Nuvens de fumo
Os
fumantes podem estar diminuindo no Brasil. Mas, com o vape, os que ainda fumam
estão fumando muito mais
Ruy Castro/Folha de S. Paulo
Há pouco, dando umas voltas por Portugal e Itália, uma cena me chamou a atenção: a naturalidade com que as pessoas, dentro ou fora de lugares públicos, acendiam seus cigarros. Lembrei-me de quando eu e a minha geração fazíamos isso no Brasil.
Éramos
vizinhos de mesa na Redação da Manchete no começo dos anos 1970: Carlos Heitor
Cony, o veterano e enciclopédico R. Magalhães Junior e, ainda garoto, eu.
Magalhães passava o expediente numa nuvem
de fumaça provocada por meus cigarros e pelos cigarros e o
cachimbo de Cony. Mas, como deixara de fumar havia pouco, parecia não se
incomodar com a fumigação a que era submetido —emitia, no máximo, ocasionais
grunhidos. Não fazíamos por maldade —a Redação quase inteira fumava.
Todo
fumante está convencido de que fuma por prazer e que deixará de fumar quando
quiser. É um clichê comum a todas as dependências: a de que se usa esta ou
aquela substância —fumo, álcool, drogas, inalantes, comprimidos— por vontade
própria. No começo e por algum tempo, sim, e cada um a usará dentro de suas
capacidades orgânicas —ninguém beberá ou se drogará demais se não for organicamente
apto para absorver a substância. Como todo dependente, eu era ignorante disso.
Um
dia, há 20 anos, ao aprender como funcionam as dependências, consegui deixar
o cigarro. Superei a síndrome de abstinência,
nunca recaí e me convenci de que nenhum ato é mais criminosamente socializado
que o de fumar. Mas nisso, o Brasil, tão alérgico a boas práticas, tem sido um
surpreendente exemplo para o mundo: é dos países com a maior
redução de fumantes nas últimas décadas.
Essa
façanha está agora em perigo diante dos cigarros eletrônicos, vendidos pela
indústria como "inofensivos" e para quem quer "reduzir o
fumo". A indústria é cínica e sabe que é o contrário. Um cigarro dura
cerca de 15 tragadas; um maço, 300 tragadas. Um único refil de vape, 1.500, e
com maior teor de nicotina.
Ou seja, os fumantes podem estar diminuindo, mas os que ainda fumam estão
fumando muito mais.
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