24 outubro 2022

China em desenvolvimento

Pesquisadora brasileira: Partido Comunista da China é o promotor da visão de desenvolvimento chinês

 Zhang Rong, Diário do Povo online

 

O 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China está decorrendo em Beijing. O evento político da China tem atraído a atenção do mundo inteiro. A brasileira Karin Costa Vazquez, pesquisadora sênior do think-tank Center for China and Globalization (China) e professora na O.P. Jindal Global University (Índia), tem acompanhado os desenvolvimentos do congresso. Recentemente, concedeu uma entrevista exclusiva ao Diário do Povo Online, em que aborda o papel do Partido Comunista da China como "grande promotor da visão de desenvolvimento chinês".

Pergunta: Como analisa o desenvolvimento da China nas últimas décadas, especialmente nos últimos 10 anos?

Resposta: Sob a liderança de Xi Jinping, o Partido Comunista da China e o povo chinês erradicaram a pobreza extrema e estão em vias de criar uma sociedade moderadamente próspera até 2035, quando a diferença entre ricos e pobres, zonas urbanas e rurais deverá ser significativamente reduzida. A liderança de Xi Jinping também será fundamental para que a China consiga fazer a transição para uma economia intensiva em tecnologia e de baixa emissão de carbono, promover políticas razoáveis para o enfrentamento da Covid-19, e trabalhar com todos os países para a construção de um futuro comum mais próspero, pacífico, inclusivo e sustentável.

O desenvolvimento chinês e a liderança que a China exerce no mundo são experiências sobre as quais nós, brasileiros, devemos refletir. O Brasil e a China trabalham para superar desafios de desenvolvimento semelhantes e podem aprender um com o outro - com abertura e respeito. Enquanto nossos países se preparam para o futuro, a nossa parceria deve contribuir não só para a prosperidade e o bem-estar dos nossos povos, mas também para a sustentabilidade do nosso planeta.

Pergunta: Que papel você acha que o PCCh desempenha no desenvolvimento da China?

Resposta: Uma das maiores lições que eu tive nesses quase cinco anos vivendo na China é a visão de desenvolvimento e capacidade de realização do povo chinês. O Partido Comunista da China, a meu ver, é o promotor dessa visão de desenvolvimento e elo para a sua realização nos diferentes níveis da estrutura política e social do país.

Leia também: A adaptação do marxismo à realidade chinesa é a solução para o PCCh superar todos os desafios de governança https://bit.ly/3Dhrgnz

Pergunta: Nos últimos dez anos, a proporção da economia chinesa aumentou de 11,4% para mais de 18% da economia global. O contributo chinês para o crescimento econômico global atingiu cerca de 30% a cada ano. Como analisa a evolução destas cifras? Partindo da cooperação exercida entre os países do BRICS, que aspetos destacaria do contributo da China para a recuperação e desenvolvimento da economia mundial?

Resposta: É inegável o peso da economia chinesa no mundo e a sua correlação com o crescimento global. No caso do Brasil, a aceleração da economia chinesa levou ao aumento da demanda por commodities e contribuiu significativamente para o crescimento da nossa economia nos últimos cinco anos. As importações da China também evitaram uma desaceleração ainda maior da nossa economia no auge da pandemia em 2020. Em 2021, a China transferiu tecnologia para a produção de vacinas Covid-19, ajudando a avançar os esforços de vacinação no Brasil.

Existe espaço para investimentos chineses em tecnologia e infraestrutura associadas a atividades de maior competitividade e complexidade no Brasil. O investimento público em desenvolvimento científico-tecnológico no Brasil tem se mantido nos menores patamares da história do país.

Outro aspecto cada vez mais importante nas decisões de investimento da China, e que pode beneficiar o Brasil, é a sustentabilidade. Tecnologia, inovação e sustentabilidade estão no coração do 14º Plano Quinquenal chinês e são temas centrais para o futuro da economia brasileira e do mundo. Uma relação de ganha-ganha necessariamente dependerá de uma agenda de cooperação robusta nessas três frentes.

