Eduardo Fagnani explica a proposta de arrocho
Mecanismo imaginado por Guedes e Bolsonaro para achatar salários
e aposentadorias copia o da ditadura. Proposta anula direitos previdenciários o
que a Constituinte garantiu. Se aprovado, arrocho atingirá 75 milhões de
brasileiros
Entrevista
a Carlos Drummond,
na CartaCapital
Aposentados,
recebedores de benefícios sociais e trabalhadores ativos, que compõem a parcela
mais pobre da sociedade, serão sacrificados ainda mais no caso de reeleição de
Bolsonaro, alerta o economista Eduardo Fagnani, professor da Unicamp.
O ministro da
Economia, Paulo Guedes, que conta com a recondução para o cargo, pretende
acabar com a correção do valor do salário mínimo e da aposentadoria pela
inflação passada, o que significa retomar uma prática da ditadura militar. O
projeto joga no lixo um dos principais avanços da Constituição de 1988, que
vinculou os benefícios previdenciários e sociais ao salário mínimo, alerta
Fagnani na entrevista a seguir.
Qual é o problema
maior desse plano?
Esta eleição é
entre a ditadura e a democracia e o Bolsonaro já está apontando o caminho
ditatorial. Por exemplo, quando ele quer mudar a composição do STF reeditando o
Ato Institucional número 2 do período militar. Na questão da Previdência, é a
mesma coisa. Quando você deixa de considerar o salário mínimo como base de
referência para o reajuste das aposentadorias, está reeditando uma política da
ditadura.
Qual política?
A Constituição de
1988 avançou em duas coisas importantes em relação à Previdência. A primeira
foi a inclusão do trabalhador rural e a segunda, estabelecer que nenhum
benefício pode ser inferior ao salário mínimo.
Por que manter esse
critério é importante?
Porque os
trabalhadores têm maior capacidade de se mobilizar pelo reajuste do salário
mínimo, possuem maior poder de barganha do que os aposentados. O que acontecia
antes? Não existia essa vinculação. E o que a ditadura fazia de modo
recorrente? Reajustava as aposentadorias abaixo da inflação. Entre 1980 e 1984,
quando teve crise cambial e inflação, o poder de compra dos aposentados foi
reduzido em mais de 50%. Inclusive uma das mudanças proporcionadas pela
Constituição de 1988 foi a recomposição salarial ocorrida nesse período.
Como ocorreu
tamanha erosão do poder de compra das aposentadorias?
Na ditadura, entre
1984 e 1985, mais da metade dos benefícios era inferior ao salário mínimo. O
que a Constituição fez? Impediu que o benefício seja inferior ao salário
mínimo. O piso passa a ser o salário mínimo. Ao planejar a desvinculação dos
benefícios do salário mínimo, Guedes reedita mais uma política da ditadura.
Quem são os
prejudicados?
Isso não afeta
apenas os benefícios da Previdência Rural e Urbana. Prejudica também o auxílio
desemprego e o Benefício de Prestação Continuada. Guedes ajudou a ditadura de
Pinochet e suas medidas se espelham em políticas ditatoriais.
Segundo o projeto
de Guedes, o reajuste passaria a ser a partir de uma meta de inflação.
Ele pretende
reeditar aquela famosa política do arrocho salarial implantada com o golpe de
1964. O governo fazia uma previsão de inflação, que seria a base para o
reajuste dos salários. Acontece que essa previsão era sempre inferior à
inflação real. Por conta dessa manipulação, todos os anos o governo corroía o
poder de compra dos salários. É que explica o fato de nas décadas de 1960 e
1970 o Brasil ter crescido como a China, mas com uma concentração brutal da
renda.
Assim funcionou o
arrocho salarial, e é basicamente o que vai acontecer, se o plano de Guedes for
aprovado. Haverá uma profunda corrosão do poder de compra do aposentado rural,
do aposentado urbano, dos beneficiários do seguro-desemprego e dos mais de 6
milhões de famílias que recebem o Benefício de Prestação Continuada e que tem
renda familiar de até um quarto do salário mínimo.
Quantas pessoas
serão afetadas no total?
Cerca de 45 milhões
de pessoas sofrerão uma substancial perda pela corrosão do valor real desses
benefícios sociais, que hoje tem um papel fundamental para mitigar a
desigualdade.
Como é a composição
desse total?
São cerca de 25
milhões de beneficiários da Previdência Urbana, 12 milhões da Previdência
Rural, 6 do BPC, sem contar o seguro desemprego.
Sem contar as
dezenas de milhões de trabalhadores ativos que serão afetados pelo arrocho.
Sem dúvida. Além da
Previdência, do seguro-desemprego, do Benefício de Prestação Continuada, vai
afetar também mais de 30 milhões de pessoas que recebem o salário mínimo.
A medida pretendida
por Guedes prejudicará, portanto, um total aproximado de 75 milhões de pessoas.
Sim. São exatamente
os mais pobres. A reedição do arrocho salarial vale também para os
trabalhadores ativos que recebem salário mínimo. E quando arrocha o salário
mínimo, comprime também os benefícios da Previdência.
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