Trabalho escravo, indenizações
ínfimas e infames
Fábio de Oliveira Ribeiro/Jornal GGN
As notícias de trabalho escravo nas vinícolas do Rio Grande do
Sul são chocantes, inclusive e principalmente por causa do envolvimento de
policiais militares. Os trabalhadores foram humilhados, ameaçados, espancados e
obrigados a viver em locais que não atendem condições mínimas de habitação.
Algo semelhante ocorreu em outros Estados da federação com trabalhadores de
outras atividades agroindustriais (carvoeiros baianos, por exemplo).
Isso não é apenas o resultado do desmantelamento da estrutura de
fiscalização durante o governo Jair Bolsonaro. Na verdade, desde o golpe de
2016 e da posse de Michel Temer o Estado brasileiro passou a incentivar a
superexploração desumana dos trabalhadores rurais e a premiar os barões do
agronegócio como se eles fossem o que existe de mais moderno na estrutura
produtiva brasileira.
O agro é ogro. Ele nunca foi pop.
Apesar dos lucros exorbitantes auferidos pelos
neo-escravocratas, o resultado da ação deles será catastrófico. Centenas,
talvez milhares ou dezenas de milhares de trabalhadores ficaram e ficarão
traumatizados acreditando que são indignos de proteção da legislação. O
comprometimento internacional da imagem do Brasil é evidente e acarretará danos
econômicos duradouros ao país. Vários países europeus já começaram a parar de
importar produtos agroindustriais brasileiros.
E para piorar, uma parte da imprensa está se esforçando
para minimizar as indenizações que terão que ser pagas aos trabalhadores. Esse
é o caso específico do jornal O
Globo, jornal que comemorou o fato das vinícolas terem
concordado em pagar R$ 9.661,00 a cada trabalhador. O valor dessa indenização é
ridículo.
Vinícolas pagarão R$
9.661 em indenização a cada trabalhador resgatado em condição de escravidão no
RS Acordo com o Ministério Público do Trabalho
prevê que Aurora, Salton e Garibaldi paguem R$ 2 milhões em indenização por
dano moral; valor será dividido igualmente entre os 207 funcionários
resgatados. g1.globo.com
Por volta de 2013 advoguei para dezenas de trabalhadores
submetidos a revistas abusivas numa unidade do Carrefour. As indenizações
fixadas pelo TRT/SP oscilaram entre 15 mil e 30 mil reais (26 mil e 52 mil
reais em valores atuais).
Seres humanos humilhados, ameaçados, agredidos, obrigados a
morar num pardieiro sofrem um dano moral gravíssimo. Não é preciso ser um
especialista em Direito do Trabalho para reconhecer que os empregados que foram
tratados como escravos não devem receber uma indenização menor do que aquela
devida aos empregados revistados abusivamente num supermercado. Portanto, é
evidente que o valor das indenizações a serem pagas pelas vinícolas deveriam
ser duas, três vezes ou até cinco vezes maior do que os valores acima mencionados.
Tudo bem pesado, o que será pago pelas vinícolas às suas vítimas
é ínfimo e infame. Ele funciona como um prêmio para os barões do ogro-negócio
que se tornaram escravocratas. Não só isso, a indenização chega a ser uma
ofensa adicional à dignidade dos trabalhadores espancados, humilhados e
tratados como animais de carga.
Certamente alguns dirão aqui que o acordo firmado não
impossibilita os ofendidos de reclamar na Justiça. Todavia, é preciso lembrar
que nem todos farão isso. Por outro lado, ao julgar os processos daqueles que
eventualmente ajuizarem reclamações trabalhistas alguns juízes que se
consideram simpáticos aos “negócios como de costume” poderão fixar indenizações
menores levando em conta a boa vontade dos empregadores voluntariamente que
anteciparam uma parte do valor das indenizações aos seus empregados.
Fábio de Oliveira Ribeiro,
22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo
religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo
que nos transforma em seres realmente humanos.
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