É
um prêmio para o marxismo brasileiro, diz vencedor do Special Book Award of
China
Elias Jabbour
vencedor do Prêmio chinês de melhor livro de 2022, explica porque “China: O
socialismo do século XXI” é um sucesso editorial
Theofilo
Rodrigues, Vermelho www.vermelho.org.brf
Autor de “China: O socialismo do
século XXI”, publicado em parceria com o economista italiano
Alberto Gabriele, o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ,
Elias Jabbour, foi anunciado nesta quarta-feira (19) como vencedor do Special
Book Award of China 2022, principal prêmio de literatura da China.
Em entrevista ao portal da Fundação
Maurício Grabois, Jabbour explica o significado da premiação: “É um prêmio para
o marxismo brasileiro”.
Elias, em primeiro lugar, parabéns!
Te conheço há cerca de vinte anos e sei bem do seu empenho em investigar o
socialismo chinês de modo científico. Como você está se sentindo com a notícia?
O que significa para você ganhar esse prêmio?
Elias Jabbour: Primeiro que a ficha não caiu. Se olhar no conjunto, é muito difícil algum trabalho nas ciências sociais brasileiras receber um prêmio internacional como esse. É um prêmio em que um país com mais de 1 bilhão de habitantes, que é o que mais cresce no mundo, escolhe um estrangeiro entre outros 200, para ganhar. E é a primeira vez que escolhem um livro de economia política. Os outros foram traduções. Então é um prêmio de grande dimensão. Além disso, é um prêmio para o marxismo brasileiro. Pois o que fiz no livro foi aplicar o Rangel [Ignácio Rangel, 1914-1994, economista marxista brasileiro] para entender a realidade chinesa. E é uma vitória da Fundação Maurício Grabois, que esteve sempre por trás de tudo isso. As pessoas na China que conhecem a história por trás desse prêmio falam que é algo muito significativo para eles. Então estou muito feliz, mas ainda não caiu a ficha. Essa que é a verdade.
O livro tem sido um grande fenômeno
editorial, sempre na lista dos mais vendidos. Na sua opinião, qual a razão de
tanto sucesso?
Elias Jabbour: Em certa
medida, as pessoas estão procurando leituras alternativas sobre a China. Mesmo
os acadêmicos. Existem interpretações de economistas neoclássicos de que a
China seria capitalista. Essas leituras ficam variando entre livre mercado e
capitalismo de Estado. Uma falta de sintonia entre teoria e história, entre sujeito
e objeto. O que leva a leituras equivocadas sobre a China, leituras muito de
senso comum, mesmo na Academia. Então acho que o sucesso editorial do livro se
deve ao trabalho incessante nosso de promoção do livro. Mas também ao fato de
ter China e socialismo na capa do livro e de reunir teoria e empiria. Há uma
curiosidade sobre a China que alimenta todo esse sucesso. Além disso, trata-se
de um livro totalmente alternativo às leituras convencionais de esquerda e de
direita sobre a China. Acho que as leituras ortodoxas e heterodoxas não
explicam mais a China. Acho que temos que criar uma teoria nova para entender
aquilo. Esse é o desafio do livro. E isso é o que desperta tanto interesse
nele.
Um dos grandes méritos do livro é
apresentar para o grande público, de forma didática, as bases do socialismo
chinês. O que diferencia esse socialismo chinês do século XXI daquele
experimentado pela URSS no século XX?
Elias Jabbour: Acho que a China
inaugura uma outra tipologia de formações econômicas sociais com as reformas
econômicas de 1978, quando o socialismo chinês acaba se reinventando através de
instrumentos de mercado. Com isso ela acaba se reencontrando com seu passado
milenar, comercial e vigoroso, gerando crescimento econômico novamente
virtuoso. A URSS não teve essa possibilidade. A URSS era uma economia de guerra
completamente. Uma economia cujos desafios externos colocavam várias restrições
ao crescimento econômico soviético. Ela teve que construir uma economia toda
voltada para a Guerra, iniciada com a guerra. Então tem desde questões que
envolvem empresas estatais que foram se tornando ineficientes com o passar do
tempo, até a falta de um sistema de inovação tecnológica que fosse capaz de
enfrentar o desafio que os próprios soviéticos colocaram da revolução técnico
cientifica a partir da década de 1970. Então as respostas que a URSS não
conseguiu encontrar para suas questões, a China conseguiu. Mas para isso a
China contou com uma classe política de alto nível, a começar por Deng
Xiaoping, que a URSS não teve. A URSS acabou governada por Yeltsin e
Gorbatchov. Mas eu não acho que a URSS seja uma derrota, uma experiência que
deva ser esquecida. Acho que foi uma experiência vitoriosa, na medida em que
permite a ascensão chinesa. Há uma continuidade e ruptura que não podemos
negligenciar.
