Censura nunca mais
Cida Pedrosa*
O dia 31
de março evoca uma triste memória no Brasil. Nessa data, em 1964, forças
militares depuseram o presidente João Goulart e implantaram um regime
ditatorial que só cairia 21 anos depois.
Uma das marcas registradas daqueles anos
sombrios foi o cerceamento à liberdade de expressão. Essa medida, para impedir
que o povo tivesse acesso a informações que contrariavam os interesses dos
militares e se rebelasse contra o autoritarismo, atingiu principalmente a
imprensa e a classe artística. Quem não lembra ou não ouviu falar do exílio
imposto a Caetano Veloso e Gilberto Gil? A perseguição feroz a Chico Buarque,
que tinha praticamente todas as suas canções censuradas?
Pois bem. Às vésperas do aniversário de 58
anos do golpe, deparamos com um caso explícito de censura à liberdade de
expressão. E o que é pior: o ataque partiu de uma esfera de poder que deveria
assegurar o cumprimento da Constituição: o judiciário. Mas, durante o festival
Lolapallooza, em São Paulo, uma bandeira de Lula, erguida por Pabllo Vittar
durante o show, resultou na aplicação de multa de R$ 50 mil ao festival pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No entendimento do ministro Raul Araújo –
provocado por uma ação movida pelo Partido Liberal, de Jair Bolsonaro –, a
artista estava fazendo propaganda política antecipada. Ele não só multou, como
também proibiu outras manifestações semelhantes durante o festival, o que
desencadeou uma reação em cadeia, com o evento se transformando num caldeirão
antibolsonarista. O tiro saiu pela culatra e o infeliz processo foi
arquivado a pedido do próprio autor da ação.
A decisão do ministro Raul Araújo, considerada
arbitrária por muitos juristas, feriu descaradamente o artigo 5° da Constituição
Federal, que assegura a liberdade de expressão a todo cidadão e cidadã
brasileiros. Mais do que isso: soou como censura prévia quando advertiu
que outros artistas não poderiam manifestar opinião política no evento.
Até onde se sabe, quem não pode fazer
propaganda política antecipada são políticos e candidatos – curioso é que há
muitos outdoors espalhados pelo Brasil, exaltando Bolsonaro, e nenhum juiz
entendeu que se trata de um ato de campanha eleitoral, mandando retirá-los.
O ministro confundiu uma manifestação
espontânea com propaganda política e não considerou que essa manifestação
ocorria num evento privado, feita por uma cidadã que tem o direito
constitucional de expressar livremente o que pensa.
Se não tivesse sido arquivada, a decisão do
ministro poderia abrir um precedente perigoso. Ainda mais num governo que gosta
de exaltar o AI-5 e que não esconde sua simpatia por torturadores e regimes
autoritários. Felizmente, como afirmou a ministra Carmem Lúcia, “cala a
boca já morreu” e a reação do público deixou bem claro que ninguém está com um
pingo de saudade de 1964.
*Vereadora
pelo PCdoB no Recife, poeta, vencedora do Prêmio Jabuti
.
Atenção aos
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