Bresser-Pereira: o voto pelo desenvolvimento nacional
Políticas neoliberais condenaram o país ao atraso e à
desindustrialização, analisa o economista. Não faz sentido congelar gastos
públicos enquanto população e PIB crescem. Para o resgate da democracia “deve
haver um piso, não um teto”
IHU
Luiz Carlos
Bresser-Pereira é economista de longa data e que já viu o Brasil passar por
vários presidentes, crises e projetos econômicos. No entanto, não mede as
palavras para criticar o governo de Jair Bolsonaro: “na história do Brasil,
jamais houve um presidente como o que está aí”. Por isso, na entrevista a
seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, é direto ao
afirmar que a escolha que se coloca a todos nós nessas eleições presidenciais é
muito clara. “Os brasileiros estão sendo chamados a escolher entre a barbárie e
a afirmação da democracia e dos direitos humanos”, resume.
Bresser também
observa certas confusões conceituais e ideológicas que fazem o cenário ainda
mais complexo. “Eu sou um progressista, mas o conservadorismo é uma alternativa
política legítima. A maioria dos conservadores que estão votando em Bolsonaro
não são fascistas, mas estão confundindo conservadorismo com fascismo”,
destaca. O mesmo ocorre com certas defesas anticorrupção que se fazem de forma
muito mal fundamentada. “Dizem que estão votando contra a corrupção de Lula;
houve corrupção no PT, mas não foi maior do que nos outros partidos. E a
corrupção de Bolsonaro, sua família, e os beneficiários do orçamento secreto é
muito maior”, avalia.
São essas e outras
razões que fazem o experiente economista não titubear e ser direto ao defender
que Lula, nesse momento, é a melhor saída ao país. “Lula é um desenvolvimentista,
e apenas políticas desenvolvimentistas serão capazes de fazer o Brasil,
estagnado desde 2014, voltar a crescer. As políticas liberais nos condenam à
desindustrialização e ao atraso”, observa. Além disso, destaca o foco do
petista no combate à fome, pois sem tal enfrentamento não há como sonhar com
crescimento econômico e social.
E para quem ainda
se diz em dúvida, especialmente agarrado a questões econômicas, como o temido
gasto fiscal e a implosão do teto, Bresser é, também, muito direto: “O teto de
gastos é um absurdo econômico e já foi abandonado na prática. Não faz sentido
congelar em termos reais o gasto fiscal enquanto a população cresce e o PIB
aumenta. Foi resultado de pura demagogia neoliberal de Temer e Meirelles”.
Ele entende que “há várias propostas de teto de gastos
proporcional ao crescimento do PIB. Uma delas deverá ser tomada, mas
limitando-se aos gastos correntes e abrindo espaço para o gradual
envelhecimento da população”. “Quanto ao investimento público, deve haver um
piso, não um teto. A queda do investimento público e a uma taxa de câmbio que
tornou não competitiva a indústria são as duas causas da quase estagnação
brasileira”, completa.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação
Getúlio Vargas – FGV, atuou como professor visitante de desenvolvimento
econômico na Universidade de Paris I, de teoria da democracia no Departamento
de Ciência Política da Universidade de São Paulo – USP e de
Novo-Desenvolvimentismo na École d’Hautes Études en Sciences Sociales, em
Paris, entre outras universidades pelo mundo. Também foi ministro da Fazenda,
da Administração Federal e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia no
governo Fernando Henrique Cardoso.
Bacharel em Direito pela USP, é mestre em Administração de
Empresas pela Universidade Estadual de Michigan, doutor e livre docente em
Economia pela USP. Entre os livros publicados, destacamos: “A construção política do Brasil:
sociedade, economia e Estado desde a Independência” (São Paulo:
Editora 34, 2016), “Desenvolvimento
e crise no Brasil” (1968/2003), “Construindo
o estado republicano” (2004), “Macroeconomia
da estagnação” (São Paulo: Editora 34, 2007) e “Globalização e competição”
(Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2009).
