30 agosto 2023

A onda fascista e os desafios da comunicação

O enfrentamento da extrema direita e o papel da imprensa

Claúdio Carraly*



Nos tempos contemporâneos, a ascensão da extrema direita e a disseminação de discursos de ódio têm provocado profunda inquietação na sociedade global. A utilização desses discursos, como uma tática para ganhar espaço na mídia tradicional, tem alimentado uma onda fascista que se espalhou mundo afora, minando os valores fundamentais da democracia, da tolerância e da diversidade. Diante dessa conjuntura, é imperativo explorar estratégias pela imprensa e pela sociedade democrática para responder de maneira eficaz a essa tática sem cair na armadilha de se tornarem meios de propaganda para os extremistas de direita. Analiso o papel da imprensa, os desafios que ela enfrenta e como apresentar abordagens fundamentadas e aprofundada s para preservar a integridade da informação e defesa da democracia.

O crescimento da extrema direita nas últimas décadas tem sido marcado pela exploração de discursos de ódio como uma estratégia para ganhar visibilidade e influência. Grupos e líderes extremistas perceberam a eficácia desse método que alimenta a polarização da sociedade, promovendo a criação de bodes expiatórios, explorando ansiedades e medos nascidos da ignorância coletiva. Discursos que promovem o ódio racial, sexual, religioso, político e cultural são frequentemente utilizados para criar uma narrativa que apela às emoções das pessoas, desviando a atenção de questões mais complexas e profundas. Trazem como solução ao conjunto desavisado da sociedade solu&cced il;ões imediatistas e voluntariosas.

No entanto, é crucial compreender que a adoção desses discursos de ódio não é uma novidade na história. Hannah Arendt, filósofa alemã de origem judaica,  analisou profundamente a ascensão do totalitarismo no século XX. Em sua obra "Origens do Totalitarismo", ela destacou como líderes totalitários manipularam as massas por meio de discursos carregados de ódio, criando um ambiente propício para a supressão de liberdades individuais e a erosão das instituições democráticas. Arendt alertou sobre a importância de reconhecer os sinais precursores desse tipo de regime e da necessidade de resistir à disseminação do ódio como estratégia política.

Para além da antevisão do fenômeno, ainda em seu nascedouro é preciso atuar de forma determinante para enfrentar diretamente seus defensores e mostrar para a população que o que esses apresentam são respostas vazias que não vão de fato resolver as questões fundamentais. Por vezes as parcela intelectualizadas, seja na política, imprensa e formadores de opinião em geral, acham que o discurso dos próceres de extrema direita são tão rasos, erráticos, beirando o ridículo, que não vão encontrar aderência na sociedade, infelizmente a historia já mostrou que estamos errados e o presente só confirma esse fato.

A imprensa livre tem uma função vital em uma sociedade democrática, sendo a responsável por informar o público, promover a transparência e fiscalizar o poder. No entanto, a ascensão da extrema direita trouxe à tona uma série de desafios para essa imprensa, colocando em risco sua integridade e seu papel como veículo que apresenta os fatos como eles são. Um desses desafios é a exploração dos discursos de ódio como uma maneira de atrair audiência e ganhar relevância na mídia tradicional. Fato que elevou nomes da extrema direita que receberam muito espaço da mídia tradicional exatamente por gerar discussões draconianas mas que ao mesmo tempo deram a esses o espaço gratuito e exposição que necessitavam para levar seu discurso para o maior número de pessoas possível, daí o que vimos foi o ovo eclodir em serpente.

Para compreender como a imprensa pode responder a essa tática, é válido recorrer às ideias de Walter Lippmann, jornalista estadunidense e teórico da comunicação, em sua obra "Opinião Pública", ele discutiu como a imprensa molda a percepção pública e como a realidade é mediada pelas representações midiáticas. Ele enfatizou a importância de um jornalismo responsável, baseado em fatos verificáveis e na busca pela verdade. Nesse contexto, é fundamental que a imprensa se mantenha fiel aos princípios do jornalismo ético, recusando-se a dar espaço desproporcional a discursos de ódio e adotando uma abordagem crítica na cobertura de eventos relacionados à extrema d ireita.

