Ajuste fiscal e empreendedorismo estatal
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Planalto
O ajuste fiscal é uma política passageira, que não veio para ficar, garantiu, nesta sexta-feira (15), o ministro de Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo. Segundo o ministro, o governo está se adaptando para se adequar às exigências dos ajustes necessários ao orçamento e para a retomada do crescimento do País.
“Em primeiro lugar é preciso saber que o ajuste não é uma coisa eterna,
não veio para ficar, então é um momento passageiro. Nós estamos
trabalhando com essa ideia e estamos ajustando o que for necessário para nos
adaptarmos as exigências do ajuste esse ano e, enquanto isso, se preparar para
quando o País voltar a ter uma situação favorável ao crescimento e ao
desenvolvimento”, defendeu em entrevista à imprensa.
O ministro ainda garantiu que o governo não ficará sem orçamento e que
haverá recursos para os programas prioritários. “O governo não vai ficar sem
orçamento, mas o orçamento para as atividades sempre existirá. Eu estou
fazendo os cálculos e estabelecendo as prioridades no MCTI [Ministério da
Ciência e Tecnologia e Inovação],” ressaltou.
Aldo Rebelo fez essas afirmações após participar de reunião da
presidenta Dilma Rousseff com a economista italiana, Mariana Mazzucato. A
acadêmica é uma das maiores referências internacionais na área de
empreendedorismo estatal e defende uma posição estratégica do poder público no
que se refere aos investimentos em inovação e em desenvolvimento tecnológico.
O papel do Estado no capitalismo moderno é um dos pontos centrais do
trabalho da economista ítalo-britânica Mariana Mazzucato. Em visita ao
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), ela concedeu entrevista em
que defende a definição de missões – grandes problemas a resolver –
orientadoras do investimento e a preocupação inclusiva na atividade inovadora.
Autora do livro O Estado Empreendedor – Desmascarando o Mito do Setor
Público vs. o Setor Privado, ela lembra que mesmo o Vale do Silício – um dos
principais casos de geração de negócios baseados em novas tecnologias – contou
com investimentos públicos vultosos e diversificados. Na entrevista, citou o
papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como
exemplo de aplicação do retorno de investimentos em inovação.
"Escolas requerem inovação, hospitais requerem inovação. Ela não é
só hi-tech, é como vivemos", ressalta a professora de economia da inovação
na Universidade de Sussex, na Inglaterra.
Nesta tarde, Mariana Mazzucato se reuniu com o ministro Aldo Rebelo e
seguiu para encontro com a presidenta Dilma Rousseff. Na quarta-feira (13), ela
deu palestra no 6º Congresso Brasileiro de Inovação, em São Paulo.
Um dos eixos do seu trabalho é o papel do Estado como indutor da
inovação e a necessidade de uma adequada parceria com o setor privado para esse
fim. Como atingir esse objetivo?
A primeira coisa é admitir que os poucos lugares do mundo que cresceram
por meio do chamado "smart growth", baseado em inovação, tiveram um
papel do setor público muito ativo, mais ativo do que admitimos na teoria
econômica, na qual, na melhor hipótese, falamos que o Estado ajusta o mercado,
conserta seus problemas, mas não cria ativamente mercado.
No Vale do Silício [na Califórnia, Estados Unidos], o Estado, por meio
de muitas organizações diferentes, criou em muitas áreas – investindo dinheiro
em biotecnologia, nanotecnologia, na área de internet e também na de
inteligência artificial. Investimentos descentralizados, porém públicos. Por exemplo,
só no ano passado, os Institutos Nacionais de Saúde [NIH, na sigla em inglês]
gastaram US$ 32 bilhões em biotecnologia. Então, como imitar um pouco a
dinâmica do Vale? Muitos países pensam simplesmente que têm que dar um pouco de
dinheiro para as empresas pequenas ou financiar a ciência, sem se dar conta
que, naquele caso, o Estado teve papel ativo em toda a cadeia – na pesquisa
básica e aplicada, e dando dinheiro para as próprias empresas, as mais
inovadoras. Os recursos privados vieram depois disso. Intel, Compaq e também
Apple tiveram dinheiro para a [constituição como] empresa, não só para a
tecnologia. O não reconhecimento do Estado como sócio, cocriador, justifica que
todo o lucro seja privatizado.
Como enfrentar essa questão?
Temos que ter instrumentos para socializar os lucros, senão acontece
como no Vale do Silício, onde, apesar de todo o investimento público, as
escolas e hospitais públicos foram perdendo verba, porque não temos uma
história coletiva de onde vem o valor, a riqueza. É uma narrativa muito
assimétrica, em que se pensa no sucesso como privado, obra de alguns poucos
inovadores que ficam ricos, e no fracasso, como público.
É interessante, no caso do Brasil, a atuação de um banco público, o
BNDES. Por definição, quando há um retorno do investimento por ele feito, vamos
dizer, de 20%, o Tesouro vai retomar 80% disso e pode reinvestir na economia.
Uma parte do dinheiro que se ganha com inovação pode ser destinada a
urbanização de favelas, saneamento, Bolsa Família, o que for.
A sra. defende "missões" para definir investimentos e
mobilizar esforços.
Esse tipo de investimento de que eu estava falando era sempre regido por
prioridades. E elas não eram pontuais, como [a produção de] automóveis. Eram
missões ligadas a problemas. Como chegar à Lua: um problema concreto, mas
aberto, porque envolve 15 setores. Quais poderiam ser as novas missões? O
problema demográfico – alguns países que têm a população muito velha –, o
problema climático... A Alemanha mudou toda sua economia – produção, distribuição,
consumo – por meio da missão verde. Não se pode ajudar o todo [o conjunto dos
setores econômicos], é preciso priorizar. Mas uma missão pode colocar muitos
setores para trabalhar juntos. É também um modo de dinamizar, catalisar e
provocar. E, se são públicas, têm que ter um valor público. Alguns países que
estão atraindo capital – como China, Dinamarca e Alemanha – mostram às empresas
que têm uma visão de transformação, e as empresas reagem a isso.
Sua análise também passa pela necessidade de criar organizações estatais
inovadoras. O que permitiria formá-las com essa vocação?
Isso se conecta diretamente com a ideia da missão. Se você tem uma
organização envolvida nisso, pode colocar cientistas de alto nível nela. Meses
atrás, o responsável pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos era um
Nobel de Física, Steven Chu. Se o objetivo é apenas ajudar empresas privadas,
não é tão interessante, eu posso preferir a área acadêmica. Outro ponto é a
admissão de que é possível falhar, que nunca se vai inovar sem erros. Por
definição, aprende-se com eles. A necessidade de ter um pouco de lucro é também
para cobrir as perdas quando acontecerem.
Leia mais sobre temas
da atualidade: http://migre.me/kMGFD
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