Confira a entrevista
Que projeto de país está em disputa nas eleições deste ano?
As eleições presidenciais deste ano são fundamentais. Os
brasileiros estão sendo chamados a escolher entre a barbárie e a afirmação da
democracia e dos direitos humanos. Eu sou um progressista, mas o
conservadorismo é uma alternativa política legítima. A maioria dos
conservadores que estão votando em Bolsonaro não é fascista. Mas estas pessoas
estão confundindo conservadorismo com fascismo.
Na história do Brasil, jamais houve um presidente como o que
está aí. Eles dizem que estão votando contra a corrupção de Lula; houve
corrupção no PT, mas não foi maior do que nos outros partidos. E a corrupção de
Bolsonaro, sua família, e os beneficiários do orçamento secreto, é muito maior.
E nunca, em um regime democrático, houve tanto desrespeito pelos direitos
humanos e racismo como há agora. Essa confusão dos eleitores de Bolsonaro se
deve a motivos ideológicos. Eles não querem que haja no Brasil um governo de
centro-esquerda.
Os demais
conservadores brasileiros – aqueles que votaram na terceira via – não fizeram
essa lamentável confusão e agora estão apoiando o candidato progressista.
Que mensagem o
resultado das urnas, nesse primeiro turno das eleições, indicou a esses dois
projetos em disputa?
No primeiro turno,
os brasileiros mostraram que preferem o projeto da democracia e dos direitos
humanos e rejeitam a barbárie. Quando Lula foi presidente, ele fez um bom
governo. Não podemos dizer a mesma coisa de Dilma – uma presidente honesta e
republicana, mas que não soube governar, inclusive no plano econômico. Já Temer
e Bolsonaro apenas agravaram a crise econômica iniciada em 2014.
Pelo que o senhor
tem visto, os candidatos ao Planalto têm sido capazes de ouvir e compreender o
apelo que vem das ruas, especialmente dos mais pobres?
Os dois ouvem, mas
Bolsonaro apenas para ser reeleito. Lula, porque tem como principal compromisso
resolver o problema da fome.
Podemos afirmar que
as linhas econômicas de Bolsonaro e Lula, respectivamente, são uma espécie de
confronto entre Friedman versus Keynes?
Lula é um
desenvolvimentista, e apenas políticas desenvolvimentistas serão capazes de
fazer o Brasil, estagnado desde 2014, voltar a crescer. As políticas liberais
nos condenam à desindustrialização e ao atraso.
No que consiste,
pelo que foi dito até agora e pelas movimentações que percebemos, o projeto
econômico de um novo governo Lula?
Lula não detalhou
seu projeto. Muitos economistas liberais, mas republicanos, que sabem que
Bolsonaro é um inimigo da democracia e do bem comum, estão rejeitando Bolsonaro
e votando em Lula no segundo turno.
Em caso de
reeleição, que caminho econômico o governo de Jair Bolsonaro deve seguir?
O caminho do atraso
e da desigualdade. Foi o que ele fez nestes quatro anos. E continuará
privatizando serviços públicos monopolistas que o mercado é incapaz de
coordenar, mas os neoliberais defendem, e não apenas por ideologia. Alguns
estão interessados nos lucros que terão com as empresas monopolistas
privatizadas e muito nas comissões que receberão durante o processo de
privatização.
Qual é o maior
desafio que o governo eleito em 30 de outubro terá de enfrentar?
O desafio urgente é
acabar com a fome. O grande desafio econômico é fazer o Brasil voltar a fazer
o catching up, a crescer mais depressa do que os países ricos, algo
que não faz há muito tempo, desde 1980, com apenas um intervalo no governo
Lula. Mas então um boom de commodities foi favorável aos bons índices de
crescimento – algo com que não é possível contar hoje.
A renda básica
universal ainda é um caminho interessante para reconstruir o Brasil?
O projeto da renda
básica é uma maravilha, mas só é viável em países bem mais ricos. Eduardo
Suplicy tem sido o grande campeão desta proposta. Os sistemas de bolsa são
um caminho nessa direção.
