Com distorções de Bolsonaro, clima finalmente chega à eleição
Cínthia Leone, UOL
No
debate eleitoral de domingo (16), Jair Bolsonaro tentou enganar sobre seu
desempenho no combate ao desmatamento na Amazônia. Apostando em uma possível
dificuldade dos eleitores para interpretar dados, seus
apoiadores divulgam desde então gráficos com informações do INPE
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que, na verdade, facilitam a
interpretação de que tipo de política foi implementada em cada período. Lula
herdou um desmatamento recorde e o reduziu em 67%; o atual presidente recebeu
taxas de desmatamento relativamente baixas e está liderando um aumento recorde
de 73%.
É
claro que o desmatamento selvagem na Amazônia é anterior a Bolsonaro.
Especificamente, a ditadura militar (1964-1985) produziu um dos maiores
ecocídios da história humana recente sem resultados econômicos relevantes,
juntamente com o genocídio contra milhares de
indígenas amazônidas. A imprensa apoiou o que chamava de "ocupação do
deserto verde", intoxicada pela tese militar - repetida até hoje - de que
o interesse estrangeiro seria a grande ameaça à maior floresta do mundo.
Quando
os militares devolveram o poder aos civis e a Constituição de 1988 foi criada,
a crise econômica era tão severa que mesmo as atividades que mais
impulsionam o desmatamento - pecuária, monocultura, mineração e garimpo -
estavam sub-financiadas e as terras tinham baixo valor comercial.
Foi
no governo Fernando Henrique Cardoso que o desmatamento na Amazônia voltou
a subir, com o psdbista entregando a Lula uma taxa anual de 21,6 mil km², em
2002. Já Bolsonaro recebeu de Michel Temer uma taxa de desmatamento anual de
7,5 mil km2 e vem impulsionando um aumento contínuo. Em 2021, essa taxa foi de
13 mil km², e os dados preliminares apontam que o ano de 2022 será ainda pior.
Leia também: Mudanças
climáticas: - verdades ou falácias? https://bit.ly/3Cghod7
A
Amazônia é um importante estoque de biodiversidade, e, por isso, de dióxido de
carbono (CO2), um gás de efeito estufa que demora décadas (até 200 anos) para
deixar a atmosfera da Terra depois de emitido. Quando as espécies de plantas e
animais da floresta morrem ou queimam, devolvem o carbono contido nelas,
contribuindo para aquecer o planeta.
Esta
é a razão do criticismo no exterior. O desmatamento é a maior contribuição que
o Brasil dá à crise climática - já é o sexto maior emissor de gases de
efeito estufa do mundo, mesmo sendo um país ainda em desenvolvimento e com uma
matriz elétrica relativamente pouco poluída por combustíveis fósseis, maiores
causas da mudança climática.
Uma estimativa diz
que o Brasil é o quarto país que mais contribui para a atual crise climática
desde uma perspectiva histórica. Segundo a avaliação, nos últimos duzentos
anos, período em que o CO2 que agora está na atmosfera foi emitido, os
brasileiros estavam consolidando a destruição da Mata Atlântica, outra
importante reserva de vida e carbono. Isso não trouxe o nível de
desenvolvimento observado nas nações ricas, as maiores poluidoras e que estavam
queimando carvão e petróleo neste período para a revolução industrial, mas
jogou igualmente toneladas de carbono no ar.
De
quebra, o processo extinguiu diversas espécies, incluindo a árvore que dá nome
à nação - um enorme significado simbólico.
É
por sua importância climática que o Brasil é uma das grandes expectativas da
próxima Conferência do Clima da ONU, a COP 27, que será realizada no Egito,
apenas sete dias após os resultados das eleições brasileiras.
Com
que país o mundo terá que lidar a partir de 2023? A nação com nome de árvore de
sangue vermelho e de madeira nobre ou aquela que lembra uma antiga commodity
extinta pelo uso insustentável? Um país que já provou que é possível enfrentar
o desmatamento e pode liderar esta agenda em nível global, ou uma terra voltada
ao passado de sua selvageria desmatadora? Um povo que usa sua soberania para
ajudar a construir um mundo mais seguro, ou para destruí-lo? A decisão é dos brasileiros,
as consequências chegarão a todos.
Leia também: Incômodas verdades de um boquirroto https://bit.ly/3MCEdLA
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