Pergunta: Quase 100 milhões de habitantes em regiões carenciadas foram retiradas da pobreza na China, permitindo ao país atingir, 10 anos antes do previsto, as metas de redução da pobreza contempladas na Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Como avalia o desempenho da China na erradicação da pobreza?

Resposta: A China tem muitas experiências de desenvolvimento para compartilhar. O país já cumpriu o Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 1 (erradicação da pobreza) e 4 (educação de qualidade) da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e está a caminho de cumprir outros três dos 17 objetivos: ODS 6 água e saneamento; ODS 9 indústria, inovação e infraestrutura; e ODS12 consumo e produção sustentáveis.

Mais importante do que se tornar “referência” ou “exportar” experiências de sucesso na China, ao meu ver, é entender que não existe uma única fórmula aplicável a todos os países e que as soluções para desafios de desenvolvimento devem ser construídas em conjunto, dentro de uma relação de horizontalidade e ganhos mútuos. Nesse sentido, essas experiências precisam atender prioridades de desenvolvimento locais e serem adaptadas para contextos político-econômico-institucionais, muitas vezes, distintos do chinês.

Essa, ao meu ver, deve ser a tônica da Iniciativa Global para o Desenvolvimento (GDI, na sigla em inglês), lançada pelo Presidente Xi durante a 76.ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em 2021, para acelerar e dar escala à implementação da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. Até agora, mais de 100 países manifestaram apoio à iniciativa e mais de 60 se juntaram ao Grupo de Amigos do GDI, criado pela China na ONU. Financiamento externo integrado com orçamentos nacionais, transferência e desenvolvimento conjunto de tecnologia, e fortalecimento de capacidades são outros aspectos que, ao meu ver, também devem ser enfatizados pelo GDI.

Pergunta: Os líderes chineses afirmam recorrentemente que "águas límpidas e montanhas exuberantes são bens inestimáveis". Qual o balanço que faz sobre o progresso da China em matéria de proteção ambiental e sustentabilidade nos últimos anos?

Resposta: O modelo de desenvolvimento adotado na China nas últimas décadas também teve um custo alto para o meio ambiente. A resposta do governo chinês foi o lançamento da ideia de civilização ecológica e a inclusão da ideia que pessoas e planeta devem conviver em harmonia no conjunto de políticas que orientam as ações do país no plano doméstico e internacional.

Foi nesse contexto que, em 2020, Xi Jinping declarou o compromisso da China em tentar neutralizar as emissões de carbono até 2060. Esse compromisso começou a entrar em ação no ano seguinte, quando a China investiu US$ 266 mil milhões em medidas para a transição energética, como o lançamento do maior mercado de carbono do mundo e o fim do financiamento de projetos de carvão no exterior. O governo chinês também tem desenvolvido um marco jurídico-normativo-institucional para a expansão do uso de energias renováveis e o alinhamento do financiamento externo chinês, inclusive no âmbito da Iniciativa do Cinturão e da Rota, com parâmetros de sustentabilidade.

Ainda existe um longo caminho a percorrer, Apesar disso, a esperada mudança da matriz energética chinesa deverá impactar a transição energética global e os fluxos de comércio e investimentos nas próximas décadas. Países como o Brasil devem estar atentos a essas mudanças e seu impacto econômico, e identificar elementos que possam contribuir para um reposicionamento efetivo.

Pergunta: A pandemia continua ativa, a situação de segurança internacional permanece instável e a recuperação econômica global é ainda tímida. Perante todas estas incertezas a nível internacional, de que forma pode a China contribuir para a estabilização do cenário global?

Resposta: A China tem a visão de desenvolvimento e os meios para realizá-la. Em tempos de grande incerteza geopolítica, é importante ter humildade e investir em mecanismos de construção de confiança mútua e no diálogo para o desenvolvimento conjunto de narrativas e ações para o fortalecimento da governança global. 

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