Como
a Big Data coloniza a Educação brasileira
Unisinos
Google e Microsoft criam
parcerias com secretarias estaduais. “Gerenciam” dados públicos valiosos.
Lucram com o ensino remoto – e com o desmonte da infraestrutura digital das
universidades. Como, então, regular essa captura de autonomia?
O avanço das tecnologias
digitais desenvolvidas por grandes empresas como Google e Microsoft sobre
a educação pública no Brasil tem
causado preocupação entre pesquisadores da área. Um processo cujos marcos
iniciais se deram a partir de meados da década passada na educação superior,
principalmente devido à demanda crescente por infraestrutura para
armazenamento de e-mails nas instituições, cujos orçamentos vêm passando por
sucessivos cortes ano após ano, mas que se espraiou com velocidade também na
educação básica, em decorrência da demanda criada pela adoção do ensino remoto durante
a pandemia de Covid-19.
Nesta entrevista, o
pesquisador Leonardo Cruz, da Universidade
Federal do Pará (UFPA), membro da Rede
Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits),
argumenta que a dependência crescente dos serviços públicos em relação a
empresas como a Google é motivo de alerta, uma
vez que ainda há muito pouca transparência sobre o que é feito dos dados
educacionais obtidos de milhões de estudantes, professores e gestores a partir
do uso de ferramentas desenvolvidas pelas empresas.
Para ele, a apropriação privada de
uma quantidade enorme de dados digitais produzidos pelos serviços públicos
brasileiros e seu armazenamento em data centers localizados nos Estados
Unidos — cujas leis que regulamentam o acesso a esses dados são
mais flexíveis e não têm sido capazes de conter vazamentos frequentes — levanta
dilemas políticos que precisam ser encarados com urgência.
A entrevista com Leonardo
Cruz, pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA) e
membro da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e
Sociedade (Lavits) é de André Antunes,
publicada por EPSJV/Fiocruz,
11-01-2023.
Eis a
entrevista.
Você
utiliza o conceito de ‘capitalismo de vigilância’ como
chave de leitura para compreender o processo de avanço das tecnologias digitais
sobre a educação pública. Pode falar mais sobre ele?
O conceito foi criado pela
socióloga estadunidense Shoshana Zuboff. Ela foi
a primeira autora que conseguiu dar uma forma teórica a um modelo de negócio,
um novo avanço do capitalismo digital, a possibilidade de criar um mercado
sobre os dados gerados nas nossas comunicações mediadas pelas tecnologias digitais.
Ela começou a pesquisar isso com a digitalização dos escritórios, na década de
1980 ainda, quando começaram a pensar as possibilidades de conhecimento e
controle sobre um espaço através dos dados que ele gera.
Isso começou a se dar através
de um controle do trabalho dentro dos espaços
informatizados, datificados. E um ponto interessante é que o começo da
exploração desses dados se deu a partir de dados gerados automaticamente no
funcionamento de qualquer programa conectado em rede, por uma questão da
própria organização do programa: que máquina conectou com que máquina, que
horas essa máquina entrou no sistema, que horas saiu, o que foi comunicado
entre uma máquina e outra. São dados utilizados com um propósito de
funcionamento da internet, das redes, da possibilidade protocolar de
comunicação entre computadores. O pulo do gato é que agora já existem dados que
são coletados especialmente para vigilância econômica.
Mas a princípio começaram a ver
que esses dados eram valiosos como forma de conhecimento sobre uma população.
Essa primeira população foram os trabalhadores de escritórios. Foi a Google quem
teve a ideia pioneira de conhecer como as pessoas utilizam seus aplicativos e
plataformas e entender como ela poderia utilizar isso como commodity dentro de
toda a estrutura capitalista.
As empresas mais valiosas
do mercado financeiro hoje
têm atividades voltadas a coleta de dados e produção
de plataformas. E isso se tornou uma mercadoria muito valiosa, altamente
centralizada, monopolizada por um pequeno número de grandes empresas e que
agora estrutura as demais esferas da sociedade, sobretudo a educação pública, o
trânsito, as comunicações, várias esferas de trabalho, de sociabilidade. E isso
começa a entrar no nível infraestrutural, o que torna a gente cada vez mais
dependente dessas plataformas.
Como
esses dados viram mercadorias?
O processo é assim: existe uma
quantidade enorme de dados que são produzidos na utilização das ferramentas,
por exemplo, da Google. Ela consegue coletar esses
dados em grandes bancos de dados e através do trabalho de sociólogos,
psicólogos, cientistas de dados, etc., contratados pela Google, consegue
dar um sentido a esses dados, um sentido de informação, consegue agrupá-los por
idade, por desejos, bebidas que tomam, os lugares que saem, horários que saem à
noite, e transformam aquilo no que ela chama de produtos de previsibilidade.
