite a reprodução dessa estrutura. Assim, o jogador é um símbolo de “mérito; individualismo; capacidade de superação e de lutar por novas conquistas; também são fundamentais para induzir os indivíduos a comprarem os produtos e serviços”.23 Não que o projeto ideológico nacionalista anterior era mais emancipatório para a humanidade, mas, no que a sua substituição nos enriquece socialmente para a construção de uma vida harmoniosa? Embora sejamos torcedores, precisamos refletir sobre tal situação. 

Raphael Fagundes é professor e Doutor em História Política pela UERJ. Danilo Sorato é professor de História e Relações Internacionais. Doutor em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisador do Laboratório de Política Externa Brasileira (LEPEB/UFF) e Pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e do Planejamento Espacial Marinho (CEDEPEM/UFF/UFPel).  Escreveu diversos artigos acadêmicos e jornalísticos sobre as relações internacionais do Brasil, em especial os governos Temer, Bolsonaro e Lula. 

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Futebol brasileiro patina na gestão de clubes e federações https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/06/decadente-gestao-do-futebol-brasileiro.html 

Postei nas redes

Grande mídia tenta se equilibrar na polêmica em torno de isenções fiscais desnecessárias e prejudiciais ao equilíbrio das contas públicas como se nada tivesse a ver com o assunto. Tremenda hipocrisia! 

Um novo olhar para a Indústria Naval https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/06/industria-naval.html

29 junho 2025

Palavra de poeta

Tecendo a manhã
João Cabral de Melo Neto  


Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

[Ilustração: Maurício Arraes]

Leia também um poema de Pablo Neruda https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/palavra-de-poeta-pablo-neruda.html

Arte é vida

 

Alice, 11 anos

Agronegócio & golpismo

De olho nos agrogolpistas
Dossiê inédito detalha quem são os 142 ruralistas e empresários do agronegócio por trás da tentativa de golpe no Brasil. De suporte logístico ao financeiro, relatório dá rosto e nome de figuras que estão longe dos olhos da justiça – e inclui bancos e multinacionais
Alceu Luís Castilho e Bruno Stankevicius Bassi, no De Olho nos Ruralistas/Outras Palavras 

Quem é o “pessoal do agro”? Quais os nomes dos empresários do agronegócio que financiaram a intentona golpista liderada por Jair Bolsonaro?

Essas perguntas pairam desde 21 de novembro de 2024, quando a Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente e outras 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado. O relatório publicado naquele dia revelou a existência do plano Punhal Verde e Amarelo: uma trama de homicídio orquestrada por membros da Forças Armadas e do alto escalão do governo. O objetivo? Decretar um regime de exceção e assassinar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). 

A participação do agronegócio no plano foi detalhada após a prisão do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em depoimento à Procuradoria-Geral da República, ele afirma ter recebido cerca de R$ 100 mil em espécie. Com notas entregues em uma sacola de vinho pelo general Walter Braga Netto, que contou a Cid sobre a origem do valor: “O general Braga Netto entregou e comentou que era alguém do agro que tinha dado, mas eu não sei o nome de quem foi que passou pra ele”.

Quem é esse “pessoal do agro” sem rosto, sem nome e impune?

Para responder a essa pergunta, De Olho nos Ruralistas lança nessa quarta-feira (25) o relatório “Agrogolpistas“, que identifica 142 empresários do setor que atuaram no suporte logístico ou financeiro a atos golpistas entre o segundo semestre de 2022 e o fatídico 8 de janeiro de 2023.

Os agrogolpistas não são apenas fazendeiros caricaturais, com chapelão e botas, nos rincões do país. Ao longo de 89 páginas, é possível encontrar o nome de bancos e multinacionais diretamente ligadas aos empresários que financiaram o terror. Eles recebem financiamento de instituições como Santander, Rabobank e John Deere. E possuem contratos de fornecimento e parceiras com gigantes como BTG Pactual e Syngenta — esta última, parte da cadeia de financiamento da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

O dado mais alarmante diz respeito à responsabilização: salvo aqueles (poucos) que foram flagrados nos atos terroristas de 8 de janeiro, nenhum dos nomes respondeu juridicamente pelo fomento ao golpe de Estado.

Durante quatro meses, o núcleo de pesquisas do observatório percorreu listas de pessoas físicas e jurídicas investigadas por contratar a infraestrutura dos acampamentos golpistas — geradores, tendas, banheiros químicos, alimentos — e por viabilizar o trancamento de rodovias de norte a sul do país.

