Nesse artigo, Luís Nassif expões dados sobre interesses econômicos convergentes entre o Brasil e a China. Mas carece de ênfase na variável política: o peso dos dois países num cenário global em transição para a multipolaridade. (LS)
O
futuro das relações Brasil-China, por Luis Nassif
Se
Lula agir com cautela, mediando o conflito Rússia-Ucrânia, poderia reafirmar a
presença brasileira nas instituições multilaterais
Luís Nassif, Jornal GGN
Um estudo do Carnegie Endowment for International Peace prevê uma
relação internacional Brasil-China diferente dos dois primeiros governos Lula.
A China aposta em uma relação de alto nível, e a demonstração foi o
envio, para a posse de Lula, de uma delegação de peso, comandada pelo
vice-presidente Wang Qishan
Mas as circunstâncias são diversas do primeiro mandato.
Lá, a estratégia consistiu em uma parceria diplomática “entre iguais”,
pretendendo uma voz mais equitativa para as nações do Sul Global. Dois países
na periferia das instituições dominadas pelo Ocidente, trabalhando em uma
cooperação Sul-Sul, como forma de construir uma nova geografia mundial.
Segundo o estudo, Lula foi fundamental para a formação, em 2006, dos
BRICS – as economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul. No final do primeiro mandato de Lula, o comércio Brasil-China saiu de
quase nada para US $60 bilhões.
Em 2009, a China já se tornou o maior parceiro comercial do Brasil, e
aportou no Brasil o recorde de US $7 bilhões do Banco de Desenvolvimento da
China para o desenvolvimento do petróleo offshore.
O Brasil passou a responder por 47% do investimento estrangeiro direto
da China na América Latina. Entre 2010 e 2021, o Brasil recebeu US $22,47
bilhões da China Development Bank e do China Export-Import Bank.
Depois, mudaram as prioridades da China. As dificuldades da Venezuela e
Equador em honrar seus empréstimos aumentou a relutância da China como
financiador alternativo do desenvolvimento latino-americano, afetando o Brasil.
Em 2015 houve o recorde de US $7,5 bilhões em empréstimos chineses ao Brasil.
Na década de 2020, praticamente desapareceram.
Segundo a análise, o foco de Xi Jinping, o primeiro ministro chinês, não
seria mais o BRI (Iniciativa do Cinturão e Rota), mas o novo programa,
Iniciativa de Desenvolvimento Global, não apropriada para um país de renda
média alta, como o Brasil.
Além disso, do ponto de vista diplomático, a ação chinesa já é vitoriosa
na América Latina. Até algum tempo atrás, 15 dos 33 países da América Latina e
Caribe reconheciam Taiwan como país independente. Agora, são apenas 8. Há
relações bilaterais fortes e acordos de livre comércio com Chile, Costa Rica,
Panamá e Peru.
Outro ponto foi a política externa da China focada, agora, em tecnologia
e na capacidade de inovação própria do país. Há interesse da China em
participar do estabelecimento de padrões internacionais para as novas
tecnologias.
E aí surgem as disparidades com o Brasil, cuja pauta de exportações
depende fundamentalmente de commodities. Capitais chineses já se instalaram no
país, adquiriram, por exemplo, o aplicativo 99, enquanto a parcela de downloads
de aplicativos dos EUA permaneceu estagnada nos últimos cinco anos.
A diferença entre o nível tecnológico de China e Brasil impede o status
de “parceiro igualitário” que definiu as relações nos primeiros governos Lula.
Com a guerra tecnológica instalada, além disso, qualquer adesão
brasileira a tecnologias chinesas poderá ser vista como hostil aos Estados
Unidos, a exemplo da guerra do 5G.
Apesar da crise e do enfraquecimento da economia brasileira, ainda há
trunfos que poderão ser manobrados por Lula. Graças às exportações de
commodities, o Brasil é a única grande economia latino-americano a registrar
superávit comercial considerável com a China.
A guerra comercial China-EUA fez as exportações brasileiras de soja
dispararem para a China.
Com financiamento bilateral reduzido, Lula
poderá ter acesso ao financiamento chinês através de instituições
multilaterais, especialmente após a China ter estabelecido um fórum conjunto
com a Comunidades dos Estados Latino Americanos e Caribenhos e fundado o Banco
Asiático de Investimento em 2016.
Outra frente será a reafirmação da presença
brasileira no BRICS. Se Lula agir com cautela, mediando o conflito
Rússia-Ucrânia, poderia reafirmar a presença brasileira nas instituições
multilaterais e dar continuidade à política externa multilateral dos anos 2.000.
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