Você faz parte de uma corrente
teórica, o marxismo-leninismo, que tem pouca entrada na academia Ocidental.
Outras escolas marxistas como a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, o
estruturalismo francês de Althusser e Poulantzas ou o marxismo Ocidental de
Gramsci tiveram maior repercussão nas universidades. Você acredita que o
sucesso do seu livro pode abrir um novo momento para o marxismo-leninismo na
academia brasileira?
Elias Jabbour: Eu
honestamente não acho que a nossa corrente política terá maior abertura na
universidade com meu livro. Acho muito difícil. Pois é muito consolidado no
Ocidente a visão da Escola de Frankfurt. Temos que observar que o que chamam de
Teoria Crítica, tomar o poder sem tomar o Estado, é parte desse niilismo que
tomou conta do Ocidente nas últimas décadas. Então achar que ao falarmos que
existe uma experiência no mundo que se diz socialista e que está avançando a
passos largos para a construção de uma engenharia social mais avançada do mundo
não vai convencer as pessoas a olhar para lá, pois as pessoas no Ocidente são
muito influenciadas pelo pensamento positivista, pelo pensamento de Kant, cada
um tem uma ideia fixa do que é o socialismo na sua cabeça. Acho que essa
batalha em torno da nossa corrente de opinião se tornar prevalente na
universidade é de muito longo prazo. O que acho é que nosso livro conseguiu
abrir uma cunha na discussão, acabou a hegemonia de um pensamento único sobre a
China. Esse é o grande mérito do livro na universidade. No meu caso particular,
isso tem a ver com o fato de eu ter conseguido manter uma produção intelectual
de alto nível, com publicações em revistas estrangeiras, pois isso faz parte da
legitimação de um intelectual na academia.
É importante lembrar que o livro foi
escrito por quatro mãos. Como se deu seu encontro com Alberto Gabriele?
Elias Jabbour: Meu encontro
com Alberto aconteceu de forma bem interessante, pois eu estava terminando meu
doutorado em 2010 e percebi buscando textos na internet que havia um autor italiano
falando a mesma coisa que eu, mas do outro lado do mundo. Essa questão do
conceito de formação econômica social, que é o conceito de fronteira das
ciências humanas e sociais, eu já trabalho desde a iniciação científica, por
conta de meu orientador. Então eu fui atrás dele, demorei anos para conseguir o
contato, até que consegui, viramos amigos. Virou uma amizade infinita que não
tenho como descrever. Alberto Gabriele é um economista da ONU, trinta anos de
experiência, que após a aposentadoria mergulhou de cabeça na tentativa de
entender a experiência chinesa. Para mim é uma honra imensa tê-lo como coautor,
um amigo, um irmão, um pai, ou seja, é muita coisa o que ele significa para
mim.
E agora, quais os próximos passos?
Elias Jabbour: O próximo
passo é consolidar o conceito de projetamento, como uma forma histórica com a
qual o socialismo está presente na China. Ou seja, a razão enquanto instrumento
de governo. É buscar consolidar isso para desenvolver melhor em um novo livro.
O projetamento rangeliano renasce na China e o prêmio legitima esse conceito.
Minhas publicações recentes em revistas também legitimam esse conceito. Já
tenho diversos artigos aprovados em revistas nacionais e internacionais que
tratam exatamente disso. É por ai que vamos entender o socialismo do século
XXI.
Leia também: Os chineses construíram a engenharia social mais avançada do mundo https://bit.ly/3RW9fPJ
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