Esse é na verdade o grande mercado da Google.
Nós somos a matéria-prima para
a produção desses produtos de previsibilidade que são vendidos para quem tiver
interesse em dados sobre previsão de comportamento de um certo grupo social.
Isso pode ser uma agência de publicidade, um partido político, etc. Então
a Google começa a projetar a sua expansão como
empresa a partir da lógica de quais dados seriam interessantes para venda e
criar plataformas que possam coletar esses dados. Informações que sejam
interessantes para agregar usuários, que os usuários usem aquilo e ao mesmo
tempo os dados possam ser utilizados. Dados sobre trânsito, sobre e-mail, sobre
interesses, sobre educação, sobre serviços públicos.
Ela começa a expandir os seus
serviços de software e
de plataformas, vai plataformizando o trânsito, por exemplo, oferece uma gama
de softwares que
através da inteligência artificial e dos dados que elas tomam formam uma ideia
de trânsito, as ruas começam a ser alteradas a partir do uso disso. Na educação é a mesma
coisa: ela oferece uma gama de softwares para
as instituições de ensino, para que elas os utilizem e as empresas consigam
acesso a dados relacionados a essa esfera. As empresas mais valiosas do mercado
financeiro hoje têm atividades voltadas a coleta de dados e produção de
plataformas.
E isso se tornou uma mercadoria muito valiosa,
altamente centralizada, monopolizada por um pequeno número de grandes empresas
e que agora estrutura as demais esferas da sociedade, sobretudo a educação
pública, o trânsito, as comunicações, várias esferas de trabalho, de
sociabilidade. E isso começa a entrar no nível infraestrutural, o que torna a
gente cada vez mais dependente dessas plataformas.
O problema é que a gente não
sabe o que é feito com esses dados. O que sabemos do Facebook é
porque alguém vazou documento interno. O que a gente na nossa pesquisa sabe
sobre as universidades ou secretarias de educação que fizeram acordos com
a Google, a gente teve que fazer um software para
conseguir os dados. As empresas não falam sobre seu modelo de negócio. Não
existem dados consolidados, os termos de uso e as políticas de privacidades são
muito confusas.
Quais os
marcos iniciais desse avanço das tecnologias digitais sobre a educação pública
brasileira e quais as empresas que atuam por aqui?
A gente coletou dados da América
do Sul especialmente sobre a educação básica no Brasil e
nas universidades públicas da América do Sul. As
duas únicas empresas que oferecem esses serviços são a Google e a Microsoft. Os
serviços são as plataformas educacionais com infraestrutura de hardware. A Google tem
a Google for
Education e a Microsoft tem
a Microsoft
Education, que são suítes de softwares para serem utilizados na
sala de aula. Você tem por exemplo o Google
Classroom, no qual você coloca atividades e os alunos
preenchem; você tem interação remota com os alunos, eles colocam os trabalhos;
tem o Drive que é
de colocar arquivos; o Google
Meet, de interação remota.
Enfim, há vários aplicativos
que foram transformados em aplicativos educacionais. Para você ter acesso a
esses aplicativos você tem que ter uma conta Google, um email. A Microsoft é a
mesma coisa. Todas as big techs,
como a gente chama – a Microsoft,
a Google, o Meta [que
controla o Facebook e o Whatsapp],
a Apple e a Amazon —
todas elas têm softwares educacionais. É um ramo que agora está começando a ser
disputado por essas empresas. E existe uma gama enorme de outras empresas,
startups, etc, que produzem softwares educacionais, mas sem a infraestrutura.
Por exemplo, tem softwares
abertos como da Next Cloud, o Moodle faz softwares educacionais.
Só que essas empresas não oferecem infraestrutura, que é um grande gargalo, uma
parte que essas grandes empresas centralizam muito. São data centers, computadores
que conseguem armazenar e processar essas informações. Grande parte das
vantagens da Google, principalmente na educação
superior, é a infraestrutura que elas têm: espaço de armazenamento de e-mails,
de processamento de um software de edição de vídeos, que é o que o setor
público não consegue mais gerir. É um ponto do avanço dessas empresas.
Em que
sentido?