A base de dados de financiadores de atos antidemocráticos — 551 nomes, ao todo — foi complementada pela relação dos 898 réus responsabilizados criminalmente em inquéritos do STF relativos ao 8 de janeiro e pela lista de indiciados da Operação Lesa Pátria, da PF. Por último, incluímos na análise os nomes de três fazendeiros paraenses investigados por fornecer apoio aos terroristas George Washington de Oliveira Sousa e Alan Diego dos Santos Rodrigues, responsáveis pela tentativa de atentado à bomba no aeroporto de Brasília, na véspera do Natal de 2022.

A partir desses dados, nossa equipe procurou identificar relações diretas com o agronegócio: propriedade de imóveis rurais registradas no cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou no Cadastro Ambiental Rural (CAR); sociedade em empresas agropecuárias registradas na Receita Federal; e o registro de beneficiários do seguro rural pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. No caso das empresas privadas indiciadas, a pesquisa foi estendida para seus sócios.

Ao todo, constatamos que 142 fazendeiros e empresários do agronegócio foram implicados por sua participação em atos antidemocráticos.

Eles correspondem a 10% de todos os nomes analisados ao longo da pesquisa. Esses dados podem — e provavelmente estão — subestimados, uma vez que são comuns os casos de pessoas físicas com homônimos e, devido à Lei Geral de Proteção de Dados, tanto as bases fundiárias do Incra quanto as da Receita Federal deixaram de exibir o número do CPF.

Só foram listados neste relatório os casos em que houve confirmação absoluta de relação com o agronegócio.

Dos 142 fazendeiros e sócios de empresas identificados no levantamento, 74 estão baseados em Mato Grosso, 17 em Goiás e 13 na Bahia. Os três estados respondem por 71% dos nomes consolidados pelo observatório. A relação com o agronegócio é escancarada: juntos, eles compõem o principal corredor produtivo da soja no país, responsável por 47% da safra nacional. 

Foi justamente desse eixo de onde saiu a maior parte dos caminhões identificados pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) entre os veículos estacionados em frente ao Quartel General (QG) do Exército em Brasília: 56 dos 234 caminhões enviados ao acampamento golpista tinham origem em Sorriso (MT), o maior polo produtor de soja do mundo.

Desse total, 28 pertencem a duas famílias que se interligam. Com dez nomes na lista, o clã Bedin enviou quinze caminhões para a capital federal. Unidos aos Bedin pelos negócios e pelo casamento, os Lermen enviaram treze veículos para o QG golpista.

O grupo é liderado pelo pioneiro Argino Bedin, o “pai da soja” de Sorriso. O mesmo empresário que se calou diante da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, no Senado. Quando retornou a Sorriso, quatro dias após seu depoimento, Argino foi ovacionado em um evento de gala organizado por políticos e expoentes do agronegócio mato-grossense.

O caminho que liga o Arco da Soja às movimentações golpistas passa ainda pelas organizações de representação do agronegócio: seis empresários investigados em processos relativos ao 8 de janeiro e aos acampamentos golpistas são dirigentes da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), uma das organizações fundadoras do Instituto Pensar Agro (IPA), o braço logístico da bancada ruralista no Congresso.

Entre eles, Christiano da Silva Bortolotto, ex-presidente da Aprosoja de Mato Grosso do Sul e do Sindicato Rural de Amambai (MS), onde protagoniza um conflito histórico contra o povo Guarani-Kaiowá do Tekohá Kurusu Ambá.

Confira abaixo o mapa com a origem dos agrogolpistas: 

Nenhum dos fazendeiros suspeitos de financiar os atos golpistas foi preso ou condenado por esse motivo. Os indiciados em comissões parlamentares de inquérito — tanto do Senado quanto da Câmara Legislativa do Distrito Federal — não integram a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) que definiu os seis núcleos golpistas no julgamento no STF. Também não foram processados os empresários listados na relação de donos dos caminhões flagrados no QG do Exército, divulgada pela SSP-DF. 

Mesmo com a declaração de Mauro Cid que apontou o “pessoal do agro” como responsável por financiar o plano Punhal Verde e Amarelo. Mesmo que mensagens interceptadas pela Polícia Federal comprovem que os organizadores do acampamento instavam Jair Bolsonaro a sair das quatro linhas da Constituição.

