11 junho 2024

África do Sul: e agora?

Eleições na África do Sul: partido de Mandela precisará compor com adversários

Ana Prestes*/Fundação Maurício Grabois

 

No dia 29 de maio os sul-africanos foram às urnas. Realizaram votações em nível nacional e provincial (estados) para eleger uma nova Assembleia Nacional e parlamentos estaduais. A nova Assembleia Nacional irá escolher o novo presidente do país, que a depender das negociações pode ser o atual, Cyril Ramaphosa, para os próximos 5 anos. Será a 7a eleição geral na África do Sul desde o fim do apartheid em 1994, quando Mandela foi eleito presidente com o partido ANC (Congresso Nacional Africano) tendo obtido 62,5% das 400 cadeiras do parlamento nacional. E será a primeira vez em que o ANC não alcança mais de 50% dos votos.

Após 3 décadas de domínio da política nacional, desde 1994, a situação do ANC deixou de ser confortável nas eleições e, no último dia 29, obteve apenas 40,21% das cadeiras do parlamento nacional. Obrigatoriamente, haverá composição com um ou mais partidos para se atingir mais de 50% da casa legislativa e assim poder escolher o presidente do país. Alguns números importantes: a população hoje é de 62 milhões de pessoas na África do Sul, das quais 27,7 milhões estavam registradas para votar em 23 mil postos de votação espalhados pelo país A África do Sul está dividida em 9 estados ou províncias e possui 257 municípios. Esta foi a primeira eleição com candidatos que se inscreveram como independentes de partidos.

Os 4 partidos que estiveram em melhores condições para disputar a maioria no parlamento nacional foram: ANC (Congresso Nacional Africano), DA (Aliança Democrática – partido da oposição liberal formado principalmente pela minoria branca), MK (Umkhonto we sizwe – Lança da Nação – organizado pelo ex-presidente Jacob Zuma após seu rompimento com o ANC) e o EFF (Combatentes pela liberdade econômica – do ex-líder da juventude do ANC, Julius Malema). Hoje o ANC possui 230 das 400 cadeiras, o DA possui 84 e o EFF 44. O resultado das urnas determinou que o ANC precisará trabalhar em uma composição para formar maioria para que seja escolhido o/a presidente e vice-presidente. A votação indicou as seguintes porcentagens: ANC com 40,21% (159 cadeiras), DA com 21,78% (87 cadeiras), MK com 14,59% (58 cadeiras) e EFF com 9,51% (39 cadeiras). As demais cadei ras estão pulverizadas entre 26 partidos que fizeram melhor votação entre os mais de 50 que apresentaram candidatos.

Diante dos resultados, no domingo 2 de junho, o presidente Cyril Ramaphosa conclamou os partidos com as maiores votações a dialogarem para formar governo. Mas, por trás desta fachada institucional, a situação interna no ANC é bastante tensa. Os rompimentos produzidos com o ex-presidente Jacob Zuma e o ex-líder da juventude do ANC, Julius Malema, deixaram muitas feridas que teriam que ser neutralizadas para um bom diálogo com o MK e o EFF. A força política e o apoio popular de Zuma vem da região de KwaZulu Natal, uma das províncias que historicamente mais apoio deu ao ANC desde a vitória sobre o apartheid, mas que já vinha dando sinais de descontentamento nas últimas eleições dando votos ao partido do dissidente à esquerda, Julius Malema (EFF). Já com o DA, as diferenças são profundas e, em grande parte, para além do racismo e da xenofobia, a votação deste partido liberal vem justamente de seus ataques aos anos de governo do ANC e suas dificuldades para superar entraves econômicos e se desfazer das suspeitas de corrupção.

Do ponto de vista da presença internacional da África do Sul, três frentes podem sofrer alguma alteração com a mudança de governo. A dos BRICS, a da defesa da causa Palestina e a missão da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral) liderada pelo país na República Democrática do Congo, segundo maior país da África. As forças armadas da África do Sul também estão presentes em Moçambique e Ruanda. Sobre os BRICS, o partido DA recentemente soltou um comunicado em que alega que a presença do Irã e da Arábia Saudita no BRICS +10 criam um bloco ao qual a África do Sul não deveria pertencer. Sobre a Palestina, o DA reivindica a neutralidade da África do Sul em oposição ao protagonismo do país hoje na CIJ (Corte Internacional de Justiça da ONU) para acusação de Israel por genocídio contra o povo palestino.

Nos próximos dias, vamos acompanhar com atenção o desenvolvimento da formação do novo governo de coalizão da África do Sul. Este país estratégico do continente africano e do sul global, cujo governo, até este momento, ao lado de Brasil, Rússia e China, participa da construção de uma perspectiva que cada vez mais desestabiliza o hegemonismo dos EUA.

Ana Prestes é Secretária de Relações Internacionais do PCdoB

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