A QUINTA TEMPORADA DE ‘THE CROWN’
Os antigos valores da família real britânica e o crescente
movimento antimonarquista estampam os novos episódios do seriado
MAYARA
MOREIRA MELO, revista Continente
A quinta temporada de The Crown se tornou, com razão, uma das mais aguardadas e debatidas da série. Lançada apenas dois meses após a morte da rainha Elizabeth II, figura central do seriado e bastante presente na cultura pop e midiática. Entre o dia do falecimento da monarca, no dia 8 de setembro, até a estreia da nova temporada de uma das séries mais caras da Netflix, foram longas semanas de expectativas do público. A espera estava não apenas em assistir à nova interpretação da rainha, por Imelda Statuton, mas como o príncipe Charles, agora rei, seria apresentado em um dos períodos mais polêmicos e difíceis de sua vida.
Situada nos anos 1990, a
nova temporada de The Crown acompanha
o declínio do relacionamento entre Charles e Diana, além das divergências entre
Charles e a rainha Elizabeth, sua mãe, a respeito do futuro da monarquia.
Pontos sensíveis, principalmente após a morte da rainha e a posse de Charles
III, depois de décadas de espera (a rainha da Inglaterra reinou por 70 anos).
Com isso, narrativas como a defasagem da monarquia inglesa começam a ser cada
vez mais frequentes. Além disso, pela primeira vez, vemos o arco de William ser
apresentado, exibindo sua adolescência e sua integração ao colégio Eton, o que
permite um gancho a ser desenvolvido na sexta e última temporada.
A velhice de personagens
como Margaret, irmã da rainha, e principalmente da própria Elizabeth II é
constantemente destacada como uma estratégia para humanizar e sensibilizar quem
assiste ao arco central, o enfraquecimento da monarquia britânica. Sinais
físicos do envelhecimento dos membros da família real, assim como rememorar as
velhas relações e tradições, nos resgatam constantemente a sensação de que o
sistema monárquico começa a se apresentar cada vez mais obsoleto e
ultrapassado.
A temporada se inicia e se
encerra com o iate real Britannia, apresentado como uma expressão flutuante da
rainha. De forma metafórica, o iate apresenta seus pontos gastos e a
necessidade de reparos, acabando por ser desativado. Além desta, outras
analogias reforçam esse discurso, como as transformações da TV, que se
popularizou durante o trono de Elizabeth II e, com a chegada das novas
tecnologias, a televisão no palácio tornou-se desatualizada, pela ausência de
canal a cabo, tendência da época, e a restrita fidelidade à BBC, canal
britânico.
O desgaste da monarquia e
o crescente movimento antimonárquico são observados ainda, na série, por meio
de personagens emblemáticos como Diana, com excelente interpretação de
Elizabeth Debicki. Um exemplo é sua famosa entrevista ao jornalista Martin
Bashir, da BBC, na qual a princesa detalha problemas como sua bulimia, sua
depressão pós-parto e seu desamparo, por parte tanto do príncipe de Gales
quanto da família real, diante dessas dificuldades. Soma-se a isso o caso
extraconjugal de Charles com Camilla Parker. As declarações de Diana foram
apresentadas não apenas como uma traição da então futura rainha, mas também da
emissora que, desde a sua concepção, vinha mantendo forte laço e devoção à
família real.
Em recente minissérie
da Netflix, Harry e Meghan (2022), o filho
caçula de Diana e Charles fala abertamente sobre como a sua mãe foi enganada
pelo jornalista para conceder a entrevista, ponto bem presente em The Crown, após a investigação realizada em 2020
concluir que foram utilizados métodos ilegais e antiéticos para isso. O
príncipe aborda como Diana e outras mulheres da família real foram expostas e
exploradas, mas que, diferente das demais, sua mãe precisou lidar sozinha com a
situação, principalmente após o divórcio.
Apesar de apresentar,
com cuidado, os pontos que envolvem Diana, boa parte da narrativa dessa
temporada da série é dirigida a Charles, ao apresentar pontos vulneráveis, como
o caso do Camillagate. Um ano após o divórcio com Diana, é exposta, pela mídia,
uma conversa íntima entre o príncipe de Gales e Camilla Parker que revela o
relacionamento entre os dois. Os bastidores da história, diferente da temporada
passada, narram com precisão a forma como o príncipe Charles lidou com a
separação, os escândalos com seu nome e os constantes conflitos de ideias com
sua mãe.
Também neste período,
fim da década de 1990, Hong Kong deixou de ser colônia britânica, alimentando a
sensação de vulnerabilidade do império. Fatores esses que urgiam uma
necessidade de estratégia para a sobrevivência da monarquia britânica e
intensificavam a frágil relação entre Elizabeth II e Charles. A rainha levava
consigo os princípios do reinado da rainha Victoria, um império inanimado e
anglicano, em cujos valores o príncipe de Gales não convinha. A crença em uma
reforma constitucional e em um estado laico, somada à ambição por assumir o
trono, levou Charles a, por vezes, se opor à sua soberana e a levar esses
confrontos à mídia, como a pesquisa divulgada pelo Sunday Times,
que mostrou o público preferindo o afastamento da rainha e sendo a favor de seu
filho.
Os anos 1990 também
foram marcados pela fragilização dos casamentos, com três divórcios de três
filhos da rainha: Anne, princesa real; André, duque de Iorque; e o mais
complexo e midiático, o príncipe Charles. Diante dessas circunstâncias, nos é
apresentada a criação do Conselho de Guerra Informal, um grupo destinado a
gerenciar exclusivamente os conflitos na família, uma espécie de força-tarefa
para assessorar a realeza inglesa em casos de envolvimento em escândalos e
polêmicas, como uma forma de garantir a sobrevivência da monarquia. A ação
evidencia a fragilidade e a insegurança que a família real se encontrava, com
dilemas morais, ideológicos e religiosos quanto a questões como as contraditórias
relações extraconjugais e os comportamentos da família mediante a imprensa e o
público.
Em Harry e Meghan (2022), o príncipe apresenta ainda
as semelhanças dele com sua mãe, por se guiar pelo coração e lutar por causas
sociais e humanas. Aspectos que possivelmente serão desenvolvidos, assim como o
enredo do seu irmão William, na sexta temporada de The Crown, que se passa nos início dos anos 2000.
Segundo o diretor, Peter Morgan, a série não se aproximará dos dias atuais,
preferindo detalhar mais o contexto exibido na quinta temporada.
Por fim, a penúltima
temporada de The Crown retrata, com uma
riqueza de detalhes, a instabilidade da família real frente à modernidade dos
novos tempos, de modo que os jovens e mais velhos da realeza passam a lidar e
encarar esses desafios de maneiras distintas. A expectativa para a sexta
temporada é, com certeza, alta, mesmo que a série não se aproxime dos tempos
atuais, possivelmente estará situada entre o final dos anos 90 e os primeiros
anos do novo século, permitindo uma identificação mais intensa dos espectadores
ao recordarem os acontecimentos abordados.
MAYARA MOREIRA MELO, jornalista em
formação pela Universidade Católica de Pernambuco e estagiária da Continente.
O
mosaico da vida que segue https://bit.ly/3Ye45TD
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