A impunidade é um dos fatores centrais trazidos pelo relatório “Agrogolpistas”. O empresariado que financiou a empreitada bolsonarista saiu até agora ileso e de imagem lavada. Aos poucos, vai ficando invisível. Como se apenas tramas verde-oliva tivessem sido os fatores decisivos para a violência institucional.

As digitais do agronegócio na engrenagem do golpe podiam ser observadas desde 2022. De Olho nos Ruralistas revelou a ponta do iceberg em um dossiê intitulado “As Origens Agrárias do Terror” — publicado apenas quatro meses após os atos terroristas de 8 de janeiro de 2023. Na época, o levantamento identificou as conexões agrárias de 44 empresários e políticos que atuaram na organização do quebra-quebra na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e nos bloqueios a rodovias em cinco estados.

Passados dois anos, pouco se avançou no sentido de responsabilizar os financiadores do golpismo no Brasil.

Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas;; Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de pesquisa do observatório.

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A polarização e a radicalização do debate público é a essência do modelo de negócio das redes sociais https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/o-brasil-e-as-big-techs.html?m=1 

Fotografia

Jerry Uelsmann

Veja: Estratégias e narrativas de comunicação na luta de ideias https://www.youtube.com/watch?v=-D1bQLShVk0 

Minha opinião

A aliança do príncipe
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65 

Certa vez, condenado a repouso forçado por haver fraturado o pé, um amigo a quem fui visitar em sua residência me recebeu com o controle remoto à mão e o olhar enfadado diante da TV: - Meu amigo, a Humanidade não tem mais jeito, nós é que somos teimosos e queremos mudar o mundo. Passo o dia aqui de canal em canal e só tem notícia ruim: calamidades naturais, corrupção, morte...

De fato. O mesmo a gente vê nesses monitores que botam em elevador de edifício comercial. Eu mesmo me divirto (se é que se pode chamar a isso diversão) contando as noticias negativas nos poucos minutos entre a portaria e o andar aonde vou.

O danado é que se poderia pelo menos equilibrar o noticiário, informando também das coisas boas da vida, exemplos edificantes de dedicação ao bem comum, conquistas notáveis da ciência e da sociedade humana. Mas parece que quem edita os noticiários é orientado para mostrar o lado ruim de nossa existência, como que nos obrigando a experimentar ainda em vida o purgatório como antessala do inferno. Virgem Maria!

Mas tem outro lado – este, infelizmente, também nada acrescenta: o das frivolidades envolvendo famosos ou candidatos a tal. Agora mesmo ao navegar em busca das últimas notícias deparo-me com a manchete que dá conta de que o príncipe William decidiu não usar aliança após o casamento com a plebeia Kate Middleton.

Perplexo, sinto-me o mais ignorante dos internautas por desconhecer o impacto dessa decisão íntima do herdeiro da Coroa Britânica para o presente e o futuro da Humanidade – que deve ser enorme, a julgar pelo destaque dado à notícia.

Tem mais. A noiva irá usar um anel de ouro dado pela Rainha Elizabeth 2ª. Portanto, além do coração do príncipe encantado, a senhorita Kate, vê-se, conquistou as boas graças da Rainha.

Supõem os repórteres que “durante a cerimônia de casamento, William irá colocar a aliança no dedo da noiva, mas ela não fará o mesmo com ele”.Claro, se ele dispensa a aliança - conclusão genial, não é mesmo?

Finda a leitura, experimentei um quê de ciúmes do príncipe e de sua amada. É que colei grau em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco com um anel emprestado pelo colega e amigo Beilton, simplesmente porque não tinha grana para adquirir um – e ninguém ficou sabendo, sequer na rádio comunitária de Água Fria, meu bairro à época, saiu a notícia! A cerimônia se deu no Ginásio de Esportes da Imbiribeira, minha mãe colocou o anel no meu dedo, o fotógrafo registrou o flagrante e, vapt vupt, guardei o dito cujo no bolso do paletó (também emprestado), com receio de perder a preciosa joia.

Inspirado no sábio Epaminondas, que sempre aconselhou não se guardar ciúmes de nada, muito menos de príncipe britânico, recompus-me incontinenti: afinal entre a recusa do príncipe à aliança matrimonial e a minha impossibilidade de obter o anel de formatura há uma distância transatlântica, que separa a família real britânica de um simples plebeu brasileiro.

(A crônica é antiga, mas a ironia segue atual).