No começo da
campanha, Lula prometia revogar o teto de gastos. Hoje, seu discurso parece
mais moderado. Qual o desafio para reestruturar a economia nacional sem as
amarras do teto de gastos?
O teto de gastos é
um absurdo econômico e já foi abandonado na prática. Não faz sentido congelar
em termos reais o gasto fiscal enquanto a população cresce e o PIB aumenta. Foi
resultado de pura demagogia neoliberal de Temer e Meirelles.
Há várias propostas
de teto de gastos proporcional ao crescimento do PIB. Uma delas deverá ser
tomada, mas limitando-se aos gastos correntes e abrindo espaço para o gradual
envelhecimento da população. Quanto ao investimento público, deve haver um
piso, não um teto. A queda do investimento público e uma taxa de câmbio que
tornou não competitiva a indústria são as duas causas da quase estagnação
brasileira, de o Brasil estar ficando cada vez mais para trás.
Um governo de
coalizão, como tem proposto Lula, é reconhecido e destacado por unir visões e
interesses não homogêneos. Mas, vencidas as eleições, e com a configuração de
um Congresso como se apresentou nessas eleições, quais os desafios para
equalizar esses interesses?
O desafio é grande,
mas creio que não impedirá Lula de fazer um bom governo.
Olhando para o
projeto econômico de Joe Biden, nos Estados Unidos, e os desafios que têm
enfrentado, podemos projetar como algo semelhante no Brasil com Lula a partir
de 2023?
Sem dúvida. A
grande mudança que houve no mundo rico em 2021 foi sua Virada
Desenvolvimentista depois de 40 anos de regime de política econômica liberal.
Nesse período, apenas os países do Leste da Ásia resistiram ao projeto
neoliberal dos Estados Unidos.
O prejuízo para a
América Latina foi enorme. Mas o sistema foi também negativo para os países
centrais, que no processo de desenvolvimento econômico foram derrotados pela
China e, agora, também pela Índia. Por isso mudaram e terão menos condições
políticas de pressionar o Brasil para que continue neoliberal e não faça
concorrência a eles na exportação de bens manufaturados sofisticados, que pagam
bons salários.
Que erros foram
cometidos pelos governos do PT no passado e que não podem ser repetidos num
eventual novo governo Lula?
O PT deixou-se
contaminar pela política brasileira e aceitou um certo grau de corrupção. Foi
um erro que não pode se repetir. Os brasileiros estão hoje menos dispostos a
aceitar o chamado “caixa dois” que, no passado recente, era norma em todos os
partidos políticos.
Pelo que o senhor
tem afirmado, o novo-desenvolvimentismo ainda pode ser uma alternativa ao
Brasil. Como essa perspectiva é capaz de alinhar crescimento econômico social
sem desconsiderar a crise climática e o flagelo social que temos vivido?
O
desenvolvimentismo é a única forma através da qual o Brasil poderá voltar a
crescer. A teoria e as políticas novo-desenvolvimentistas que venho
desenvolvendo e propondo são, a meu ver, o melhor caminho para isso. No curto
prazo, o flagelo social em que estamos vivendo é resultado do mau governo
atual; no médio prazo, é consequência da quase estagnação econômica.
Por outro lado, o
desenvolvimento não é inimigo da luta contra a mudança climática. Os países
mais desenvolvidos e menos desiguais da Europa do Norte e do Oeste são os
países que têm alcançado os melhores resultados nessa luta. São países
responsáveis pelo bem comum e podem realizar os investimentos necessários para
a mudança energética.
Como o cenário
internacional deve incidir sobre a política econômica do Brasil no
pós-eleições?
No curto prazo,
[deve incidir] de forma negativa devido à crise que a elevação dos juros nos
Estados Unidos está causando. No médio prazo, bem, porque o desenvolvimentismo
[pode ser nossa saída].
Leia também: A frente ampla diante da nação dividida https://bit.ly/3EWSIbq
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