Participação social é caminho para um mundo em crise sanitária e climática
Pela primeira vez em 77 anos uma resolução sobre participação social na Saúde é aprovada pela OMS. Mudanças climáticas e impactos na saúde global também deram o tom da reunião
Viviane Claudino e Luiz Filipe Barcelos/Le Monde Diplomatique
A última edição da Assembleia Mundial de Saúde (AMS), finalizada em 31 de maio, em Genebra, mostrou a necessidade dos 194 países membros da ONU acharem novos caminhos para a saúde global. A falta de consenso a respeito de um tratado sobre pandemias escancara o embate entre projetos e modelos de saúde, trazendo o reconhecimento da necessidade de mudança de uma agenda sobre o tema frente a um mundo em que mudanças climáticas extremas são realidade.
Nesse sentido, uma resolução inédita que legitima a participação social em Saúde foi aprovada pelo conjunto de países, tendo a delegação brasileira como protagonista na construção do texto inspirado na experiência do Sistema Único de Saúde (SUS). O texto, aprovado por consenso, sugere que a sociedade civil influencie na tomada de decisões em todo ciclo das políticas públicas de saúde, por meio de uma governança participativa que implique várias modalidades de escuta à sociedade de forma transparente, em todos os níveis dos sistemas.
A proposta de resolução sobre Participação Social em Saúde foi proposto por 27 países do Norte e Sul globais com diferentes espectros de renda e desenvolvimento, apontando que essa não é uma demanda e necessidade de países pobres, mas uma agenda que interfere também em grandes potências econômicas, como Alemanha e Estados Unidos (também signatários da resolução).
“Um novo espectro de saúde pública não será possível enquanto governantes não escutarem as necessidades locais, numa lógica ascendente de construção de territórios saudáveis. Isso fica muito claro quando vemos como as mudanças climáticas têm impactado na saúde e como o mundo precisa de novas perspectivas de saúde pública. Nesse ponto o SUS tem muito a contribuir.”
A fala do presidente Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e delegado oficial da 77ª AMS, reforça os avanços do modelo brasileiro diante das adversidades em seus 36 anos de construção. O texto do documento é baseado na experiência acumulada pelo Controle Social do SUS, tendo o CNS como um dos principais articuladores da aprovação.
Em 2023 o colegiado esteve na 76ª Assembleia Mundial da Saúde e lançou a ideia para criação de uma resolução que estendesse o modelo de participação social brasileiro para outros países. No Brasil, a participação da população na formulação de políticas públicas é garantida na Constituição Federal e regulada pela Lei nº 8.142 a partir da criação de conselhos de saúde e conferências de saúde, nas três esferas de governo, para incidir nos processos de decisão, definição e execução de políticas públicas de saúde.
Essa experiência tem sido debatida desde então e um Grupo de Trabalho junto à missão permanente do Brasil em Genebra ficou encarregado de desenvolver e estabelecer a proposta de texto da resolução para ser submetida à assembleia mundial em 2024.
Novos caminhos
Segundo a ONU, 2 bilhões de pessoas enfrentam dificuldades financeiras por causa de despesas com saúde pagas do próprio bolso, incluindo 344 milhões de pessoas que vivem na extrema pobreza. Desde o lançamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em 2015, mesmo antes da pandemia de Covid-19, a expansão da cobertura dos serviços de saúde estagnou e a proteção financeira deteriorou-se.
“Isso não são apenas números. Representa a luta diária de milhares de pessoas a quem é negado o direito à saúde, bem-estar e dignidade. A participação social é fundamental para a construção de uma resiliência equitativa e de um sistema de saúde centrado nas pessoas, que coloque as pessoas no centro das decisões políticas e dos programas.” A afirmação é da guineense Magda Robalo, presidente do Institute for Global Health and Development (IGHD), durante evento paralelo da 77ªAMS que discutiu o tema em função da resolução.
O diretor-geral da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), o médico brasileiro Jarbas Barbosa, também celebra o reconhecimento feito pela resolução. “Eu fico muito feliz de ter dois países das Américas nos nossos Estados membros, o Brasil e os Estados Unidos, apoiando essa resolução. O Brasil tem uma história grande de participação social. Eu diria que a própria construção do SUS foi resultado de uma participação social intensa no momento de redemocratização do país.”
“Essa resolução reconhece um papel importantíssimo que o movimento social, as comunidades organizadas e a sociedade civil têm tido ao longo dos anos na área de saúde. Sem uma participação intensa das organizações sociais nós não teríamos, por exemplo, hoje acesso universal a medicamentos antirretrovirais. Nós não teríamos tido a força para que se pudesse contrapor a indústria do tabaco, aprovando a Convenção-Quadro do Controle do Tabaco”, complementa Jarbas.
Resolução para participação social no mundo
O texto da resolução “Participação Social para a cobertura universal, saúde e bem estar” reafirma o princípio consagrado na Constituição da OMS que a saúde é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, ideologia política ou condição econômica ou social.
Também recorda a declaração política da reunião de alto nível da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Cobertura Universal de Saúde, que promove abordagens participativas e inclusivas à governação da saúde para alcançar a cobertura universal, incluindo a exploração de modalidades que melhorem uma abordagem social significativa onde todas as partes interessadas estão envolvidas, como as comunidades locais e organizações da sociedade civil.
Foto: Antoine Tardy / WHO
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