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Graciliano Ramos e o texto no tempo das redes https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/06/expoente-da-literatura-brasileira.html

Humor de resistência

 

Gilmar

Veja: Estratégia, tática e correlação de forças https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/05/estrategia-tatica-e-correlacao-de-forcas.html?m=1 

Uma crônica de Ruy Castro

Nuvens de fumo
Os fumantes podem estar diminuindo no Brasil. Mas, com o vape, os que ainda fumam estão fumando muito mais
Ruy Castro/Folha de S. Paulo 

Há pouco, dando umas voltas por Portugal e Itália, uma cena me chamou a atenção: a naturalidade com que as pessoas, dentro ou fora de lugares públicos, acendiam seus cigarros. Lembrei-me de quando eu e a minha geração fazíamos isso no Brasil.

Éramos vizinhos de mesa na Redação da Manchete no começo dos anos 1970: Carlos Heitor Cony, o veterano e enciclopédico R. Magalhães Junior e, ainda garoto, eu. Magalhães passava o expediente numa nuvem de fumaça provocada por meus cigarros e pelos cigarros e o cachimbo de Cony. Mas, como deixara de fumar havia pouco, parecia não se incomodar com a fumigação a que era submetido —emitia, no máximo, ocasionais grunhidos. Não fazíamos por maldade —a Redação quase inteira fumava.

Todo fumante está convencido de que fuma por prazer e que deixará de fumar quando quiser. É um clichê comum a todas as dependências: a de que se usa esta ou aquela substância —fumo, álcool, drogas, inalantes, comprimidos— por vontade própria. No começo e por algum tempo, sim, e cada um a usará dentro de suas capacidades orgânicas —ninguém beberá ou se drogará demais se não for organicamente apto para absorver a substância. Como todo dependente, eu era ignorante disso.

Um dia, há 20 anos, ao aprender como funcionam as dependências, consegui deixar o cigarro. Superei a síndrome de abstinência, nunca recaí e me convenci de que nenhum ato é mais criminosamente socializado que o de fumar. Mas nisso, o Brasil, tão alérgico a boas práticas, tem sido um surpreendente exemplo para o mundo: é dos países com a maior redução de fumantes nas últimas décadas.

Essa façanha está agora em perigo diante dos cigarros eletrônicos, vendidos pela indústria como "inofensivos" e para quem quer "reduzir o fumo". A indústria é cínica e sabe que é o contrário. Um cigarro dura cerca de 15 tragadas; um maço, 300 tragadas. Um único refil de vape, 1.500, e com maior teor de nicotina. Ou seja, os fumantes podem estar diminuindo, mas os que ainda fumam estão fumando muito mais.

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Dietas: ascensão e queda https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniaocronica.html 

Palavra de poeta

corte
Cida Pedrosa 

a foice talha a vida 
a vida corta o verde 
o verde afia a dor 

o verde é sempre o mesmo verde 
a brisa é sempre a mesma brisa 
gume nos olhos da noite

a faca tece o fio de luz 
o horizonte rompe o carvão 
à meia-noite

o guerreiro 
vara a via 
bebe cana 
estende a lança 
cantacana 
catacana 
canavidavial

a cana 
rompe a veia 
rasga o verde a vida a voz

Postei nas redes

Na Austrália e Nova Zelândia — tão decantado paraíso em qualidade de vida — agência da ONU constata que 3% da população mais rica entre 15 e 65 anos consome cocaína. Capitalismo em crise rima com angústia. 

Para além das faces visíveis https://bit.ly/3Ye45TD 

Arte é vida

 

José Barbosa

Postei nas redes

Consumo global de drogas ilícitas atinge 316 milhões de pessoas, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Acrescente milhões de torpedos tóxicos instantâneos nas redes sociais e a pandemia das bets. A Humanidade sofre. 

Leia: Comunicação digital entre a virtude e a culpa e a luta política https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/minha-opiniao_13.html

Editorial do 'Vermelho'

Governo enfrenta ofensiva da direita e das oligarquias financeiras sobre o IOF
Governo e forças progressistas devem alertar e mobilizar o povo contra a ofensiva da direita que busca retirar direitos sociais em benefício dos banqueiros e rentistas
'Vermelho' 
www.vermelho.org.br   


A aprovação por larga maioria na Câmara dos Deputados e no Senado na noite da quarta-feira (25) do projeto de decreto legislativo que revoga o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), instituído pelo governo federal, representa uma disputa política de fundo no país. Já começou o grande embate político-eleitoral de 2026. Foram revogadas integralmente as alíquotas que estavam em vigor desde o dia 22 de maio, “recalibradas” pelo governo em novo decreto em 11 de junho.

