A economia mundial e a inserção do Brasil
Os investimentos em setores dinâmicos da nova matriz econômica,
necessariamente, terão neles a base produtiva e a inclusão das nações em
situação privilegiada tem no seu domínio fator decisivo.
Abraham B.
Sicsú/Vermelho www.vermelho.org.br
Difícil compreender qual o papel que um país tem no jogo internacional. Como melhor se posicionar num mundo competitivo em que, queiram ou não, as relações comerciais se fazem presentes e são determinantes sobre as condições de vida e riqueza de uma nação. Muitos são os aspectos a considerar, sejam econômicos, sociais, políticos, ambientais e mesmo ideológicos. A política externa é determinante para o modelo de desenvolvimento adotado e as tendências de uma economia capitalista.
As críticas à maneira como um país se insere são várias e, atualmente, chegam a ser ostensivas. Conversar com Venezuela, Cuba e Nicarágua é um crime de lesa a Pátria, dizem os analistas e a mídia especializada.
Parte-se da ideia de que o Brasil é o guardião de conceitos pouco claros como democracia liberal e portanto, deve condenar e se afastar de qualquer país que não siga esse ideário. Também deve ser o arauto dos direitos humanos e como tal condenar veementemente qualquer país que os transgrida.
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Somos defensores intransigentes desses direitos, mas, não conheço nenhum país que colocou essa questão de princípios acima de seus interesses econômicos. Vejam, por exemplo, as relações dos Estados Unidos com a Arábia Saudita, ou da Rússia com a Síria. Deve-se discordar e expressar as discordâncias mas deixar de relacionar-se civilizadamente em nada contribui para alterar a situação, cria barreiras que dificultam em muito a comércio e a estratégia de integração, além de colocar-nos como apêndices da política externa dos países centrais e seus interesses.
Em 1989, com a queda do Muro de Berlim, acreditou-se que o mundo entrava numa nova era em que a hegemonia americana era determinante das relações internacionais. Um mundo unipolar em que as diretrizes da política externa dos países passariam necessariamente pelas orientações que de lá viessem. As relações econômicas teriam que se adequar a esse modelo. E nele a globalização atingiria seu ápice, as vantagens competitivas dos países seriam os únicos parâmetros a nortear o comércio internacional.
No entanto, com o surgimento da China como potência, esse cenário se reverte e novos fatores passam a ser fundamentais. A geopolítica internacional agrega aspectos de liderança e poder em diferentes espaços. As novas tecnologias são armas importantes de dominação e influência. Escalas jamais vistas de produção, novas cadeias de suprimento modificam o panorama internacional e fazem repensar o papel a desempenhar nesse novo mundo.
A revolução tecnológica em andamento aponta para novos processos, entre eles a manufatura 4.0 e uma nova matriz tecnológica. Novos campos tecnológicos se apresentam: novos materiais surgem, a nanotecnologia se aprofunda, a biotecnologia passa a ser a base da agricultura moderna, novas fontes de energia vão ganhando espaço, entre outros. E nesse mundo que vai se configurando, tecnologia passa a ser fator chave. Automação, controles e interconectividade são sua lógica, seu modelo dinâmico de produção. Os investimentos em setores dinâmicos da nova matriz, necessariamente, terão neles a base produtiva e a inclusão das nações em situação privilegiada tem no seu domínio fator decisivo.
Como dificilmente um país consegue acompanhar essa dinâmica autonomamente, faz-se necessário que se articule e, dentro de suas possibilidades reais, estruture espaço para uma efetiva participação. Surge, então, importância fundamental de alianças estratégicas e formação de blocos.
Numa análise do mundo atual pode-se notar que, pelo menos três grandes grupos de países têm lideranças de grandes potenciais. Sua integração passa por fatores econômicos, mas não só, alianças políticas, segurança de suprimento, identidade de povos e nações, entre outros, são relevantes.
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Os Estados Unidos continuam sendo o grande líder do ocidente, seja pela potência econômica que é, seja pelo poderia militar, tecnológico e diplomático que apresenta. Mas vê sua liderança fortemente ameaçada pela China que, nos anos recentes, teve forte penetração em diferentes mercados periféricos como os das Américas e da África. Disputa extremamente aguerrida que tem gerado conflitos e posições extremadas, além de restrições empresariais, dos então ditos únicos hegemônicos.