Aqui mesmo compreendendo os interesses comerciais da grande mídia o fato é que quando a notícia é apresentada, essa deve ser um fato, mesmo que o editorial critique, discorde e até acentue as cores ao sabor de seus interesses. Lógico que o ideal é que isso não ocorresse, por isso a importância de uma imprensa cada vez mais livre e independente, mas não podemos fugir da “realpolitik”, porém o que vimos ocorrer no passado histórico e vem se repetindo hoje, não sabemos se como farsa ou tragédia, é que a ascensão de mídia alternativa de extrema-direita negando a verdade, descontextualizando fatos e até revisando a historia, fez que uma imensa parcela da sociedade fosse jogada em um ambiente particular onde tudo q ue vinha da mídia tradicional fosse tergiversado sob o manto de que a verdade real é a que ele desfrutava em sua bolha e fora dela nada era fato, mesmo quando a verdade era irrefutável.

Uma das principais defesas dos extremistas de direita é dizer que estão sendo tolhidos em sua liberdade de expressão. Essa falácia afirma que o discurso de ódio é apenas uma livre exposição do pensamento. A liberdade de expressão é essencial para o progresso da sociedade, permitindo a exposição de opiniões divergentes e a busca coletiva e salutar pela verdade. No entanto, a liberdade de expressão como todo direito tem seus limites, e esse limite é a lei, quando uma posição apresentada representa um dano, incentivo a crime, violência, racismo, homofobia, misoginia, ou qualquer forma de opressão a minoria e ao diverso, isso não é direito de expressão é apenas e tão somente crime e como crime deve ser tratado pela sociedade.

Portanto, a imprensa e a sociedade democrática devem buscar abordagens que combatam o discurso de ódio sem abrir espaço para falsas dicotomias, quando se abre espaço equivalente para quem defende o aquecimento global e quem é contra, mesmo sabedores de que imensa maioria da comunidade cientifica comprova esse fato, a imprensa faz o jogo da desinformação e da extrema-direita. Uma estratégia é o jornalismo investigativo, que expõe as raízes ideológicas e os objetivos dos extremistas de direita, desmascarando suas falsas narrativas. A exposição crítica, baseada em evidências, pode enfraquecer a influência desses grupos ao revelar suas contradições e seu distanciamento da realidade, não aceitando respostas rasas e sem base teórica e questionando prontamente essas informações.

Um pilar fundamental na resposta à utilização de discursos de ódio é o investimento no jornalismo de qualidade e na educação midiática da população. A sociedade democrática deve reconhecer a responsabilidade compartilhada entre jornalistas, veículos de comunicação e cidadãos para promover a precisão, a imparcialidade e a análise crítica das informações. Sendo fundamental também  o fomento de uma imprensa não vinculada as grandes corporações de mídia, até para servir de contraponto editorial e também na fiscalização dessas.

Nesse sentido, a abordagem de Paulo Freire, pedagogo e filósofo da educação, é relevante. Em sua obra "Pedagogia do Oprimido", Freire destacou a importância da educação como prática de liberdade, capacitando os indivíduos a compreenderem criticamente o mundo ao seu redor. Uma população educada midiaticamente é mais capaz de discernir entre discursos embasados em fatos e aqueles que visam manipular as emoções e espalhar o ódio. Investir em programas educativos que abordem a análise crítica da mídia e a identificação de narrativas extremistas é uma estratégia poderosa para conter a propagação do discurso de ódio, desmascarando todos aqueles que aparecerem apresenta ndo soluções simples para questões complexas.

*Advogado, ex-Secretário estadual-adjunto de Direitos Humanos
Variados retratos da vida https://tinyurl.com/35yp9kjm

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente conteúdo. A imprensa tem papel importante para evitar que o discurso de ódio é fake News se propaguem.

Cláudio Carraly disse...

Obrigado pelo retorno é muito importante para avaliação. Abraços