As universidades públicas não
têm mais dinheiro para bancar estrutura de e-mail. Grande parte dessa procura
pela Google e pela Microsoft se
deu por uma falta de orçamento. Esses cortes que historicamente estão incidindo
sobre a educação incidem diretamente na capacidade dessas instituições de
gerirem parque tecnológico, comprar servidores, e-mails, HDs. É uma demanda que
sempre cresce, a demanda de informações numa instituição. É um processo
conhecido de avanço privado sobre o setor público. Você cria uma necessidade
para o setor público através do enforcamento orçamentário. O sucateamento do setor público é
a possibilidade de ele oferecer menos serviços, que começam a ser oferecidos
pelo setor privado.
E a educação foi fortemente
atingida por isso. A grande escalada de acordos das universidades com a Google e Microsoft foi
a partir de 2016, quando houve um enfraquecimento orçamentário das instituições
superiores de ensino no Brasil, o que fez avançar a privatização desse serviço.
Posso dar o exemplo da Unicamp [Universidade
Estadual de Campinas]. O orçamento da Unicamp tem uma rubrica para um programa
de manutenção do parque tecnológico da universidade, que é o dinheiro investido
na infraestrutura tecnológica. A Unicamp fez
acordo com a Google no começo de 2016.
Um ano antes esse orçamento
havia caído de R$ 3 milhões em um ano para R$ 800 mil. Então eles não tinham
mais condições financeiras de manutenção. Isso aconteceu também na UFPA, que
entrou em acordo com a Google no começo de 2019. Quando eles foram atrás
da Google, produziram um documento que dizia que o
armazenamento de e-mails da instituição estava com 95% de espaço utilizado, e
o CTIC, o centro de tecnologias informacionais da UFPA,
estava começando o segundo ano consecutivo sem orçamento para nada. Tudo que
eles tinham era via editais. E estavam com 5% de espaço livre para armazenar os
e-mails de toda a UFPA. Esse é um ponto crítico, e
por isso eles foram atrás da Google principalmente
para gerenciamento de e-mails no começo de 2019, que foi quando boa parte das
universidades federais foram atrás da Google.
A gente viu até fins de 2018 as
universidades estaduais aderindo fortemente a essas plataformas e as
universidades federais não, porque elas estavam restritas por um decreto de
2013 que impedia que a administração pública federal tivesse dados em nuvem.
Toda administração pública federal tinha que ter um servidor próprio ou aderir
a serviços de instituições públicas federais. Então as universidades federais
não podiam fazer acordo com a Google. Isso
foi até dezembro de 2018, quando o [presidente Michel] Temer derrubou
esse decreto. E aí em 2019 a gente vê boa parte das universidades fazendo
acordo com a Google e com a Microsoft.
E na
educação básica, isso se dá com a adoção do ensino remoto durante a pandemia?
Na verdade, já havia antes
da pandemia a criação de uma
estrutura para isso na educação básica. Boa
parte dos acordos já haviam sido feitos entre as secretarias estaduais de educação
e a Google para oferta de infraestrutura,
principalmente com estrutura de acesso de e-mails institucionais. Na secretaria
estadual de São Paulo e do Pará, por
exemplo, em 2019 a Google já
estava ensinando como usar os aplicativos, etc. Mas antes da pandemia era só
para o aluno ter um e-mail de comunicação institucional com a secretaria
escolar, com a escola e para utilização de alguns recursos se os professores
quisessem.
Com a pandemia há uma
utilização massiva desses aplicativos. Aí a questão das relações entre educação
e tecnologia começa a tomar forma, a educação baseada em dados, em princípios
do vigilantismo de dados, a datificação das relações empregatícias. A
secretaria do estado de São Paulo, por
exemplo, obrigou os professores a utilizarem o Google Classroom porque era através
dele que eles conseguiam controlar o trabalho dos professores durante a pandemia. Esse
foi o grande avanço dessas empresas na pandemia, principalmente em relação à
educação básica: a datificação das relações em sala de aula, que até então era
um espaço não mediado por dados, não apropriável.
Entre as secretarias estaduais
de educação, 50% delas tem e-mails em servidores da Google e
da Microsoft; 33% em servidores da Google e
17% em servidores da Microsoft. E 50% em servidores próprios. Entre os
institutos federais de educação é mais problemático. Em março de 2022, 70% dos
emails dos institutos estavam armazenados em data centers na Google e
2,5% na Microsoft, sendo 27,5% em servidores
próprios. São data centers que estão fora do país, sem nenhuma segurança
institucional com relação ao armazenamento desses dados.
Quais os
riscos disso?
