A
guerra Rússia-Ucrânia não é um filme de Hollywood
Thiago
Modenesi*
A
cobertura permanente da mídia acaba pressionando para que quem assiste tome uma
posição sobre a guerra que se desenrola entre a Rússia e a Ucrânia, isso é um
erro. Não cabe “tomar posição” nessa guerra: Putin está errado ao invadir a
Ucrânia e desenvolver um conflito bélico, os EUA estão errados em terem
pressionado para que a Ucrânia ingressasse na OTAN e, assim, descumprisse
acordos estabelecidos há décadas com a Rússia, além de reforçar uma organização
que perdeu o motivo de existir. A OTAN hoje cumpre o papel diametralmente
oposto do que para o que foi criada, ajuda a desenvolver no século XXI um cerco
as fronteiras russas e a ampliação da pressão política e econômica sobre esse
país.
E
a Ucrânia também está errada, o país é presidido por um populista de
extrema-direita, eleito em uma onda conservadora impulsionada por redes sociais
e apoiada em milícias neonazistas, a exemplo do Azov, que massacraram a oposição
política e fisicamente. A notícia que circula nas redes sobre a Casa dos
Trabalhadores, espaço que abrigava sindicatos e uma sede regional do Partido
Comunista da Ucrânia, é apenas uma pequena demonstração do que foi perpetrado
no país contra qualquer força de oposição. Zelensky conspirou para quebrar
acordos firmados com o vizinho russo, flerta com o ingresso do país na OTAN e
oprime belicamente as tentativas de Donetsk e Luhansk de se estabelecerem como
nações independentes.
Não
há lado “bom” nem “mau” no conflito, as decisões que levaram a esse foram
econômicas, estratégicas e geopolíticas para todos os países envolvidos. A
guerra se dá quando a diplomacia fracassa. Não é um filme de Hollywood e, no
caso específico da Rússia e Ucrânia, a presença dos EUA não é de um “herói” e
sim a do pivô que jogou a Ucrânia na fogueira buscando ampliar sua influência
para mais além e largou o pretenso aliado em meio a um conflito bélico pesado,
levando inclusive ao presidente ucraniano dizer na imprensa internacional que
precisava de armas e não de asilo político...
Tudo
isso se dá no contexto de um mundo unipolar desde o fim do campo socialista com
a queda do muro de Berlim na década de 90 do século XX, esse vem sendo
hegemonizado pelos EUA com constante ameaça de quebra dessa primazia pela
China.
Esse
conflito tem potencial para sacudir esse equilíbrio, podendo reforçar a posição
dos EUA, ou até mesmo mudar o ator principal da economia global para China, mas
pode também gerar um novo mundo bipolar ou multipolar, tendência que se reforça
dia após dia, vide o impasse que vai se apresentando na ONU em como enfrentar
de maneira objetiva a guerra em curso, e também na pouca efetividade das
sanções adotadas pela Europa e EUA, lembrando que a Rússia sempre tem a
alternativa econômica chinesa bem ao lado.
Agora,
não há dúvida, desastroso e patético é o comportamento do presidente do Brasil.
Na diplomacia até mesmo a neutralidade constitui uma posição. A mudança
sucessiva de posições do governo brasileiro, a visita feita por Bolsonaro, sem
retornos econômicos e diplomáticos reais no auge da crise, a tentativa de
afirmar que a guerra não ocorreria por conselhos do atrapalhado presidente
tupiniquim ao seu “colega” russo (como Bolsonaro mesmo o nominou) ... tudo isso
forma um desencontro de narrativa como nunca visto na diplomacia de nossa
República.
Não
há como imaginar a maneira como os fieis seguidores do presidente do Brasil
devem estar tendo dificuldade para se adaptar as oscilações discursivas de seu
“mito”, vale lembrar que, logo no começo do governo Bolsonaro, seus seguidores
mais próximos promoveram uma marcha com tochas contra o STF liderados por Sara
Winter, então destacada líder dessa tropa de irresponsáveis.
Esses
diziam que iriam “ucranizar” o Brasil, seguiam de perto e admiravam o exemplo
dado no país europeu por Zelensky, inclusive ostentavam nas manifestações
bandeiras da Ucrânia e dos extremistas fascistas do Azov, partido de
ultradireita daquela nação.
Agora
o “mito” diz que o povo ucraniano elegeu um comediante, renega o exemplo que
seguia e se soma a Putin, outra liderança de direita, acostumada a exterminar
seus adversários. Tempos difíceis para ultradireita brasileira modular de hora
em hora seu discurso, lembrando que para eles Bolsonaro não erra, é perfeito,
mas a impressão que fica para quem assiste angustiado ao conflito é que a
posição do governo bolsonarista é a pior possível, vai nos prejudicar
economicamente e apresenta ao mundo um Brasil vacilante, com muita vontade de
ser vassalo, ora dos EUA, ora da Rússia. Saudades do Brasil que mantinha
relações diplomáticas multilaterais e atuava para aproximar nações e acabar com
conflitos, respeitado na ONU, nos BRICS e no mundo.
*Professor universitário, doutor em História pela UFPE
Onde a luta encontra a poesia e se expressa em imagens https://bit.ly/3E95Juz
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