Patentes: a nova ameaça de Bolsonaro à Saúde do Brasil
GTPI denuncia: em conluio com a Big Pharma, governo prepara
retrocessos em série – inclusive reconhecer “propriedade” de corporações sobre
seres vivos. Medidas podem ser grande retrocesso no acesso a medicamentos – e
turbinar os lucros das transnacionais
Gabriela Leite, OutraSaúde
A indústria farmacêutica, em especial as empresas
transnacionais, contam com espaço privilegiado nos locais de tomadas de decisão
do governo Bolsonaro. É o que perceberam os membros do Grupo de Trabalho sobre
Propriedade Intelectual (GTPI) e da Associação Nacional dos Pesquisadores em
Propriedade Intelectual (Anpespi), que participaram dos chamados Diálogos
Técnicos, promovidos pelo ministério da Economia para debater patentes. As
entidades decidiram deixar de fazer parte do Grupo Interministerial de
Propriedade Intelectual ao perceberem que se tratava de uma farsa conduzida
para dar ares democráticos a decisões em favor de corporações da Big Pharma. E pior:
enxergaram que o caminho está aberto para enormes passos atrás no que diz
respeito ao acesso a medicamentos.
É o que transparece na Nota de
Desligamento do GTPI, publicada ontem: “Ficou claro que, com essas reuniões, o
objetivo do ministério da Economia era utilizar a participação da sociedade
civil organizada e de outros atores para legitimar e promover uma das piores
reformas do sistema nacional de propriedade intelectual — a qual tem o
potencial de trazer consequências extremamente negativas para a concretização
do direito à saúde e de outros direitos fundamentais”. A Anpespi também redigiu
nota com seu depoimento sobre as reuniões.
Segundo Alan Silva, advogado do GTPI, a sociedade civil tem
representação ínfima nos Diálogos Técnicos, em relação à intensa ação de
advogados de grandes empresas da indústria farmacêutica. Desde o início, os
membros do grupo perceberam que a sua participação era só de fachada. E houve
diversos indícios de que as empresas tinham prioridade – o que fez o GTPI
enxergar de fato uma “coalizão” entre elas e o governo. Prazos ínfimos para
apresentação de contribuições para a discussão de tópicos importantes, redação
de relatórios que claramente ignoram as contribuições do grupo e a escolha por
fazer votação em um quórum desproporcionalmente representado pela indústria
estão entre os problemas enxergados pelo GTPI. Segundo o advogado, “o nosso
sistema de propriedade intelectual já é extremamente nocivo para o interesse
público, já beneficia de maneira extremamente desproporcional os interesses
privados”.
“Foi na verdade um grande teatro. Os diálogos não eram técnicos coisa nenhuma:
eles já tinham um lado e já tinham ‘soluções’ a que gostariam de chegar”,
lamenta Alan. Os representantes da indústria transnacional, segundo ele, agem
de forma muito agressiva nas reuniões, escancarando sua pressa. A prioridade
número um, ficou claro, é a de extensão do prazo de vigência das patentes –
algo que já foi declarado inconstitucional pelo STF em 2021, mas que o lobby
busca contornar por meio do poder executivo. A coalizão indústria
transnacional-governo Bolsonaro busca elaborar uma grande proposta de reforma
administrativa que deve mudar diversos pontos em relação à propriedade
intelectual, diminuindo o domínio público e beneficiando grandes empresas. E
alguns deles são tenebrosos até do ponto de vista moral e ético, explica Alan.
Entre os pontos
debatidos, dois chamam a atenção. Um deles é o desejo da indústria farmacêutica
de patentear microrganismos e fragmentos de seres vivos. Isso atenta
frontalmente contra o que se entende internacionalmente como propriedade
intelectual: é preciso que se trate de uma invenção e que tenha aplicação
industrial. “Não é razoável a possibilidade de uma empresa se apropriar e
ter exclusividade sobre seres vivos em nome do lucro”, defende Alan. Ele vê,
além de problemas éticos, um projeto de “neocolonialismo exacerbado”: grandes
empresas vêm ao Brasil, retiram seus recursos naturais – de enorme potencial,
levando em conta a riqueza da Amazônia – e depois vendem a preços altíssimos
para os brasileiros.
Outro ponto
debatido nos Diálogos Técnicos de grande preocupação é a intenção de que seja possível
patentear não apenas fármacos, mas também combinações, dosagens e
métodos
terapêuticos. Alan aponta a gravidade da questão: “mesmo quando um medicamento
já caiu em domínio público, o método de tratamento que utiliza esse medicamento
pode ser patenteado, estendendo ainda mais o período de monopólio sobre um
conhecimento que pode salvar vidas”. Continua: “Determinados agentes econômicos
defendem medidas para maximizar seus lucros, completamente insensíveis ao
sofrimento que isso pode trazer, com o agravamento do quadro de saúde pública
que temos no país, no meio de uma das maiores crises da nossa história”.
Falando em crise…
Alan reflete sobre o grande perigo que enfrentamos, com uma possível reeleição
de Bolsonaro, inclusive em relação à questão de medicamentos e das patentes que
beneficiam apenas as grandes empresas: “A continuidade desse governo
representaria a continuidade de uma política de propriedade intelectual
extremamente subserviente aos interesses dos países desenvolvidos e de empresas
transnacionais do Norte Global. Ou seja, representaria a morte desnecessária de
milhares de brasileiros”.
Leia
também: Como a financeirização da saúde se apropria do SUS https://bit.ly/3SX98Vn
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