O problema na educação
superior é que são dados da produção científica e
tecnológica do país. São e-mails que a gente manda para o orientador, para as
revistas acadêmicas, comunicações de pesquisa. Esses dados estão em servidores
fora do país sem nenhuma segurança jurídica. Existem leis de segurança
dos Estados Unidos que permitem o acesso a
esses dados, e esses dados já foram acessados. Por isso que a
[presidente] Dilma [Rousseff] fez o
decreto proibindo que as instituições públicas federais tivessem dados em
nuvens.
Na educação básica, eu acho
que o problema tem a ver com as relações pedagógicas mesmo, a datificação das
relações. Em termos gerais, a ampla utilização desses aplicativos,
principalmente aqueles centralizados em uma mesma empresa, faz com que essa
empresa tenha dados objetivos sobre a educação nacional. Você sabe quanto o
aluno demorou para fazer qual lição, qual o tempo que ele demora mais para
fazer, onde ele acessa a informação, que lugar ele estuda. Se você começa a
coletar todos esses dados do Brasil todo você tem um diagnóstico sobre a
educação pública no país, só que ele é privado.
São dados privados, de
propriedade da Alphabet [que controla a Google], ou
da Microsoft. E que são dados aos quais as
próprias secretarias estaduais de educação não têm livre acesso. Elas conseguem
acessar aquilo que a empresa permite. Então você tem uma nova camada de
conhecimento sobre a educação pública brasileira,
que é privada. Isso é precioso para a produção de políticas públicas, para as
análises educacionais do Brasil.
Especialmente
em um contexto em que entidades privadas têm tido cada vez mais interlocução
nos diferentes níveis de governo para a formulação de políticas públicas na
educação, com movimentos como o todos pela educação, por exemplo…
Exatamente. Você tem relações
entre a Google o Instituto Lemann, por
exemplo, eles fazem várias coisas juntos, assim como o Instituto
Natura, e outros nesse conjunto de instituições privadas. Eles fazem
eventos juntos sobre educação, sobre essa nova visão sobre educação, estão
produzindo políticas públicas. Isso tem a ver com toda essa visão de relação
público-privada na educação que é uma das fontes do sucateamento da educação
pública, uma visão neoliberal sobre o Estado.
Mas outro problema que eu vejo
é a datificação das próprias relações pedagógicas, as
relações entre professor-aluno, entre o aluno e o conteúdo, entre o professor e
o gestor. O aprendizado do aluno, por exemplo, começa a ser medido, baseado em
métricas. Quanto tempo ele demora para fazer tal coisa, quais as suas
facilidades e dificuldades. As relações entre os gestores também começam a se
dar por métrica e análise da dados. Isso é um paradigma pedagógico novo,
imposto por uma estrutura econômica, mercadológica, um modelo de negócios que
incide sobre as relações educacionais.
O grande problema de se pensar
tecnologias principalmente na educação é
não se pensá-las criticamente: quem está oferecendo essas tecnologias, por que
elas estão entrando na sala de aula? Temos que discutir quais são os interesses
por trás desse avanço das tecnologias sobre a
educação. Temos que perguntar por que essas tecnologias estão sendo
utilizadas. A gente perdeu isso.
Existe uma ideia muito
disseminada de que essa estrutura tecnológica é
neutra, e que não existe alternativa. Não se pensa a centralidade disso, como
isso está inserido dentro de fluxos econômicos, de trabalho, políticos. Não se
pensa a questão da segurança desses dados, da dependência tecnológica. No meio
da pandemia, se a Google hipoteticamente falasse
não vou mais fazer negócio com o Brasil, a
educação ia parar.
Não havia nenhuma outra solução
para isso, nenhuma estrutura. A primeira vez que o Whatsapp saiu
do ar por medidas judiciais houve cidades em que a polícia não tinha mais
comunicação, que ambulância não tinha mais comunicação. A única forma de
comunicação era Whatsapp, porque rádio estava
tudo quebrado por falta de manutenção.
Esse
processo de avanço das tecnologias digitais sobre a educação tende a continuar
após o retorno das aulas presenciais?
Acho que houve nessa pandemia
uma valorização dos potenciais da educação a distância, e
já se começou a conversar sobre o ensino híbrido, por exemplo, como solução
para resolução de problemas da educação. A questão é essa visão de que as
tecnologias informacionais se prestam a solucionar problemas sociais, incluído
os da educação. Por exemplo, aqui no Pará a
gente vai ter que lutar contra a informatização da educação da floresta, porque
é um gasto levar professores para comunidades isoladas no
meio da floresta amazônica. Antes da pandemia isso já era proposto.