As alegações foram de que, no lugar de aumentar o IOF, o governo deveria reduzir “gastos públicos” para cumprir a “regra fiscal”. Leia-se com todas as letras: corte nos direitos sociais e nos investimentos para gerar produção e emprego.

O decreto legislativo é, nitidamente, inconstitucional, posto que afronta o princípio da separação entre os três Poderes. Revoga uma medida alicerçada na prerrogativa do Poder Executivo de instituir e modular tributos e executar alíquotas de impostos previstos pela Constituição ou por leis delegadas.

O episódio traduz a realidade nua e crua da luta de classes no país, no contexto de uma correlação de forças adversa ao governo e ao povo. O Legislativo, dominado pelo consórcio da direita e da extrema-direita, tutelado pelas oligarquias financeiras, agiu, escancaradamente, para “impedir o governo de governar.” Algo que se repete na história brasileira, após as elites sofrerem derrotas nas urnas, como aconteceu em 2022.

Mostra a existência de dois comandos no Estado: o Poder Executivo, ancorado na Constituição, e o império do capital financeiro, que agiu pela combinação de seus interesses com os da maioria conservadora do Poder Legislativo, além da pressão e da tutela que exerce sobre o Banco Central “independente”, resultando na segunda maior taxa real de juros do mundo.

Impossível compreender a presente crise sem que se tenha em conta a fervura do contencioso que envolve as emendas tipificadas no chamado “orçamento secreto”. Como se sabe, em afronta à Constituição uma parcela grande do orçamento federal, cerca de R$ 50 bilhões, foi subtraída do Poder Executivo, que perdeu com isso força política e capacidade de realização.

Parte dessas emendas – dinheiro público – seguem sendo operadas sem controle algum. Daí emergiu o confronto com o STF que, corretamente, exige, tão somente, que se cumpram os princípios da transparência e rastreabilidade. De quem é autoria da emenda, a quem e a que se destina. Simples assim.

Os “gastos públicos” são, na verdade, o que o presidente Lula corretamente classifica como “investimentos” sociais e em infraestrutura, o desenvolvimento nacional. O decreto legislativo agora aprovado reforça a lógica perversa de que parte considerável do dinheiro público continue sendo destinado ao rentismo parasitário que gira a roleta do cassino financeiro pela taxa de juros do Banco Central “independente”, a Selic.

O jogo que regeu a aprovação do decreto legislativo em tela faz parte da pressão pela desvinculação dos reajustes de benefícios previdenciários do salário-mínimo e dos pisos constitucionais de investimentos em saúde e educação, além de outras medidas neoliberais. Para tanto, querem inviabilizar a continuidade da reconstrução do país, a essência da plataforma política eleita em 2022, que contempla, além das emergências sociais, a reconstrução, em bases nacionais, da indústria, dos institutos tecnológicos e de outros processos fundamentais para o desenvolvimento nacional.

A justeza do aumento do IOF, em sua versão final, se resume à questão de que ele atinge os setores da economia que há muito são os que mais acumulam o resultado da riqueza produzida, na forma de capital especulativo. É mais justo ainda porque tinha o objetivo de garantir a meta do governo de investimentos nas demandas sociais e na infraestrutura do país. Para as forças conservadoras e as oligarquias financeiras, o horizonte é a tentativa de derrotar o projeto progressista na sucessão presidencial de 2026.

É óbvio antever que essas mesmas forças que derrubaram o aumento do IOF irão atuar – aliás, já estão atuando – para obstruir e desfigurar a proposta do governo de reforma do Imposto de Renda (IR) que amplia a isenção para quem ganha até R$ 5 mil e concede desconto parcial para quem recebe acima desse patamar até o limite de R$ 7 mil por mês. 90% dos brasileiros que pagam IR (cerca de 90 milhões) estarão na faixa da isenção total ou parcial e 65% dos declarantes (mais de 26 milhões) serão totalmente isentos. O mesmo projeto propõe tributar os rendimentos acima de R$ 600 mil ao ano e que atualmente não contribuem com alíquota efetiva de até 10%.

Nesse contexto, eleva-se a importância do plebiscito popular que, além desse tema, defende o fim da jornada 6X1. Destacam-se ainda os congressos da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), que estão em estágio de realização, pelo papel destacado que jogam na mobilização da juventude em defesa da educação, da cultura, das ciências e dos direitos dos/as trabalhadores e trabalhadoras, respectivamente.

