A fortuna dos 1% mais ricos poderia
erradicar a pobreza do mundo 22 Vezes
Cláudio Carraly
A Oxfam Internacional, entidade que agrega mais de vinte organizações que têm por objetivo combater a pobreza, a injustiça e a desigualdade, lançou um relatório inédito chamado "Do Lucro Privado ao Poder Público: Financiando o Desenvolvimento, Não a Oligarquia", no qual revela dados que redefinem nossa compreensão sobre desigualdade global, a fortuna do 1% mais rico do planeta seria suficiente para eliminar a pobreza mundial por 22 anos consecutivos.
O
documento foi estrategicamente lançado antes da Conferência Internacional sobre
Financiamento para o Desenvolvimento em Sevilha. Ele apresenta evidências de
que a riqueza da elite global expandiu em impressionantes 33,9 trilhões de
dólares na última década. Esse valor é equivalente a 185 trilhões de reais,
superando o PIB de economias inteiras.
A
pesquisa da Oxfam, baseada no cruzamento de dados do Credit
Suisse, Forbes e Banco Mundial, demonstra uma realidade
paradoxal, enquanto apenas 3 mil bilionários viram suas fortunas crescerem 6,5
trilhões de dólares, esse montante sozinho excede os 4 trilhões de dólares
anuais necessários para alcançar todos os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável da ONU até 2030.
Em
contraste gritante, 3,7 bilhões de pessoas, ou seja, quase metade da
humanidade, sobrevivem com menos de 8,30 dólares por dia, segundo
critérios do Banco Mundial. Essa disparidade não é apenas estatística:
representa 3,7 bilhões de histórias individuais de privação e miséria, enquanto
uma elite microscópica concentra absurdos 43% de toda riqueza global. O
relatório identifica uma mudança paradigmática problemática na abordagem global
ao desenvolvimento. Desde a década de 1990, governos progressivamente
transferiram responsabilidades públicas para o setor privado, criando a chamada
"financeirização do desenvolvimento".
Os
números do futuro próximo são desesperadores:
- Países
do G7 planejam reduzir 28% da ajuda humanitária até 2026.
- 60% das
nações de baixa renda estão à beira do colapso financeiro.
-
Governos gastam mais com credores privados do que com saúde e educação
combinadas.
- Apenas
16% das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, estão no
caminho correto para 2030.
O
desenvolvimento global está falhando porque os interesses de uma minoria de
super-ricos são sistematicamente priorizados, os países desenvolvidos
entregaram o comando do desenvolvimento global a Wall Street,
caracterizando uma captura institucional pelo setor financeiro.
O Brasil
é como um microcosmo perfeito dos problemas globais identificados. O país
ilustra como sistemas tributários regressivos perpetuam desigualdades
históricas, impactando desproporcionalmente mulheres negras, indígenas e
periféricas, grupos que enfrentam simultaneamente crises climáticas, insegurança
alimentar e desmonte de serviços públicos. Mas a pesquisa aponta que 9 em cada
10 brasileiros apoiam tributação progressiva dos super-ricos para financiar
saúde, educação e enfrentamento às mudanças climáticas, sinalizando demanda
social por mudanças estruturais.
A Oxfam propõe
formação de alianças internacionais específicas contra a concentração de
riqueza. Brasil, África do Sul e Espanha emergem como líderes potenciais de uma
"Aliança Global Contra a Desigualdade", modelo que poderia inspirar
outros países a desafiar o status quo. Propõe ainda o abandono definitivo da
crença de que financiamento privado resolve problemas de desenvolvimento. A
proposta centra-se em:
-
Desenvolvimento liderado pelo Estado, com serviços universais de qualidade.
- Exploração
de bens públicos, em setores estratégicos como energia e transporte.
-
Rejeição do consenso neoliberal, que privatiza lucros e socializa prejuízos.
-
Tributação progressiva de patrimônios extremos.
-
Revitalização da ajuda humanitária, com meta mínima de 0,7% do PIB.
- Reforma
da arquitetura da dívida internacional.
-
Superação do PIB como único indicador de desenvolvimento.
- Apoio à
convenção tributária da ONU e esforços para substituição do G7 pelo G20.
A
Conferência de Sevilha representa uma oportunidade única para governos
escolherem entre perpetuar o sistema atual ou abraçar mudanças estruturais. Com
a presidência brasileira do G20 priorizando a tributação de grandes fortunas e
o combate à desigualdade, existe um momentum político inédito para
transformações concretas, não se tratando apenas de redistribuição de riqueza,
mas de redefinição do próprio conceito de desenvolvimento, de modelo que
enriquece poucos para um sistema que garante dignidade a todos.
Os dados
da Oxfam não apenas quantificam desigualdade, mas também
revelam que soluções são matematicamente viáveis e politicamente alcançáveis. A
fortuna que poderia erradicar a pobreza inúmeras vezes já existe hoje,
concentrada em menos de 1% da população. A questão não é capacidade técnica ou
recursos disponíveis. É vontade política global para confrontar interesses
estabelecidos e priorizar bem-estar coletivo sobre acumulação privada
ilimitada.
A
Conferência pode marcar o início dessa transformação ou confirmar que a
humanidade escolheu aceitar desigualdade extrema como inevitável. Se ao final
desta optaremos pelo conjunto da população planetária, ou seguiremos a passos
largos o caminho da barbárie.
Cláudio
Carraly - Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.
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