17 março 2023

Trabalho escravo

Trabalho escravo, indenizações ínfimas e infames

Fábio de Oliveira Ribeiro/Jornal GGN

 

As notícias de trabalho escravo nas vinícolas do Rio Grande do Sul são chocantes, inclusive e principalmente por causa do envolvimento de policiais militares. Os trabalhadores foram humilhados, ameaçados, espancados e obrigados a viver em locais que não atendem condições mínimas de habitação. Algo semelhante ocorreu em outros Estados da federação com trabalhadores de outras atividades agroindustriais (carvoeiros baianos, por exemplo).

Isso não é apenas o resultado do desmantelamento da estrutura de fiscalização durante o governo Jair Bolsonaro. Na verdade, desde o golpe de 2016 e da posse de Michel Temer o Estado brasileiro passou a incentivar a superexploração desumana dos trabalhadores rurais e a premiar os barões do agronegócio como se eles fossem o que existe de mais moderno na estrutura produtiva brasileira.

O agro é ogro. Ele nunca foi pop.

Apesar dos lucros exorbitantes auferidos pelos neo-escravocratas, o resultado da ação deles será catastrófico. Centenas, talvez milhares ou dezenas de milhares de trabalhadores ficaram e ficarão traumatizados acreditando que são indignos de proteção da legislação. O comprometimento internacional da imagem do Brasil é evidente e acarretará danos econômicos duradouros ao país. Vários países europeus já começaram a parar de importar produtos agroindustriais brasileiros.

E para piorar, uma parte da imprensa está se esforçando para minimizar as indenizações que terão que ser pagas aos trabalhadores. Esse é o caso específico do jornal O Globo, jornal que comemorou o fato das vinícolas terem concordado em pagar R$ 9.661,00 a cada trabalhador. O valor dessa indenização é ridículo. 

Vinícolas pagarão R$ 9.661 em indenização a cada trabalhador resgatado em condição de escravidão no RS Acordo com o Ministério Público do Trabalho prevê que Aurora, Salton e Garibaldi paguem R$ 2 milhões em indenização por dano moral; valor será dividido igualmente entre os 207 funcionários resgatados. g1.globo.com  

Por volta de 2013 advoguei para dezenas de trabalhadores submetidos a revistas abusivas numa unidade do Carrefour. As indenizações fixadas pelo TRT/SP oscilaram entre 15 mil e 30 mil reais (26 mil e 52 mil reais em valores atuais).

Seres humanos humilhados, ameaçados, agredidos, obrigados a morar num pardieiro sofrem um dano moral gravíssimo. Não é preciso ser um especialista em Direito do Trabalho para reconhecer que os empregados que foram tratados como escravos não devem receber uma indenização menor do que aquela devida aos empregados revistados abusivamente num supermercado. Portanto, é evidente que o valor das indenizações a serem pagas pelas vinícolas deveriam ser duas, três vezes ou até cinco vezes maior do que os valores acima mencionados.

Tudo bem pesado, o que será pago pelas vinícolas às suas vítimas é ínfimo e infame. Ele funciona como um prêmio para os barões do ogro-negócio que se tornaram escravocratas. Não só isso, a indenização chega a ser uma ofensa adicional à dignidade dos trabalhadores espancados, humilhados e tratados como animais de carga.

Certamente alguns dirão aqui que o acordo firmado não impossibilita os ofendidos de reclamar na Justiça. Todavia, é preciso lembrar que nem todos farão isso. Por outro lado, ao julgar os processos daqueles que eventualmente ajuizarem reclamações trabalhistas alguns juízes que se consideram simpáticos aos “negócios como de costume” poderão fixar indenizações menores levando em conta a boa vontade dos empregadores voluntariamente que anteciparam uma parte do valor das indenizações aos seus empregados.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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