A grande mídia, em conjunção com as milícias digitais da extrema-direita, aproveita-se desse real cenário adverso para, falsamente, exagerá-lo, procurando incutir o desânimo nas bases de apoio do governo e a dispersão de seus apoiadores.

Diante dessa situação, o governo não pode permitir que o empurrem às cordas e as forças políticas e sociais que o apoiam também precisam tomar iniciativas. O presidente Lula, por sua autoridade e liderança popular, tem um papel especial a desempenhar, tanto na relação direta com o povo, quanto na articulação política.

É necessário empreender uma contraofensiva de múltiplas faces: alertar, esclarecer e mobilizar o povo, explicando e denunciando a trama da direita, dos banqueiros, rentistas, milionários que pretendem continuar sem pagar um tostão de impostos às custas do direitos sociais e do desenvolvimento do país; renovar os esforços para recompor e ampliar a base parlamentar, social, econômica, de apoio, repelindo a tentativa da extrema-direita e da direita de isolar o governo; seguir com a agenda positiva de desenvolvimento, geração de empregos, melhores salários e mais direitos ao povo e rechaçar qualquer ajuste fiscal contra os direitos dos trabalhadores e do povo; pressionar o Banco Central pela imediata redução da exorbitante taxa básica de juros.

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Leia: Nova Indústria Brasil completa 1 ano com investimentos de R$ 3,4 trilhões https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/nova-industria-brasil.html

Fotografia

 

Luciano Siqueira

Veja: Educação e ideologia na reconstrução nacional https://www.youtube.com/watch?v=L6XsaG5YTgg 

Minha opinião

Concurso de miss, oxente!
Luciano Siqueira 
instagram.com/lucianosiqueira65
 

Leio agora que "em primeira entrevista pós coroa, Eduarda Braum, 24, conta como saiu da zona rural de Afonso Cláudio (ES) e conquistou um dos principais títulos da beleza mundial".

Trata-se do concurso "Miss Supranacional", realizado na Polônia. 

Será o mesmo concurso Miss Mundo de antigamente? 

Talvez, mas nada mais sei porque não me interessei em ler a notícia inteira por pura perplexidade e uma boa dose de rejeição. 

Nesse mundo alucinante em que vivemos e onde o exibicionismo feminino ou masculino encontra múltiplas formas de se expressar através de redes sociais e quejandos, ainda é necessário que mulheres consideradas belas desfilem perante júri supostamente qualificado para assim aquilatarem a perfeição dos seus corpos? 

Que têm a dizer os sempre ofensivos movimentos pela igualdade de gênero? 

E se o tal concurso é "supranacional", que termos de comparação podem ser utilizados para verificar a beleza de uma brasileira do Sul ou do Nordeste em comparação com uma equatoriana ou suíça ou australiana ou egípcia ou moçambicana ou japonesa? 

Revoltado contra tamanha exploração do corpo feminino, resta-me recorrer ao mesmo delírio que me acomete com frequência no conturbado trânsito do Recife: "se Rei do Mundo — único, poderoso e discricionário — acabaria com esses concursos de miss no mesmo instante em que mandaria recolher todas as motos que circulam conduzidas por pilotos ensandecidos e as destinaria ao ferro velho!

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Paulo Mendes Campos: "O amor acaba" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/uma-cronica-de-paulo-mendes-campos.html

27 junho 2025

Palavra de poeta

Os três mal-amados
João Cabral de Melo Neto 



O amor comeu meu nome, minha identidade,

meu retrato. 

O amor comeu minha certidão de idade,
minha genealogia, meu endereço. 

O amor comeu meus cartões de visita. 

O amor veio e comeu todos
os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. 

O amor comeu metros e metros de
gravatas. 

O amor comeu a medida de meus ternos, o
número de meus sapatos, o tamanho de meus
chapéus. 

O amor comeu minha altura, meu peso, a
cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas
médicas, minhas dietas. 

Comeu minhas aspirinas,
minhas ondas-curtas, meus raios-X. 

Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros depoesia. 

Comeu em meus livros de prosa as citações
em verso. 

Comeu no dicionário as palavras que
poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. 

Faminto ainda, o amor devorou o uso de
meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas.

 Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde
irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas.

O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. 

Roeu as conversas, junto à bomba
de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade.

Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. 

Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. 

Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento do meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. 

Comeu o futuro grande atleta, o futuro
grande poeta. 

Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão.

Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

[Ilustração: Edvard Munch]

Leia também um poema de Bertold Brecht: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/palavra-de-poeta-bertold-brecht.html