Também, não se pode menosprezar a Comunidade Européia e o papel que Alemanha e França representam. E, nesse aspecto, a guerra atual da Rússia com a Ucrânia mostrou a forte dependência desses países de suprimento externo.
Está se ressaltando que se inserir nesse cenário não é fácil e passa por uma estratégia bem definida. É esse o ponto a discutir para o Brasil. Nos últimos anos, abrimos mão dela, não definimos qual nossa posição, por considerar apenas aspectos ideológicos e ver um fantasma dos países que eram governados pela esquerda ou centro esquerda. Atrelamos nosso papel no mundo às orientações vindas da América do Norte de Trump. Dificultamos nossas relações com a China, com a América do Sul e com a África. Com isso, nosso mercado externo se encolheu quase que apenas para commodities, esquecemos importantes mercados em que tínhamos vantagens competitivas, inclusive para manufaturados, como o Mercosul e países do continente africano. Pior, ignoramos o papel que podemos desempenhar como ligação entre os grandes blocos, papel que pode alavancar nosso comércio exterior.
O Brasil, estando no grupo de países fortemente influenciado pelos Estados Unidos, tem também relações bastante intensas com a China, nosso principal parceiro comercial hoje. Sendo isso verdade, tem-se a condição de ser, efetivamente, uma ponte entre os dois blocos, ser uma ligação entre os mesmos. As conexões serão sempre indispensáveis e trazem vantagens aos países que as desempenham. Vejam, por exemplo, o papel que a Finlândia desempenhou na ligação Ocidente-Oriente, Estados Unidos-Rússia.
Para exercer esse papel alguns pré-requisitos são necessários. Em primeiro lugar, é fundamental exercer um papel de liderança com os periféricos. Legitimar-se como líder na América do Sul e Central, participar efetivamente das articulações na África, região em que a China teve uma penetração extraordinária nos últimos anos.
Outro aspecto muito relevante é o das escalas de produção. Blocos como o Mercosul ampliado são fundamentais para tal. Não só porque nele temos a vantagem de sermos a mais eficiente e sofisticada matriz produtiva industrial, o que significa potenciais consumidores, mas, também por termos complementaridades relevantes. Atingir escalas relevantes nas cadeias globais e aproveitar nichos de mercado que a nova matriz produtiva vem criando passa por uma consolidação dessas relações.
Ser um elo de ligação entre as dinâmicas dos dois grandes centros da economia mundial, sem dúvida, é meta para ser alcançada e nos coloca em posição vantajosa para a melhoria das condições econômicas do país.
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Nesse cenário, uma mudança de postura já observada neste início de Governo passa a ser básica. A questão ambiental e as questões de gênero, uma visão ética que tenha no centro a valorização da sustentabilidade é ponto que faz parte da agenda para a participação no novo contexto da globalização. E, nesse aspecto, o terceiro centro, a Comunidade Européia, é referencia para as principais cobranças que temos tido. A simples mudança de postura já vem trazendo recursos e sua observação na prática pode ser importante eixo de transformações e atrações de investimentos para o nosso País.
Por fim, mais um entrave a ser discutido. Evidentemente que o direcionamento atual da política externa vai nessa direção. Mas, é fundamental um planejamento de médio e longo prazo. Planejamento que tenha em sua raiz o convencimento dos capitais que aqui atuam, ou venham a se interessar, de que terão vantagens significativas se for exitoso esse rumo.
Nessa direção, importante mostrar o quão inconsequente são críticas que não compreendem que o Brasil precisa resgatar a liderança na América do Sul e Central, que nada se tem a ganhar com um isolamento em relação a países dos quais discordamos de suas políticas internas, que interferências em outros países podem ser indevidas e fragmentam alianças que são tão necessárias para nossa inserção mundial.
As novas posturas apontam para uma posição que melhora em muito nossa inserção internacional, com fortes impactos na nossa economia e sociedade.
Nem sempre a aparência é igual à essência
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