A tele-educação, educação
a distância, em todos os níveis de educação, como forma de baratear a educação
pública. Essa pandemia forçou a gente a entrar mais em contato,
aprender a usar, a pensar rapidamente em uma estrutura de como isso poderia ser
utilizado, inserir isso nas práticas pedagógicas. Esse eu acho que é um caminho
bem forte. E não só na educação. É uma questão de avanço sobre todo o serviço
público.
Boa parte das reuniões que eu
faço aqui com os professores começa a ser remota, os eventos começam a ser
remotos, porque solucionam parte do problema. Você vai fazer um evento
acadêmico com o preço da passagem muito cara, não tem mais orçamento para
eventos em uma universidade por causa dos cortes orçamentários, e você já tem
toda uma estrutura pronta, um aprendizado.
A lei
geral de proteção de dados, que entrou em vigor em 2020, em meio à pandemia,
trouxe algumas limitações em relação ao tratamento de dados. A LGPD trouxe
algum avanço em relação à proteção de dados na educação?
A Lei foi um grande avanço, é
muito importante ter uma regulação sobre a utilização de dados. Só
que a meu ver ela não impede esse modelo de negócios, só coloca uma estrutura
do tipo como deve ser produzida os termos de uso ou as políticas de
privacidade, que leis elas devem seguir.
Agora com a LGPD,
a Google teve que atualizar a sua política de
privacidade. E ainda não está boa. Tem vários pontos obscuros ali que a própria
lei não conseguiu apertar para conseguir as informações. Mas antes disso tinha
partes da política de privacidade deles que eram em inglês. A parte sobre o que
eles fazem com seus dados era em inglês, o resto em português. Aí um documento
referencia outro, que referencia um outro.
Tem cinco documentos que você
tem que ver para saber o que eles podem fazer ou não. A [Shoshana] Zuboff fala que um
dos golpes do capitalismo de vigilância é
tomar para si os direitos de privacidade. Há um deslocamento da privacidade.
Não é algo que possa ser requerido pelos usuários, mas é algo que é amplamente
utilizado pelas empresas, porque os algoritmos são propriedade industrial,
ninguém tem acesso a isso, a gente não sabe o que eles fazem com os dados. Eles
estão sempre buscando brechas legais para transferir os dados para os Estados Unidos.
Então a LGPD não
é suficiente para barrar o avanço da datificação da educação como um modelo de
negócios. Isso cria uma roupagem institucional, mas o problema continua.
Como essa
questão tem sido tratada em outros países nos quais a google tem atuado? Isso
gerou alguma jurisprudência de controle que poderia servir de parâmetro para o
Brasil?
Atualmente há um embate entre
a União Europeia e as empresas do capitalismo de vigilância dos
Estados Unidos. As atividades que a Google faz
com os dados em grande parte ocorrem porque eles transmitem os dados para
os Estados Unidos, e as leis de lá são mais
permissivas.
Esse é o grande problema que
a Google está tendo na Europa,
porque a Corte de Proteção de Dados europeia proibiu a transferência de dados
para os Estados Unidos, justamente porque as leis de
lá são incompatíveis com as leis de proteção de dados da Europa.
Recentemente, a Google foi impedida de atuar
sobre o setor público na Alemanha por
exemplo. Isso já aconteceu na Noruega também. Também teve casos nos de estados
dos Estados Unidos que processaram a Google por ela estar monitorando e-mails
dos alunos, o que ela disse que não faria.
É importante reforçar que o
avanço dessas empresas deve ser entendido como um problema público. Muitas
vezes quando participo de eventos as pessoas pensam muito em ações individuais.
Não tem como individualmente pensar em soluções para isso, porque é um problema
que é imposto a coletividade através da inserção das tecnologias
no serviço público. Temos que pensar maneiras de solucionar
isso a partir da ação pública.
Uma das coisas que a gente está
propondo é a produção de infraestrutura pública para os dados públicos; que
cada estado, cada universidade, tenha um centro de armazenamento e
processamento de dados — data
center. Um investimento em infraestrutura pensando na segurança
desses dados.
Outra coisa interessante que
está acontecendo também é uma discussão na sociedade civil, encabeçada
pelo Comitê Gestor da Internet, de uma regulação das plataformas,
e aí há a possibilidade de retirar os serviços públicos do mercado de dados. É
uma distorção muito grande nas relações público-privadas, como é o caso da
educação: para gozar de um serviço público você necessariamente tem que
participar de um mercado privado de dados. Não tem opção. Precisa-se pensar em
formas regulatórias de retirar o serviço público do mercado de dados.
O
multifacetado tempo presente https://bit.ly/3Ye45TD
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