No restaurante submarino
Moacyr Scliar
Jerônimo me liga. Tenho uma grande notícia, diz, a voz estranhamente excitada para quem é, habitualmente, um homem reservado. Uma grande notícia, repete, acrescentando que pelo telefone não dá para dizer. Propõe um almoço conjunto: nós dois, mais Hélio e Sadi. Onde, pergunto, um tanto inquieto. No restaurante submarino, ele responde. Pondero que é meio longe; além disso a época não é muito apropriada para ir ao restaurante submarino; chove e faz frio. Por isso mesmo vamos lá, diz Jerônimo, não quero que nos vejam. Aliás, já telefonei e reservei o restaurante só para nós.
Acabo concordando. Que remédio? Jerônimo é conhecido por sua tenacidade, por sua férrea determinação. Não há o que não consiga, dizem todos.
De carro, dirijo-me para o local onde fica o restaurante submarino. Na estrada, passo por Hélio, que me olha com uma expressão de interrogação. Pelo visto, também ele não sabe do que se trata.
Chego à praia, deixo meu carro no estacionamento. Ali já estão os carros dos outros. Sou o último, como sempre.
Caminho ao longo do antigo cais, na extremidade do qual foi construído o restaurante. Entro no hall, cumprimento o discreto gerente, desço uma escada em caracol. O restaurante propriamente dito fica abaixo do nível do mar. Por suas janelas, escotilhas, melhor dizendo, pode-se apreciar a fauna marítima da região.
Jerônimo e os outros lá estão, numa mesa de canto. Cumprimento-os, tomo assento. Estão falando sobre banalidades. Mas Jerônimo está radiante, vê-se.
Um alto-falante, colocado logo acima de nossas cabeças, range e emite um silvo agudo. — Alô — diz uma voz de homem. — Alô, alô. Testando, testando. Um, dois, três, um, dois, três. Testando, testando.
Uma pausa, e a voz prossegue:
– Senhores, bem-vindos ao restaurante submarino, o único de seu gênero no Brasil. A direção deseja que se sintam como em suas casas. Enquanto saboreiam nossos deliciosos pratos, daremos algumas explicações sobre os seres marinhos que nos rodeiam. Voltaremos em instantes. Por ora, obrigado.
Hélio, que não conhecia o lugar, está maravilhado: que beleza de instalações, diz. Que coisa bem bolada.
– Atenção — o alto-falante, de novo. — Senhores, sua atenção, por favor. Aproxima-se de nós, vindo do sul, um polvo. O polvo, senhores, não é peixe, mas sim molusco. Repito: molusco. E aí está o nosso herói!
Trata-se, com efeito, de um pequeno polvo. Passa lentamente diante de nossa escotilha e desaparece.
Sensacional, brada o entusiasta Hélio. Sensacional, este lugar, Jerônimo! Jerônimo não diz nada; sorri, apenas.
O alto-falante de novo:
– Atenção. Estamos vendo agora um cação. Esse peixe é parente próximo do tubarão, o assassino dos mares.
Vai-se, rápido, o cação.
Chega o garçom, com uma grande travessa. Tomei a liberdade de encomendar para nós, explica Jerônino. Vocês vão gostar. É robalinho. Muito bom. Muito bom, mesmo.
Não gosto de peixe, diz Sadi, preferia camarão. Seu tom tem algo de ressentido; mas já Jerônimo está pedindo ao garçom que providencie camarões. Como não, senhor, diz o homem, e se afasta.
Jerônimo ergue o copo: a nós, diz. Bebemos, e depois o silêncio cai sobre nós, um silêncio que a mim (mas sou meio paranoico) parece opressivo. Inclino-me para Jerônimo:
– Vamos lá, conte o que você tem a nos dizer.
Jerônimo toma mais um gole de vinho. Bom, este vinho, comenta. Limpa os lábios com o guardanapo, olha-nos — sorrindo sempre — e anuncia:
– O homem está liquidado. Cai na semana que vem. E o cargo, é quase certo, será meu. Posso contar com vocês?
Mas você é um gênio, exclama Hélio. Um gênio mesmo, concordo. Só Sadi é que não diz nada. Olha pela escotilha: há um cardume ali. O alto-falante não diz o nome deles mas sou capaz de apostar: são bordalos, também conhecidos como robalinhos. Fitam Sadi com seus olhos inexpressivos.
'Memória de livros', uma crônica de João Ubaldo Ribeiro ambientada em Aracaju https://tinyurl.com/mu856afs
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